Além da morte

Além da Morte chegam, sem solução de continuidade, as imensas caravanas de emigrantes da Terra. Procedentes dos mais variados rincões do Orbe, trazem estampados no espírito os sinais vigorosos que lhes refletem os últimos instantes no veículo celular.

Aportam no grande continente da Erraticidade, conduzindo a bagagem dos feitos acumulados durante o trânsito pelo mundo das expressões físicas. Nem anjos nem demônios, mas homens que eram, homens que continuam.


A desencarnação não lhes modificou hábitos nem costumes, não lhes outorgou títulos nem conquistas, não lhes retirou méritos nem realizações. Cada um se apresenta como sempre viveu. Não ocorre milagre de transformação para os que atingem o grande porto.


Raros despertam com a consciência livre, após a inevitável travessia. A incontável maioria, vinculada atrozmente às sensações animalizantes, se jugula às lembranças daquilo em que se comprazia, e se demora, desditosa, em bandos, quais salteadores enlouquecidos, pervagando em volta do domicílio carnal, até que a Lei Excelsa os recambie ao renascimento.

Muitos, quais doentes em processo de convalescença de longo curso, são recolhidos a Colônias Espirituais, que abnegados missionários do amor e da caridade ergueram nas proximidades do planeta, onde se refazem e retemperam as forças gastas, para recomeçar, reaprender e exercitar a ascensão aos planos mais felizes.

Da mesma forma que na Terra enxameiam as afeições intercessórias, além da morte não cessam as manifestações do amor em intercâmbio contínuo, estabelecendo os fortes laços da proteção e do socorro. O amor em todo lugar é a alma do Universo — manifestação de Deus.

Mesmo os Espíritos calcetas, inveterados perseguidores da paz de muitos outros Espíritos — infelizes que são em si próprios, espalhando, por isso, a infelicidade de que se encontram possuídos — não estão esquecidos do auxílio divino pelos mensageiros abnegados que por eles velam, que os assistem e amparam. Em toda parte, e sem cessar, o devotamento dos bons reflete a paternal providência divina.

Morrer, longe de ser o descansar nas mansões celestes ou o expurgar sem remissão nas zonas infernais, é, pura e simplesmente, começar a viver.

Evidentemente que as dimensões do céu, ou do inferno sem o caráter da eternidade, encontram o seu correspondente em regiões aflitivas onde as consciências empedernidas se depuram para futuros renascimentos na organização física em que se reajustam e se recompõem; ou estâncias de luz onde se comprazem e se reúnem os heróis anônimos do dever, os missionários dos labores humildes que passaram ignorados, os sacerdotes do trabalho aparentemente desvalioso, os pais, irmãos e amigos ricos de abnegação desinteressada, os mantenedores do bem e da ordem, prosseguindo no programa de incessante evolução.

Após a disjunção celular, a consciência comanda o Espírito e o peso específico das vibrações, por afinidade, se encarrega de fixar cada um no quadro das necessidades evolutivas. Não faltam, todavia, aqueles que, na Terra, objetam e recalcitram em torno de tais afirmações.

Não temos, porém, a pretensão de convencer este ou aquele aprendiz da vida em experiência libertadora.  Todos os que se demoram no plano físico defrontarão agora ou mais tarde as realidades espirituais e aprenderão de visu pelo processo da própria evolução, retificando opiniões, disciplinando observações, experimentando.

A morte a todos os aguarda e a vida é a grande resposta a todos os enigmas. Preparar-se para esses imperiosos acontecimentos é tarefa inadiável, que ninguém pode desconsiderar.

Pensando nisso, a nossa irmã Otília, em páginas que endereça à sua filha, ainda envolta nos tecidos da carruagem física, reúne apontamentos da sua experiência pessoal, que agora apresentamos em letra de forma, guardando a esperança de, com essas narrativas, oferecer advertências e considerações — considerações e advertências, aliás, que vêm sendo repetidas desde os primórdios dos tempos e que, no Evangelho como na Codificação Kardequiana, atingem sua mais vigorosa expressão — aos que trafegam desatentos ou àqueles que buscam consolação e alento na Doutrina dos Espíritos.

A missivista não teve em mente apresentar novidade, considerando mesmo que novidade é tudo aquilo que alguém ignora, já que, “nada há de novo sob a luz do sol”, sendo a revelação sempre a mesma através das idades, surgindo hoje e ressurgindo amanhã, com aspecto, caráter e roupagens novas.

Existem aqui e além-mar, em letras portuguesas e estrangeiras, excelentes informações sobre a vida além da morte. Muito se disse e muito se dirá ainda. Faz-se necessário, no entanto, repetir, divulgar, acostumar os homens às questões espirituais.

A experiência da nossa mensageira desencarnada foi individual, e a colheita que é sempre pessoal, pode, entretanto, sugerir lições e ensejar abençoadas meditações ao leitor interessado.

Em um momento sequer desejou a amiga espiritual fazer obra de literatura, por motivos facilmente compreensíveis. Ditou estas páginas nas sessões hebdomadárias do Centro Espírita Caminho da Redenção, entre os meses de março de 1958 e agosto de 1959, na sua quase totalidade em presença daquela a quem foram dirigidas.

Ao trazer o presente livro à divulgação fazemo-lo, também, homenageando o mestre lionês Allan Kardec, por ocasião do próximo centenário de A Gênese, em a qual se estudam questões transcendentes, palpitantes e atuais à luz clara e meridiana da razão e da ciência.

Nossa homenagem singela reflete, mais que outro sentimento, o da gratidão mais profunda, e do respeito mais acendrado ao vaso escolhido, que se fez missionário do CONSOLADOR, no justo instante em que o espírito humano se desgoverna e se amesquinha ante as notáveis conquistas do engenho técnico, sem, contudo, os seus correspondentes morais.

A mensagem consoladora e clara das Vozes do Céu tem regime de urgência e, ante as perspectivas atraentes do amanhã com Jesus, formulamos votos de paz com as nossas sinceras escusas àqueles Espíritos valorosos, perspicazes e estudiosos que, certamente, não encontrarão aqui o de que necessitam para sedimentação da cultura ou ampliação do conhecimento.

Exorando ao Senhor que nos abençoe a todos, discípulos sinceros que buscamos ser de Jesus Cristo, sou a servidora, Joanna de Ângelis

Salvador, 17 de julho de 1967

Compilado por Harmonia Espiritual
Livro.: Além da morte
Autor.: Otília Gonçalves (espírito) e Divaldo P. Franco