O Espiritismo e os protestos atuais

Texto de Ery Lopes
Blog Espiritismo em Movimento

Uma ensurdecedora voz ecoa pelas ruas do país que, segundo fontes espirituais, está predestinado a ser o "Coração do Mundo". Na verdade, é um brado retumbante, às margens do rio indomável da esperança, que também nossos irmãos da espiritualidade cuidaram de fulguramente adornar com a previsão de que este é o solo da "Pátria do Evangelho" para a Nova Era, quando o Brasil, nos moldes espíritas há de clarear o caminho para o restante do globo terreno, acelerando nosso passo rumo ao verdadeiro progresso, que é a nossa evolução espiritual.

Esses gritos contra as chagas sociais, enraizadas em nossa cultura, como a "impunidade", "corrupção" e "opressão social", que eu prefiro verter para grito por "justiça", "honestidade" e "humanismo", são arrotos de engasgos seculares, de um povo oprimido pelos chamados "representantes", numa tentativa oportuna (por que não aproveitar-se politicamente do evento Copa do Mundo, uma vez que este tem se aproveitado da política para seus fins?) de despertar o gigante forte.

Diante de eventos tão marcantes, que contribuição o Espiritismo pode nos dar? Será que nosso papel se resume em nos reunirmos nos centros espíritas e meramente "vibrar" para que tudo dê certo? Esperar para que os Espíritos superiores operem a transição planetária? Eu penso que não.

Nós espíritas temos muito mais a oferecer, observando os conceitos que a codificação kardequiana nos apresentou, com a contribuição ininterrupta de outros trabalhos complementares. Afinal, a Doutrina Espírita é uma filosofia para vivência prática, em casa, escolas, ruas, trabalho, etc., sem igrejismo, com oblação inerte.

O que podemos fazer? Por, exemplo, podemos começar pela reflexão acerca do verdadeiro mal que assola as nações, o Brasil, as sociedades e a cada um em particular: o egoísmo. Ou, melhor, vislumbrarmos um cenário melhor: o “desenvolvimento do humanismo”, pela capacidade de sermos altruístas, de pensarmos para o além de "cada um por si" e pensarmos na coletividade.

Nessa reflexão, devemos colocar em questão que a corrupção política começa na nossa própria cultura, de onde sai os políticos corruptos. Ora, a corrupção é uma via de mão dupla; se há o corrupto ativo (quem compra o caráter do outro), há quem venda seu caráter.

Ambas as vias, necessidade de se vender e a usurpação dos valores, coexistem num cenário onde impera a ignorância de não se saber dos fundamentos da natureza espiritual, pois que se vivenciássemos de fato o que os Espíritos superiores nos revelaram, por Kardec, especialmente, teríamos uma vida pessoal, uma sociedade e uma nação muito mais fraterna, firmes pela fé na justiça divina e na esperança de uma consolação na evolução das coisas. E que fundamentos esses poderíamos aqui ressaltar? Vejamos:

1. Imortalidade da alma: a Doutrina Espírita nos diz que esta realidade física não é única, mas que há um plano superior, onde a vida preexiste e sobrevive antes da passagem carnal. Assim sendo, os valores espirituais são superiores aos valores que ora se defende na Terra. Portanto, é prudente aquele que sacrifica os interesses efêmeros da vida física em favor dos valores espirituais. Se vivenciássemos isso com autenticidade, por que admitiríamos participar da corrupção -- ativa ou passiva?

2. Lei de Causa e Efeito: se tudo que se passa tem uma razão inerente, da qual aquele que se diz "vítima" é cúmplice, como operar uma renovação política sem preparar-se politicamente? O espírita consciente não admite a injustiça, a corrupção e a desumanidade, pois sabe (e tem muita fé nisso) das consequências. Contrariar a consciência não é ignorância (visto que já se tem conhecimento da lei), mas sim burrice.

3. Evolução: o progresso é uma lei inexorável, mas cumpre-nos adiantarmos na estrada evolutiva. Ninguém barra essa marcha, porém, somos passíveis de nos atrasarmos diante da programação para nosso orbe. Logo, como mecanismo mesmo de evolução, os retardatários precisam, e são, exilados para ambientes afins, para que os que se projetam para a regeneração não sejam mais tão penalizados. A transição planetária está aí e, pelas mudanças que impõem, sabemos que grande será o reboliço.

O papel primordial do Espiritismo é ser farol para a maior transformação que há neste mundo: a transformação moral de cada um de nós, cumprindo uma máxima de Jesus: "Conhecereis a verdade e ela vos libertará".

Trabalhemos o despertar do gigante que há em cada brasileiro, sul-americano e cada individualidade, como centelhas divinas. E o que é esse gigante? É aquele ser em potencial que nós temos, de sermos inteligentes, honestos, elegantes e fraternos. E para sermos assim nós precisamos mostrar nossa valentia e coragem de usarmos essas potências, para resistirmos como diante das fatalidades que a corrupção nos oferece; valentia e coragem essas que não necessitam de violência.


Hora de usarmos essas potências e não pensarmos como "bairristas" — aqueles que defendem mesquinhos interesses particulares. Já não nos cabe mais nem defender e nem violentar apaixonadamente teses, partidos políticos, futebol, religião ou qualquer outra coisa. O momento é de usarmos a consciência e ponderar os valores tendo em vista não mais as "oportunidades", mas o plano maior, que é o de evoluirmos espiritualmente.

Os protestos desses dias, portanto, têm grandes causas pelo que se processarem e podem, a exemplo da redução do preço das tarifas de transporte coletivo, alcançar substanciais êxitos imediatos. Contudo, além disso, podemos colocar em conta que outras aquisições maiores podem ser colhidas desses movimentos.

Por outro lado, os excessos e desvirtuamentos podem ser causa de terríveis efeitos, pelo que, é bom conservarmos a prudência. Daí, concluímos que também estamos diante de uma oportunidade de aprendermos protestar pacificamente, pois que “pacifismo difere e muito de passividade”.

Levantemos, pois, a bandeira das causas sociais, com racionalidade. Brademos e façamos valer a força popular contra o poder político opressor de hoje, mas  especialmente coloquemos à frente a flâmula de nossas potencialidades espirituais a serem cultivadas.

Que o movimento espírita dê sua contribuição na reflexão política sim, sem oportunismos de um idealismo partidário; não é o caso de idealizarmos políticos espíritas, mas que os espíritas também sejam políticos, não no rótulo, mas no cumprimento dos deveres, sejam como políticos, eleitores, juízes. Nada de "partido espírita", mas de partidos humanizados, comprometidos com o bem comum.

Que o Espiritismo seja proveitoso para o despertar das consciências políticas, norteando-nos para o melhor meio de promovermos a “justiça e a probidade na administração pública”, e igualmente para erradicar a praga da corrupção social e moral em cada um.


Se racionalmente se pondera ser absurda, por exemplo, a mordomia financeira dos políticos, protestemos, nas ruas, de caras pintadas, entoando canções inspiradoras, como por exemplo "PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES", entretanto, façamos a revolução moral íntima, mirando nossas potencialidades espirituais, analisando nossas imperfeições e esforçando-nos para nos aperfeiçoarmos dia a dia. Com “instrução e caridade” nós faremos valer a revolução — social e moral. E qual doutrina senão o Espiritismo pode melhor nos nortear nesses objetivos?