Companheiro – Ave Luz

Simão Pedro Bar-Jonas, natural de Betsaida, conhecedor profundo do sistema de trabalho mais amigo, talvez o mais antigo do mundo, que é a pesca, era homem simples e bondoso, porém, quando irritado, enérgico e, por vezes, violento.

Passados alguns minutos, arrependia-se de sua reação, chegando até as lágrimas. Os seus sentimentos variavam como as ondas do mar. Tinha muitas amizades por todas as redondezas. Seu irmão André o assessorava na pesca e era quem contemporizava com ele em certas discussões.


Pedro fechava o cenho por meras brincadeiras e sorria por um simples olhar. Eis alguns traços do apóstolo Pedro, o primeiro a ter o privilégio de ouvir o “segue-me” de Jesus.


Simão Pedro, ou Cefas, como queiram chamá-lo, mudou-se de Betsaida para Cafarnaum, passando de um para o outro lado do grande Lago da Galiléia. Ele se chamava também Lago de Genesaré, ou Mar da Galiléia, tendo ainda outros nomes, como se fossem sinônimos daquele imenso volume de águas, no sentido de acolher nas suas lindas margens várias cidades ou aldeias de camponeses, já que a agricultura e a pecuária se constituíam em seus maiores afazeres.

Cefas era grandalhão e forte. Desconhecia dificuldades, suas e dos outros, que não estivesse pronto a resolver, somente com o interesse de servir. Sabia que as águas têm seus segredos e era conhecedor deles. Amava e respeitava as leis da natureza, pelo menos as que lhe eram dadas a conhecer. Foi, primeiramente, grande admirador de João Batista, tanto que não perdia suas pregações à beira do Jordão e no deserto mais próximo do famoso rio.

Ao certificar-se da notícia do novo Messias que Filipe anunciara, André, embora com muito respeito a João Batista, insistiu, como inspirado pelos céus, para que Pedro fosse vê- lo. E foi esse Pedro que o dedo de Cristo escolheu, apontando-o como pedra angular da nova doutrina que o mundo ia conhecer, fundamentada no amor e na paz.

Simão Pedro Bar-Jonas foi a porta pela qual os outros discípulos entraram. Os prodígios operados por Jesus faziam-no disciplinar cada vez mais a sua força e o seu adestramento como homem do mundo, para que pudesse vir a ser um homem de Deus. Quando raiava o sol e as redes bailavam nos ares, estendidas por braços musculosos, dois deles eram os de Pedro, que labutava entoando canções que o integrava, cada vez mais, no ambiente das águas, ou se podemos dizer, com os gênios titulares do mundo líquido.

O apóstolo da fé tirou a tarde para meditar. Esqueceu-se do trabalho da pesca para pensar na pesca espiritual, e começou a andar, meditativo, às margens do Mar da Galiléia, parecendo não perceber quem passava. Era um Pedro que vivia, naqueles momentos, nas raias do espírito. Dentro d’água, deslizando num barco, encontravam-se igualmente meditando e por vezes lendo as escrituras sagradas, dois homens, Filipe e Bartolomeu, que encostam a embarcação, saudando o amigo, com alegria: — A paz seja contigo!

Simão Pedro, voltando a si, sorriu também e abraçou os dois, que o convidam para irem logo em direção a Betsaida. Ao chegarem ao outro lado do lago histórico, notava-se grande tumulto. Quem seria? E o velho pescador logo reconheceu: era Jesus!

O Cristo, vindo de Tiberíades com João e Mateus, ao descer do barco viu uma mãe aflita lhe expor seu filho paralítico, com acentuado escândalo, gritando, chorando e pedindo socorro. Reconhecendo o Messias, não queria perder a oportunidade de ser abençoada juntamente com seu filho.

Pedro avança para proteger o Mestre em meio à brutalidade peculiar das massas, e quando viu o carinho do Mestre para com a mãe do doente, ajuda-o a descobrir o enfermo que se postava deitado em um cesto, esquelético, pernas mirradas. Simão, ao ver aquele morto-vivo, esfriou um pouco o coração. Sabia dos poderes do Cristo, mas aquele moço, e Jesus fala brandamente a Pedro:

­— Cefas, põe o enfermo no teu colo e ama-o como se fosse o teu próprio filho, que o teu amor poderá curá-lo. Foi o que fez o discípulo, com humildade e respeito. Ao abraçar o doente, envolvido nos maiores sentimentos de paternidade e carinho, viu o Mestre sorrir levemente:

— Ajuda-o, Pedro, e anda com ele! Nisso o rapaz esticou as finas pernas, apoiado no filho de Jonas, andando e gritando no colchão macio da areia: — Mamãe! Mamãe! Esse é o Cristo de que a senhora falou! E a multidão também gritava: Viva! Viva Jesus e salve Deus!

Daí a pouco estavam todos reunidos com o Mestre na grande casa emprestada para que servisse de templo, de onde surgiu a nova e engenhosa mensagem espiritual capaz de provar à humanidade que existe o amor...

Judas é convidado a orar. Depois da prece comovente do apóstolo, Simão Pedro Bar-Jonas, emocionado pelos recentes acontecimentos, sente que Jesus lhe fala na acústica da alma: “Pedro, desliga-te um pouco da meditação, pois o que é demais costuma sobrar e a sobra, por vezes é desperdício de energia”... Entendeu então que deveria falar alguma coisa. Começa então a dizer:

Mestre! Há muito tempo que me integro em vários grupos de homens e em muitas modalidades me empenho e eles, esses amigos, me chamam, por gentileza, de Companheiro. Na sua profundidade, o que quer dizer esse tratamento? O homem de Nazaré, altivo e confiante, responde com habilidade:

— Pedro! Ser Companheiro não é apenas ser amigo dos que comungam dos nossos ideais. E acompanhá-los em alguns dos seus também. Não podemos dizer que é a fusão completa de todos os sentimentos de pessoas ou grupos de almas. Deixemos esse fenômeno difícil para o amor.

Acompanhar os outros é o que fazes, em alguns casos, no labor da tua pesca. E ajudar sempre, dentro das possibilidades, aos que se envolvem em dificuldades, sem se empenhar no ganho. O prazer de ajudar por ajudar é que nos torna verdadeiros Companheiros do beneficiado.

Quando somos os alvos da assistência é que nos certificamos de quanto é bom ter companheiros fiéis ao lema: um por todos e todos por um. O amor, Pedro, se divide em modalidades infinitas, e uma delas representa o assunto levantado por ti.

Essa virtude divina se ramifica em repartes sem conta, procurando despertar nos corações todos os tipos de sentimentos do bem, que uns vêem como companheirismo; outros, como tolerância; procurando analisar mais, encontramos a bondade; indo mais além, o trabalho, a coragem, o otimismo, a fé, a confiança, a fidelidade e muitas outras virtudes. Pelas mencionadas, ficas sabendo as seqüências das qualidades provindas do amor.

A resposta do Mestre deixa Pedro pensativo, monologando com rapidez: Então a gente pode deixar de ser Companheiro de alguém, sem que isso se torne, da nossa parte, um desprezo? E aí, onde está a amizade? Jesus, inteirando-se dos pensamentos do apóstolo, fala, com segurança:

— Cefas, tu és Pedro, em quem deposito a minha confiança pela fé com que podes despertar para a aliança com o Evangelho. Verdadeiramente te digo que podes deixar por algum tempo de seres Companheiro de alguém, ou de algum grupo de irmãos, quando estes se esfriarem em seus ideais mais nobres.

O Companheiro do bem é aquele que alimenta nos outros o entusiasmo pelas coisas que o bom senso sempre chancelou. A amizade, pois, pode perdurar até que venha a se coadunar de novo com as qualidades de intenções.

Mesmo vivendo distante um do outro, o elo da fraternidade pode vibrar, e por esse caminho, algum dia, o amor é convidado a transitar. É bom não esquecermos, meu filho, que há casos em que dois amigos, dedicados ao bem comum, não são companheiros na extensão profunda da palavra, porque do dever a que um foi chamado, o outro foi dispensado, e vice-versa.

Porém, reconhecem que todo bem se converte para a felicidade. O Evangelho pede dedicação de todos vós e, em casos apropriados, sacrifícios. Sois os primeiros a se iluminarem. Portanto, é justo que deveis dar o testemunho de fidelidade a Deus. Nesta comunidade que ora se inicia e para a qual fostes escolhidos antes de nascerem, eu desejo que todos sejam meus Companheiros, e o regozijo é todo meu, se fizerdes o que eu faço.

Continua, Pedro, a aderir às boas ações dos que desejarem pratica-la e aprende com eles o que ainda não sabes. E é bom que o faças com humildade, porque a pretensão escorraça o entendimento.

É a vez do silêncio! Cada discípulo conversa com o mais próximo, sem que o barulho perturbe a harmonia.

Simão Pedro sorvia os ensinamentos, como homem sedento. Mas não era somente ele. O Cristo mirava seus olhos paternais em todas as direções do templo, parecendo ver subir e descer anjos dos céus para a Terra e da Terra para os céus.

Deixou que o tempo falasse mais a respeito da conduta do homem diante da vida e retomou seu discurso, com imperturbável serenidade:

— Pedro, o que quero acrescentar, para que tenhas maior confiança, é que não deves esmorecer nas lutas que abraças pela Boa Nova do reino de Deus. Se porventura perderes alguns Companheiros ou deixares de acompanhá-los, por motivo de força maior, não perturbes o teu coração.

Se a tua consciência estiver tranquila pelo ideal do bem que alimentas no coração, segue avante, que algum dia, em nome de Deus, haverá um só rebanho e um só pastor, onde todos, mas todos, se unificarão na verdade, e a verdade vos levará ao amor. É muito justo que a tua preocupação cresça diante de tanto desajuste que presencias no teu convívio com os outros.

Não obstante, é bem mais justo que não deixes que esta preocupação prejudique as tuas sensibilidades, que foram feitas para trabalhos mais nobres. O que presencias é fração dos acontecimentos do mundo, e se pudesses vê-los de uma só vez, esmorecerias, achando sem solução os problemas da humanidade.

Contudo, se queres dar a tua cooperação, podes fazê-lo logo, principiando por um sorriso aos enfermos, dividindo o teu alimento com o faminto e ofertando tua túnica ao nu, conversando com os desesperados e dando exemplo de trabalho aos preguiçosos.

Nunca deves alimentar idéias negativas, porque se Deus, na nossa compreensão, pensou para fazer o mundo, a razão nos diz que os nossos pensamentos podem fazer alguma coisa de bom ou de ruim, dependendo do nosso estado de alma.

A faculdade de pensar, que temos, é a maior que, por enquanto, desfrutamos, por misericórdia do Criador. Em seguida, o Mestre se levanta em direção à saída, e todos o acompanham, sem uma palavra.

Compilado do livro: Ave Luz
Autor: Shaolin (espírito) e João Nunes Maia