O estudo do Universo conduz-nos ao estudo da alma, à
investigação do princípio que nos anima e dirige-nos os atos. Já o dissemos: a
inteligência não pode provir da matéria. A Fisiologia ensina-nos que as
diferentes partes do corpo humano renovam-se em um lapso de tempo que não vai
além de alguns meses. Sob a ação de duas grandes correntes vitais, produz-se em nós
uma troca perpétua de moléculas.
Aquelas que desaparecem do organismo são substituídas, uma a
uma, por outras, provenientes da alimentação. Desde as substâncias
moles do cérebro até as partes mais duras da estrutura óssea, tudo em nosso ser
físico está submetido a continuas mutações. O corpo dissolve-se, e,
numerosas vezes durante a vida, reforma-se. Entretanto, apesar dessas
transformações constantes, através das modificações do corpo material, ficamos
sempre a mesma pessoa.
A matéria do cérebro pode renovar-se, mas o
pensamento é sempre idêntico a si mesmo, e com ele subsiste a memória,
a recordação de um passado de que não participou o corpo atual. Há,
pois, em nós um princípio distinto da matéria, uma força indivisível
que persiste e se mantém entre essas perpétuas substituições.
Sabemos que, por si mesma, não pode a matéria
organizar-se e produzir a vida. Desprovida de unidade, ela desagrega-se e
divide-se ao infinito. Em nós, ao contrário, todas as faculdades, todas as
potências intelectuais e morais grupam-se em uma unidade central que as abraça,
liga, e esclarece, e esta unidade é a consciência, a personalidade, o Eu, ou, por
outra, a Alma.
A alma é o princípio da vida, a causa da sensação; é a
força invisível, indissolúvel que rege o nosso organismo e mantém o acordo
entre todas as partes do nosso ser. Nada de comum têm as
faculdades da alma com a matéria. A inteligência, a razão, o discernimento, a
vontade, não poderiam ser confundidos com o sangue das nossas veias, ou com a
carne do nosso corpo, O mesmo sucede com a consciência, esse privilégio que
temos para medir os nossos atos, para discernir o bem do mal.
Correntes contrárias agitam-se em nós. Os apetites, os desejos
ardentes chocam-se de encontro à razão e ao sentimento do dever. Ora, se
mais não fôssemos do que matéria, não conheceríamos essas lutas, esses
combates; e entregar-nos-íamos, sem mágoa, sem remorsos, às nossas tendências
naturais. Mas, ao contrário, a nossa vontade está em conflito frequente
com os nossos instintos. Por meio dela podemos escapar às influências da
matéria, domá-la, transformá-la em instrumento dócil.
Não se têm visto homens nascidos nas mais precárias condições
vencerem todos os obstáculos, a pobreza, as enfermidades, os defeitos e
chegarem à primeira classe por seus esforços enérgicos e perseverantes? Não se
vê a superioridade da alma sobre o corpo afirmar-se, de
maneira ainda mais positiva, no espetáculo dos grandes sacrifícios e das
dedicações históricas?
Ninguém ignora como os mártires do dever, da verdade revelada
prematuramente, como todos aqueles que, pelo bem da Humanidade, têm sido
perseguidos, levados ao patíbulo, puderam, no meio das torturas, às portas da
morte, dominar a matéria e, em nome de uma grande causa, impor silêncio aos gritos da
carne dilacerada!
Se mais não houvesse em nós que matéria, não veríamos, quando o
corpo está mergulhado no sono, o Espírito continuar a viver e agir sem
auxílio algum dos nossos cinco sentidos, e assim mostrar que uma atividade
incessante é a condição própria da sua natureza. A lucidez magnética, a
visão a distância sem o socorro dos olhos, a previsão de fatos, a penetração do
pensamento são outras tantas provas evidentes da existência da alma.
Assim, pois, fraco ou poderoso, Ignorante ou esclarecido, somos
um Espírito; regemos este corpo que mais não é, sob nossa direção, do que um
servidor, um simples instrumento. Esse Espírito que somos é
livre e perfectível, por conseguinte, responsável. Pode, à vontade,
melhorar-se, transformar-se e inclinar-se para o bem.
Confuso em uns, luminoso em outros, um ideal esclarece o caminho.
Quanto mais elevado é esse ideal tanto mais úteis e gloriosas são as obras que
inspira. Feliz a alma que, em sua marcha, é sustentada por um nobre
entusiasmo: amor da verdade e da Justiça, amor da pátria e da Humanidade! Sua
ascensão será rápida, sua passagem por este mundo deixará traços profundos,
sulcos de onde colherá uma messe bendita.
Estabelecida a existência da alma, o problema da imortalidade
impõe-se desde logo. É essa uma questão da maior importância, porque
a imortalidade é a única sanção que se oferece à lei moral, a
única concepção que satisfaz as nossas ideias de Justiça e responde às mais
altas esperanças da Humanidade.
Se como entidade espiritual nos mantemos e persistimos através
do perpétuo renovamento das moléculas e transformações do nosso corpo material,
a desassociação e o desaparecimento final também não poderiam atingir-nos em
nossa existência.
Vimos que coisa alguma se aniquila no Universo.
Quando a Química nos ensina que nenhum átomo se perde, quando a Física nos
demonstra que nenhuma força se dissipa, como acreditar que esta unidade
prodigiosa em que se resumem todas as potências intelectuais, que
este eu consciente, em que a vida se desprende das cadeias da fatalidade, possa
dissolver-se e aniquilar-se?
Não só a lógica e a moral, mas também os próprios fatos, como
estabeleceremos adiante, fatos de ordem sensível, simultaneamente fisiológicos
e psíquicos, tudo concorre, mostrando a persistência do ser consciente depois
da morte, para nos provar que além do túmulo a alma se encontra qual ela
própria se fez por seus atos e trabalhos, no curso da existência terrestre.
Se a morte fosse a última palavra de todas as coisas, se os
nossos destinos se limitassem a esta vida fugitiva, teríamos aspirações para um
estado melhor, de que nada, na Terra, nada do que é matéria pode dar-nos a ideia?
Teríamos essa sede de conhecer, de saber, que coisa alguma pode
saciar? Se tudo cessasse no túmulo, por que essas necessidades, esses
sonhos, essas tendências inexplicáveis? Esse grito poderoso do ser humano, que
retumba através dos séculos, essas esperanças Infinitas, esses impulsos
Irresistíveis para o progresso e para a luz mais não seriam, pois, que
atributos de uma sombra passageira, de uma agregação de moléculas
apenas formadas e logo esvaídas?
Que será então a vida terrestre, tão curta que, mesmo
em sua maior duração, não nos permite atingir os limites da Ciência; tão
cheia de impotência, de amargor, de desilusão que nela nada nos satisfaz
inteiramente; onde, depois de acreditar termos conseguido o objeto de nossos
desejos insaciáveis, nos deixamos arrastar para um alvo, sempre cada vez mais
longínquo, mais inacessível?
A persistência que temos em perseguir,
apesar das decepções, um ideal que não é deste mundo, uma felicidade que nos
foge sempre é uma indicação firme de que há mais alguma coisa além da vida
presente. A Natureza não poderia dar ao ser aspirações, esperanças
Irrealizáveis. As necessidades Infinitas da alma reclamam forçosamente uma vida
sem limites.
Do livro Depois da Morte de Leon Denis
Compilado pelo Blog Harmonia Espiritual