Jesus ou Barrabás?

Ora, por ocasião da festa, costumava o governador soltar ao povo um dos presos, conforme eles quisessem. Naquela ocasião, tinham eles um preso muito conhecido, chamado Barrabás. Estando, pois, o povo reunido, perguntou-lhes Pilatos: A quem quereis que eu vos solte, a Barrabás ou a Jesus, chamado Cristo? (Mateus 27: 15-17)

Acompanhando as narrações da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, na qual Ele e os apóstolos foram saudados pela multidão, ficamos muitas vezes sem entender por que, apenas alguns dias após, Ele não foi o escolhido diante da proposta de Pilatos ao povo. Os relatos evangélicos nos levam a entender que a escolha de Barrabás foi amplamente majoritária.

Parece fácil condenar todos aqueles que escolheram Barrabás naquele tempo remoto. Mas, trazendo a questão para os caminhos existenciais, nos quais somos muitas vezes chamados a optar entre a realização do ego ou prosseguir na realização da Personalidade Maior (o Self ou o divino em nós) podemos garantir que sempre escolhemos Cristo a Barrabás?

No ano de 2009, tive a oportunidade de assistir a uma palestra proferida pelo ator italiano Pietro Sarubbi, que na ocasião destacou sua participação no filme “A Paixão de Cristo”, no qual interpretou Barrabás. Contou o ator que todos os atores tiveram que ler a fundo o Evangelho, o que transformou o set em um ambiente profundamente introspectivo, incomum para o mundo do cinema.

Fato curioso, no entanto, é a emoção que tomou conta do ator enquanto contracenava com o personagem que viveu Jesus, e que em certa parte da cena trocava olhares com Barrabás. Fui tomado por uma intensa onda de energia, mesmo sabendo que se tratava de uma cena, pois tentei imaginar como me sentiria se o olhar do Cristo encontrasse o meu olhar.

Sem intenção de entretecer considerações críticas a respeito do filme, a pergunta feita a Pilatos, e que Sarubbi teve a oportunidade de encenar, parece ecoar até hoje no “átrio” das nossas consciências, nas quais se desdobra a luta arquetípica entre o ego e o Self, o reino da Terra e o “Reino dos Céus”.

Conforme as anotações da benfeitora Amélia Rodrigues (Pelos Caminhos de Jesus), Barrabás, que etimologicamente significa “Filho do Pai”, também se chamava Jesus. Dava-se então o encontro de dois Jesus: um era o “revolucionário terrestre”, enquanto o outro – o Filho do Homem – era-o celeste”. O bandido agradava a multidão e a conveniência dos poderosos de um dia. Este podia viver.

Psicologicamente, todas as escolhas pautadas no ego, na busca do poder e da exaltação pessoal simbolizam a escolha de Barrabás. Toda vez que nos negamos a um olhar mais profundo da vida, e queremos seguir no impulso da conquista do mundo a qualquer custo, o Self permanece sendo apenas uma pequena voz abafada na multidão de vozes do “átrio”.

Impulsionados pela cultura massificada, pelos valores que nos são vendidos pela mídia, fazemos escolhas através da parte densa da nossa personalidade – a nossa sombra.

Vale recordar que apenas algumas mulheres: Maria, mãe de Jesus, Maria de Magdala e Joana de Cusa, dentre outras, seguidas por João, o Evangelista, permaneceram com Ele até o final. Essas mulheres são a representação da “ânima”, que simboliza as forças femininas do psiquismo, normalmente relacionadas ao amor, à espiritualidade, à fraternidade.

João Evangelista, vivenciando o amor, demonstrava ter uma relação saudável com essas forças intrapsíquicas, que o impulsionaram a vencer o medo que dominou a maioria dos apóstolos.

A partir do exemplo dessas mulheres e de João, deduzimos que vivenciar os sentimentos profundos, que se conjugam no amor, é um dos caminhos para que comecemos a escolher o Cristo nos grandes embates existenciais, nos quais necessitamos de uma grande  resistência moral para seguir a “porta estreita”, um caminho diferente do seguido pela grande massa.

Ademais, para fortalecer esse elo de ligação com nossa essência superior, temos pela frente o grande desafio de conjugar as forças de nossa personalidade que se encontram desconexas, desvirtuadas dos valores profundos, e promover uma saudável integração no campo da consciência.

“Esse encontro se opera”, propõe Joanna de Ângelis (O despertar do Espírito), “quando se passa à auto-observação como centro de busca, examinando-se o comportamento interior, as ambições e experiências, para descobrir-se que há um mundo íntimo vibrante, sensível, aguardando”, que pode ser comparado ao Cristo em nós.

Por ocasião da filmagem da cena, Pietro Sarubbi foi orientado a não dirigir a fala ao personagem Jesus, interpretado por Jim Caviezel. “Seria apenas um olhar”. O que o ator não contava é que não seria apenas um olhar, pois ele sentiu no personagem algo muito mais profundo que um simples ato cinematográfico: “Aquele olhar envolveu-me com tamanha ternura, doçura, que fui tomado por uma onda de energia. A partir daquele instante nunca mais fui o mesmo...”

O exemplo dado pelo ator italiano, que coincide com outros testemunhos daqueles que “encontraram o Cristo”, de alguma forma, simboliza o chamado da consciência maior para o caminho da individuação, a realização plena das nossas possibilidades espirituais, ao qual tantas vezes nos escusamos.

No entanto, muitas vezes somos como aqueles que apenas O viram passar, e não se deixaram penetrar pela sua mensagem libertadora. Mas, como nos ensina a benfeitora Joanna de Ângelis (Iluminação Interior: O significado de Jesus) “quando, realmente, se mantém contato com Jesus, através das lições de incomum beleza e significação que Ele nos ofereceu, logo se dá uma revolução interior, alterando completamente as paisagens mentais do indivíduo, a sua visão a respeito da existência, as aspirações em torno do futuro.”

Procedendo à nossa revolução interior, que não deve se utilizar dos mesmos métodos e das armas dos revolucionários do mundo, certamente passaremos a escolher o Cristo. Mas, se mesmo com todos os teus esforços, permaneceres indeciso no caminho a seguir, tenta imaginar o olhar do Cristo encontrando o teu, no campo da consciência, e as leis divinas que nela se encontram insculpidas te indicarão a escolha a ser feita.

Texto de  Cláudio Sinoti

Revista Presença Espírita em 2011