Betsaida era o centro de
muitas atenções, devido à permanência, por algum tempo, ali, do Divino Amigo,
dos seus admiradores e, principalmente, dos irmãos da comunidade em Cristo. Nas
ruelas e praças, reuniam-se criaturas discutindo sobre a fama de Jesus, se ele
era realmente o Messias. Pairava no ar um composto de fé e de dúvida da massa
humana. Ao passar por esses grupos, alguns dos discípulos viam-se questionados
de todas as formas, e apenas abençoavam a todos, sem que a resposta fosse a
solução. Ainda não havia a ordem “ide e pregai”. A edificação doutrinária,
dentro de cada um, estava por se fazer.
O Mestre começara o plantio,
sem se descuidar da assistência aos seus companheiros do coração. Apareciam,
por vezes, certos agitadores para desmoralizar a doutrina nascente. Porém,
enquanto isso, surgiam novas curas, até mesmo no meio das agitações, e o
enfermo, cego ou paralítico, sentia, no íntimo, a presença de Jesus, e gritava,
correndo, o nome de Deus e do novo profeta. O ambiente contrário, na sua
premeditação, tornava-se força de fé, que se espalhava como um raio. Nas
cidades circunvizinhas crescia a esperança de muitos, avolumava-se a alegria
dos sofredores, e agigantava-se a convicção no colégio apostolar do grande
Nazareno.
Tadeu, o nosso personagem
desta mensagem, encontrava-se em um sítio próximo a Betsaida, pertencente a um
velho carpinteiro que conhecera seu pai e com ele convivera por muitos anos,
pois a sintonia do trabalho e das idéias os fazia unidos. Tadeu, que ali
passara a noite, não conseguiu conciliar o sono. Pensamentos múltiplos o
torturavam e a sua razão, por força de circunstâncias tais, desmerecia a
própria personalidade, em se tratando de um participante da comunidade de
Cristo.
O que João e Tiago tinham em
abundância, nele era escassez. A sua mente não conseguia armazenar
conhecimentos, nem extrair o saber que vinha envolvido nas parábolas. Era
preciso a cooperação dos outros e, mesmo assim, o seu esforço se tornava
desumano para sentir um pouco daquilo que era abundante para muitos dos
discípulos. Todavia, a vida premiou Tadeu com um corpo másculo. Mais parecia um
gigante dos contos orientais, porte esbelto, mas de tendências grosseiras.
Também os céus não se esqueceram de dar-lhe um coração simples e bom.
Vamos encontrar o gigante
hebreu na despedida da madrugada, contemplando as últimas estrelas do
firmamento azul, querendo orar sem condições, porque as grossas lágrimas o
interrompiam, em virtude das emoções que se estendiam em todos os sentidos,
entorpecendo sua fala. Não obstante, seus pensamentos se irradiavam na mais
profunda humildade, pedindo a Deus que o dotasse de mais um pouco de
inteligência, para que pudesse ouvir e entender Jesus. Sentia-se humilhado
diante das exposições filosóficas e doutrinárias dos outros companheiros.
Não vê mais estrelas. Desce
as vistas e nota o despontar do Astro Rei, como se fosse a resposta do Pai
Celestial para iluminar a sua consciência. Sorri por alguns instantes e pensa
firmemente na reunião da noite com o Cristo. Não sente fome nem sede, pelo
contentamento e pela esperança nova que nascera em seu coração, e tira o dia
para um passeio pelos campos próximos, respirando o ar puro e conversando com a
natureza na dimensão que as suas faculdades permitiam.
Quando os últimos raios de
sol se apagavam no horizonte de Betsaida, o homenzarrão já se encontrava
procurando assento dentro do templo onde se encontrava o Cristo e os outros
discípulos. Ali, o tempo era perfeitamente aproveitado. Bastou um simples olhar
de Jesus para que João erguesse uma sentida prece a Deus e aos anjos, buscando
ambiente mais favorável no sentido do aprendizado deles. Terminada a oração,
notava-se de leve um aroma agradável, que parecia penetrar as mais secretas
regiões da alma. Dois olhos, como estrelas, fitavam Tadeu, que logo se dispôs a
perguntar:
- Mestre, como sabes, por
vezes me constranjo, mas gostaria, com todo o respeito que te dedico, de
indagar algo. Mesmo não tendo o direito de acusar ninguém e nem intenção de
julgar os atos de Deus, queria o teu pronunciamento acerca da justiça, pois em
vários momentos parece-me ver o contrário nos fatos diários.
Jesus, bem acomodado no
madeiro improvisado, abre as comportas do seu magnânimo olhar e anuncia,
sorrindo brandamente com íntima alegria pela pergunta de Tadeu:
- Tadeu, a lei da Justiça é
uma realidade nos ajudando a todos. Se nos sentimos injustiçados nas
ocorrências da vida, é por nos faltar capacidade de entendimento da vontade do
Pai Celestial. Em verdade te digo que nem um astro desses que embeleza o
infinito desaparece fora de hora, como a queda de uma folha não se dá em
momento errado. Tudo, mas tudo se ajusta à harmonia universal, sem perda de um
til na escrita de Deus. O que percebeste, como fenômeno da vida e das coisas,
interpretando como injustiça, podemos afirmar sem arrogância, meu filho, que é
a manifestação da Justiça perfeita, porquanto ninguém recebe o que não merece
nem aquilo que não pode suportar no seu avanço espiritual.
Consideramos maravilhoso a
criatura amar e, além disso, achamos mais importante ainda, a alma que sabe por
que está amando. Creio que nenhum dos presentes tem coragem de acusar o Criador
pelos distúrbios íntimos de cada um e pelas hecatombes que se processam no
panorama do mundo. Esses fatos, dentro e fora de nós, consomem vidas e mais
vidas, fazem jorrar rios de lágrimas e sangue, deixam multidão de viúvas e
incontáveis crianças órfãs, que não têm coragem de se acusarem. Apesar disso,
vivem em dúvidas atrozes, dispersando forças do coração e da inteligência, em círculo
vicioso, sem o devido proveito.
Deixa que o silêncio os
ajude a gravar o que ouviram, e prossegue com dignidade: - Eis que, se
compreendermos os desígnios do Senhor, se pelo menos atentarmos no porquê das
coisas, tudo se aclara. As leis que imperam como Justiça somente são vistas com
bons olhos, quando as analisamos com sabedoria. Do contrário, ficamos nos
debatendo no ambiente agressivo da ignorância. Tadeu, depois de alguns
momentos, sem nada ouvir do Mestre, se manifesta, apressado: - Então?
Jesus, envolvido em meiguice
espontânea, adianta-se, entendendo sua vontade: - Quando somos dotados de força
física, Tadeu, é justo saber como usar essa força. Juiz, só um o é, e a ele
pertencem todos os direitos de aplicar a lei de reação das ações executadas. Se
queres saber, é bom que logo te conscientizes disso: os meios de ser útil à
coletividade e a si mesmo são incontáveis, sem anunciar o dever de ser
caridoso, pois Deus está em toda parte. Ele vê antecipadamente o alo
benevolente, o gesto que em primeiro lugar harmoniza a consciência de quem o
pratica, em todos os casos.
A Justiça aplicada pelas
mãos humanas, além do escândalo, tem interesse em anunciar uma valentia que
está impulsionada pela vaidade e, para tanto, existem as leis criadas pelo
Senhor que nunca se esquece daquilo que deve ser dado a cada criatura, atuando,
também, como vigilante na defesa daqueles que são realmente inocentes.
Basta, para os que se reúnem
em nome de Deus nesta assembléia, confiar na Justiça universal e procurar
entender a mensagem dos céus, que desponta em todos os fatos do mundo, e os
fatos do mundo íntimo que afloram para cada alma. Se existe cativeiro forçado,
prisões infectas e carrascos sem coração, a revolta marca uns e outros, já que
são águas da mesma fervura. A observação nos diz que se usa a bigorna de ferro
para amoldar o ferro, com o malho do próprio ferro.
— Pelo que conhecemos —
continua Jesus — temos outros caminhos melhores, para pregar e executar a
justiça pelo bem no domínio do amor mais puro. É bom que eu diga e que
compreendais bem depressa: não falo para os mortos na came e sim para os
despertos em espírito e verdade. A ninguém julgo, pois não estou aqui para
isso, vim para que conheçais o amor, porque somente ele tem o poder, no coração
das criaturas, de estender a felicidade, para que nenhuma das ovelhas se perca
nos labirintos do ódio. Quem se preocupa em demasia com Justiça não tem
condições para fazer a benevolência, e quando intenta misturar a caridade com
ela, a exigência empalidece o amor.
Jesus compreende bem o maior
problema que aflige Tadeu. Deixa que ele analise pacientemente o assunto em
conversação e acrescenta, com humildade: Meu filho, não queiras ser o que ainda
não podes suportar. A inveja, mesmo sendo tocada pelo clarão da boa vontade,
carrega consigo o azinhavre da maledicência. Todo invejoso se esquece das suas
próprias qualidades que, por vezes, dormem, desperdiçando as forças que gasta,
invejando. A cobiça não deixa que repares na carência de muitas qualidades do
invejado e queres, com isso, tirar dele o que ele tem para suprir as tuas
deficiências. Não é, porventura, isso, a maior injustiça?
Finalizando em tom paternal,
ajusta os pensamentos de todos os presentes, com esta expressão: Eu estou aqui
para servir e me empenho com todos os companheiros para que me ajudem.
Estendamos as mãos para quem quer que seja e falemos aos ouvidos de quem quer
que queira ouvir, para que o amor a Deus sobre todas as coisas seja o primeiro
entendimento entre os homens, a fim de que não falte o amor ao próximo.
Ainda restava muita gente
fora do casarão, esperando a saída dos companheiros do Nazareno, que às vezes
vinham também em contínuas conversações. De longe, via-se Tadeu pela sua
estatura helênica, protegendo a saída do Mestre que, de mansinho, tocava os
homens e as mulheres, que avançavam em direção a ele, pedindo misericórdia,
pedindo curas, pedindo paz, pedindo tudo, como até hoje acontece, mas sem
disposição para dar nada. Jesus abençoa a todos e, sem que ninguém perceba, a
caravana desaparece por entre a multidão.
Compilado do livro Ave Luz
de
Shaolin (espirito) e João
Nunes Maia