Betsaida! Betsaida!
Formosa cidade que resplandece na história por ser berço, não somente de
Filipe, o apóstolo, inquieto por saber os segredos do Criador e da vida – como
de André e Pedro. Burgo pertencente ao reino da Galileia, eixo do discipulado do
Divino Mestre!
O Sol começava a
distribuir seus primeiros raios de um ouro encantador, como se fossem as mãos
de Deus abençoando a vinha fecundante da Terra, com sementes de luz. Filipe
já se encontrava de pé, contemplando a natureza, que fazia palpitar cada vez
mais seu coração ansioso pela verdade, manifestando, em
cada batida, interesse profundo por um diálogo que lhe acalmasse o raciocínio.
Deixou que a luz do
astro o beijasse em todas as direções. Lembrou-se da juventude junto aos pais,
seus amigos, os rebanhos, a pesca, as flores. Parou os pensamentos, encantando,
sem nenhuma mescla de dúvida sobre a grande inteligência que nos comanda a
todos, sentindo o Senhor palpitar em toda a criação. Seu raciocínio se empalidecia diante do que o coração lhe oferecia
como esperança, que transmutava as claridades do tempo em fé, aquela fé, que mais tarde,
o Evangelho anunciaria como capaz de transportar montanhas.
Por que tudo isso,
Filipe? Porque aquela noite haveria o encontro de Jesus com todos os Seus
discípulos. Era como um festival doutrinário. Era Deus, por intermédio do
Mestre, renovando a confiança para com os homens do mundo. Era o cumprimento de todas as profecias sobre Aquele que haveria
de vir!
Naquele dia, o carro
solar fez todo o seu majestoso percurso como se fosse em segundos, para o apóstolo Filipe. As
primeiras horas da noite, ele se colocava no meio dos doze, à beira do Lago de
Genezaré, em um velho casarão, onde o Cristo se salientava silenciosamente em
uma tosca cepa de cedro, perpassando seus olhos mansos e lúcidos por todo o
colégio apostolar. Filipe, envolvido por emoções indescritíveis, cruza seu olhar
solícito com o do Nazareno, que já esperava ouvir algo do apostolo. O filho de
Betsaida levanta-se, num misto de alegria e emotividade, e fala, com fervor:
- Mestre, era nosso
intento saber com mais propriedade, pela extensão da linguagem espiritual, o
que significa Tolerância, pois, às vezes me confundo, por desconhecer seus
limites. O silêncio era a tônica do ambiente. Filipe acomoda-se em um banco
improvisado e espera a resposta, ansioso como todos os companheiros do
aprendizado evangélico.
Jesus renova seu
olhar em todos os presentes, deixa entreabrir os lábios num leve sorriso e
expõe, com segurança: - Filipe, a Tolerância é um estado de alma que todos nós deveremos conquistar.
Ela, por si, tem múltiplos valores, mas denuncia algum perigo. É como uma massa forte no alimento da vida que, sem outros
ingredientes auxiliares, exagera a fermentação; contudo, não podemos viver sem a
força da Tolerância, que nos faz acalmar alguns impulsos inferiores.
É proveitoso que, junto
a ela, coloquemos a razão em evidência, para que ela não passe dos limites que
lhe compete atingir. A enfermidade moral está sujeita às mesmas leis que as doenças do corpo. Um terapeuta, para
ministrar remédios aos enfermos, necessita conhecer as dosagens correspondentes
aos desequilíbrios orgânicos; assim é o orientador.
A impaciência,
nesses casos, pode ser fatal como o veneno disciplinado e fonte de vida. A
Tolerância, Filipe, de modo como pensas, forma uma interrupção na mente
que desconhece a disciplina, esquecendo a justiça. Ela não pode passar das fronteiras delimitadas pelo bom senso.
Jesus dá um tempo
para que todos ordenem os pensamentos. Filipe parece em êxtase,
procurando confrontar assuntos e extrair a essência dos conceitos do Divino
Amigo. Quando o apóstolo quis continuar o assunto da complacência;
sentindo dificuldades na aplicação desta virtude singular, Jesus adiantou-se,
consciente de seus pensamentos e continuou sua fala, com serenidade:
- Filipe! Quando
toleras um desequilíbrio, aprovas a desarmonia. E assim passarás a alimentar
uma força contrária, que persegue a tua própria paz, estabelecendo um vínculo teu com o fato e vice-versa. Tolerar,
sem conhecimento de causa é estimular efeitos por vezes perniciosos, motivando
o ambiente de convivência. Entretanto, é preciso
notar que desaprovar um ato alheio, ou mesmo nosso, não implica em usar a
violência, nem tampouco o escândalo.
Pelas tuas próprias
feições, ao conversar com alguém, é fácil de notar, no silêncio do
coração, que não apoias tais ou quais atitudes; e pela alegria e interesse que
manifestas pelos ideais superiores do companheiro tu escreverás, sem uso do
verbo e da letra, tua aprovação pelo bem da coletividade, principalmente quando esse ideal se apoia nos alicerces da
dignidade que as leis de Deus nos oferece. Tolerância é palavra mais ou menos solta, que carece de solicitude do coração e
da inteligência enriquecidos na experiência do tempo e nas bênçãos do Pai Celestial. O Mestre deixou
passar alguns segundos e complementou:
- Moderação
não é tão difícil como todos podem pensar; o mais engenhoso é saber tolerar. Faz-se silêncio
novamente e os olhos dos discípulos se intercruzaram como se estivessem numa
conversação mental, procurando, cada um, o apoio do outro na assimilação dos
conceitos da noite. Filipe, como que magnetizado pela luz, deixa escapar um
suspiro, monologando:
- Meu Deus! Como é trabalhoso ser
bom! Como é problemático ajudar aos outros nas linhas paralelas da justiça e do
amor! Suspirou profundamente e acrescentou: Talvez a Tolerância, dentro dessas normas, não agrade a ninguém!
A atmosfera do
ambiente pedia meditação. Nenhum dos discípulos ousava quebrar o silêncio
diante do Cristo, esperando por um desfecho de maior entendimento, como
acontecera em outras ocasiões. Filipe encontra novamente o olhar firme e
magnânimo de Jesus, de onde esplendia carinho e doçura. E começa a ouvir o Rabi da Galileia, sentindo que estava a sós com
Ele, nos paramos infinitos. Jesus continuou:
- Não
esqueçais nunca da condescendência. Desde quando abris os olhos ao acordar até
fechá-los para dormir, que ela seja o resguardo das vossas vidas e da vida dos que anseiam
pela felicidade. Todavia, é justo que não vos esqueçais da educação, tornando-a
consciente dos caminhos que percorrem o amor mais puro, aquele
que cede na hora que a caridade deseja, e que nega no momento em que o abuso
pretende dominar a humildade.
No instante em que
duvidais até que o ponto possa atingir a paciência, procurai
os recursos da oração com respeito e fé, e a inspiração divina vos dará a
resposta pelos processos da certeza, como o instinto selecionador do comer
e do beber dos animais.
O prêmio para todos
nós virá com a assistência dos anjos para todos os que se esforçam em
direção à luz. Se quereis viver em paz com os outros e com a vossa própria
consciência, procurai, se não o fizestes, disciplinar vossa Tolerância para convosco e para
com os vossos semelhantes, desde que façais tudo isso
com e por amor.
Todos os discípulos
respiravam aliviados com os últimos remates de Jesus, por
associar a oração como força propulsora na aquisição da fé, guardando a lição do Mestre sobre a Tolerância, para aplicá-la em
todas as oportunidades que surgissem.
Compilado do livro Ave Luz de
Shaolin (espirito) e João Nunes Maia