Tiago e João, dupla de homens, dupla de
discípulos, dupla que abriu e fechou o testemunho de fidelidade a Nosso Senhor
Jesus Cristo. A mulher de Zebedeu, certa feita, procura Jesus, conscientizada
de que ele era verdadeiramente o Messias anunciado pelos profetas. Com os seus
dois filhos do coração, pede ao Mestre, na sua ingenuidade, que João e Tiago
pudessem tomar lugar no reino que lhe pertencia, um à direita e outro à
esquerda. Jesus deu a entender que somente a Deus caberia aceitá-los ou não.
No entanto, responde com lealdade à mãe que
exagera no zelo pelos filhos: Será que eles poderão beber do cálice que eu vou
beber? Instintivamente, responderam os dois: Podemos! A história mostra-nos que
beberam e que o Pai Celestial permitiu, na figuração que lhe é própria, um à
esquerda do Mestre, e o outro à direita, só que não foi da maneira que a mãe
extremosa idealizava, mas como a vida achou mais acertado.
Tiago foi o primeiro mártir do colégio
apostolar, selando com o seu sangue a fidelidade e a gratidão pelo Mestre que
tanto prezava. Este figurou pela esquerda. E João foi o último dos doze que
selou o Evangelho com uma longa vida de disciplina e de dor, derramando maior
cota de amor pela humanidade, sorrindo nos caminhos difíceis, por ser fiel ao
seu Senhor.
Salomé! O teu pedido foi realizado! Zebedeu e
Salomé tiveram a honra de ter dois de seus filhos libertados das amarras da
ignorância, pela sapiência do Messias. Foram chamados, aceitando, sem pensar
nos abrolhos que poderiam surgir, pela transformação dos seus costumes.
Decidiram, por amor, pela causa de servirem
ao bem comum, sem nada pedir para si, tendo o Cristo como meta de pureza
espiritual e Deus como segurança que pulsa na eternidade.
Tiago era muito amigo de Pedro e André,
principalmente no labor das pescarias, pois o peixe era o alimento mais
procurado naquela região. Era com o peixe que centenas daqueles homens
sustentavam famílias inteiras. A vida nas águas constituía uma emoção agradável
para os profissionais, mormente para os que amavam a natureza. Tiago tinha uma
sensibilidade à flor da pele e era por demais agitado, carecendo, por bem
dizer, de certa educação.
Ao conhecer Jesus, pela insistência de João,
já ficou inseguro, achando que no encontro com um homem de tal pureza, as suas
emoções se tornariam piores. Tinha medo de um desequilíbrio mental. Contudo, a
razão reforçava o ânimo: Como as coisas dos céus podem ser motivo de medo? Se
esse for verdadeiramente o Messias, é justo colocar a educação e a disciplina de
todas as forças da alma em primeiro plano na vida.
Tiago estava superemocionado, mas,
constrangido, não deixava escapar nada dos seus conflitos íntimos para que os
outros não percebessem, nem seus próprios pais. João é que, de vez em quando,
notava as lutas que seu irmão travava consigo mesmo; esse era um dos motivos
que levavam João a conduzir seu irmão ao Divino Mestre.
Tiago seguiu pelas ruas de Betsaida. Além da
carga indispensável ao que sai cedo e volta à noite, brinca com os dedos com um
cordão que se achava ligado a uma bolsa de couro, onde algumas moedas
tilintavam. O discípulo pensava na reunião da noite. De vez em quando, Tiago
agitava as idéias e colocava-se a si mesmo, pela visualização, já em plena
madrugada, perguntando a Jesus sobre a Gratidão, virtude que sempre o fascinava
e que lhe trazia um pouco de paz no coração.
Um homem sai correndo ao avistar Tiago, e
grita: Tiago! Tiago! Tiago, filho de Zebedeu, espera, espera, meu filho. O
discípulo, serenamente, interrompe sua caminhada e alegremente abraça o seu
velho amigo que o chamara. Este, cansado, repete: Tiago! Tiago! Aconteceu uma
desgraça comigo, meu filho! Perdi mulher e filhos na viagem que empreendi a
Corinto. Meu Deus, perdi tudo, não tenho mais nada, nem dinheiro, nem
companhia.
As lágrimas fáceis molharam o ombro do
pescador. Este, passando as mãos na prematura cabeleira esbranquiçada do amigo,
consola com toda a ternura o sofredor, depois oferta a bolsa com todas as
moedas, para que ele possa começar a vida novamente. E pela oportunidade que o
amigo lhe dera, de ansiedade pela paz, por coisas reais na vida, fala de Jesus,
suscitando um enorme interesse da parte do comerciante decadente.
Por instantes, parecia que as palavras de
Tiago colavam-se na sensibilidade do seu amigo que, num arrojo de sentimentos,
beija suas mãos, e fala com a voz trêmula: Tiago! Pelo que me dizes, se for
verdade, e não posso duvidar, por te conhecer, a minha mulher amada e meus
filhos do coração não morreram! Eles vivem! Que beleza! Que grandeza! Se assim
for, eu sou feliz! Quero conhecer esse Cristo de que falas e quero segui-Lo!
Onde posso encontrá-Lo? Tiago, sorridente por encontrar uma ovelha à procura do
pastor, conversa com ele mais um pouco e despede-se, realizado.
Dentro do templo, onde Tiago já se instalara,
tudo era paz. Alguém ao seu lado pronunciou a prece de abertura da reunião. Ao
abrir os olhos, vê um dedo de luz indicando para ele, como se falasse:
Pergunta, Tiago, o que quiseres, a Jesus. E o discípulo não se fez esperar,
inquirindo o Mestre, desta forma: Jesus! Se me permites saber, queria que o
Senhor ampliasse para o meu conceito, o que seria exatamente a Gratidão.
O Cristo, sereno e lúcido, responde, com
sabedoria: Tiago! A Gratidão é um modo de ser das pessoas que a usam, muito importante
na vida! É saber cuidar com zelo daquilo que recebemos dos nossos semelhantes,
e lembrar dos nossos benfeitores com respeito e amor. Apesar disso, a
experiência nos reclama certa vigilância, para que o reconhecimento não se
transforme em subserviência, que é o adubo principal da vaidade.
O maior recife que vais encontrar na Gratidão
aos outros é dentro de cada um mesmo. As pessoas, por mais que se esforcem para
serem reconhecidas, encontram alguma coisa rodando no seu coração, dizendo ser
filha do egoísmo e parecendo muito com o zelo próprio. Mas, ao tirar a capa, é
a mesma vaidade querendo florescer, é a autograndeza que não se conforma que
alguém seja maior.
Não deixa de ser o orgulho procurando se
expressar como o comandante da vida. A Gratidão prescinde da humildade e jamais
deixa de usar o bom senso. Essa Gratidão é valorosa e enriquece a amizade.
É, por assim dizer, o amor que mostra, ao
benevolente, que vale a pena amar. Tudo no mundo tem uma resposta. O
reconhecimento é a resposta da prática da caridade. Se fazes o bem
constantemente e ainda não foste alvo da Gratidão, não esmoreças com isso. Ela
deve estar a caminho.
Se não for pelo objeto visado pelo teu amor,
será pelos meios que Deus sempre usa para nos premiar, mas sempre receberás em
troca aquilo que dás. E se queres ter um lugar de maior relevo no coração da
vida, nunca deves pensar no comércio dos próprios dons espirituais. A exigência
desnorteia os valores da alma e a troca interesseira entorpece a dádiva.
Tiago
escutou sensibilizado. Tomé, que parecia meditativo, desperta, analisando o que
ouviu. Judas Iscariotes não perdeu uma só palavra do Mestre, encontrando
dificuldade, não no entendimento e sim na prática dessa virtude, pensando:
Então ficaremos devedores para sempre dos nossos benfeitores? A vida não era
uma troca natural de atos e coisas? Por que esse empenho em ser reconhecido?
Não obstante, nada falou. Ficou remoendo suas comparações e esperou o resto.
Jesus,
psicólogo incomparável da natureza humana e espiritual das criaturas, esclarece
com firmeza: Gratidão, meus filhos, não significa compromisso com o benfeitor.
É completamente ao contrário. Ela nos liberta da dívida, quando a consciência
exige de nós alguma paga. Quando fazeis alguma coisa mal feita, não é o arrependimento
que abre as portas da reparação? Ao receber algo de bom dos outros, é o
reconhecimento que desperta em vós o amor que existe em todas as almas e que,
por vezes, dorme.
O
amor é a verdade e a verdade sempre liberta as criaturas das amarras da ignorância.
Não vamos ficar repetindo Gratidão em voz alta para todos os que passam a
reconhecer em nós virtudes que às vezes não existem, eis a falsa Gratidão. Ela
opera no silêncio da conduta e, quando a oportunidade chega, é bom que se
prove, com a naturalidade que a sinceridade expressa, que não somos
petrificados, mas sim sensíveis àqueles que nos ajudam no caminho e procuram
aliviar a nossa cruz.
A
caridade é Deus se fazendo visível para nós por intermédio dos outros e a
Gratidão é o mesmo Deus se expressando aos outros pelo que eles fizeram por
nós. E é por essas vias que o amor que temos a Deus sobre todas as coisas
começa a nos fazer sentir que devemos tê-lo para com o próximo, amando-o como a
nós mesmos.
O
silêncio era a tônica do ambiente. Jesus deu um pequeno descanso para as mentes
em intenso trabalho de raciocínio. Em seguida, continuou: Sou grato a todos que
vos reunis aqui comigo, por amor a Deus. Quantos esforços são feitos pelos
companheiros para não faltar aos compromissos assumidos pela consciência? Eu
sou eternamente grato e peço ao Pai que vos dê a felicidade como recompensa de
tamanha dedicação.
Meus
filhos, se soubésseis, na profundidade da expressão, o que é servir por servir,
amar por amar, seríeis reconhecidos do fundo dos corações a Deus Todo Poderoso,
por nos ter permitido trabalhar uns pelos outros.
Judas
parecia mastigar alguma coisa que não estava em sua boca. Tomé balançava a
cabeça, tentando limpar a mente e colocar nela o Cristo falando sempre para
ele. Tiago, embebido nos argumentos do Mestre, na sua simplicidade divina, não
pressentiu quando os seus companheiros saíam do templo com Jesus. Foi o último
que deixou a igreja, satisfeito com a vida e disposto a trabalhar, sem sentir
escravidão no labor.
Compilado
do livro Ave Luz
Autor:
Shaolin (espírito) João Nunes Maia