Judas Iscariotes é visto
como um personagem traidor, na história do Cristianismo, por religiões que
esquecem o cumprimento das profecias. Ele foi mais um instrumento para que o
Evangelho se mostrasse vinculado aos dizeres dos profetas do passado,
mostrando, com os fatos, a realidade de sua existência divina.
Iscariotes nasceu em uma
pequena cidade, situada no ambiente de Judá, que em épocas recuadas fora berço
e domínio do famoso rei Davi, conhecido pelas conquistas sem precedentes. A aldeia
de Judas era localizada no sul da região e mostrava grande escassez na produção
de alimentos de primeira necessidade. Contudo, as encostas das montanhas
rochosas aliviavam as necessidades mais imediatas, principalmente com a
produção de uvas e batatas. Parece que Judas herdou o sobrenome de Iscariotes
do seu berço natal, denominado Quiriotes.
Vamos apresentar o nosso
apreço por esse personagem que aceitou, no mundo espiritual, o desempenho de
tarefa tão espinhosa. Judas Iscariotes fita o sol que começa a se esconder,
refletindo seus raios dourados e mortiços no grande lençol das águas do Lago de
Genesaré. Com passos agitados, caminha às margens do histórico lago. Seus
pensamentos fervilham com problemas que o fazem esquecer até a esperança.
A subconsciência agita seus
mais sensíveis nervos, fazendo registrar na consciência, mais ou menos de leve,
desagradáveis ações de um passado distante. Estava em luta consigo mesmo, em
sérios conflitos íntimos, para os quais não encontrava solução. Sabia da reunião
com o Mestre, naquela noite, mas o impulso de fugir parecia dominar o dever de
comparecer, e a luta se mostrava ainda maior. Judas parecia mais uma fogueira
humana sob forma de apóstolo. De um lado, pressentia um abismo sem fim, e do
outro, vislumbrava o Cristo lhe ofertando as mãos em forma do amor mais puro
que conhecera em seus passos no turbilhão da Terra.
Judas, devido ao estado
deprimente em que se encontrava, por várias vezes sentia que todos os
companheiros eram seus inimigos. Tinha medo de ser traído pelos seus parceiros
mais íntimos e nunca confiara em seus próprios pais. A sua depressão era
acentuada quando voltava à sua terra natal. A noite chega de mansinho e uma mão
invisível toca suavemente sua cabeça agitada, acalmando-a. Judas dobra seus joelhos
em uma pequena réstia de areia e busca a Deus pela prece. Lembra-se fortemente
de Jesus e dos seus compromissos para com a comunidade apostolar, e parte,
mesmo atrasado, para a reunião marcada pelos discípulos com a presença
iluminada do Divino Mestre.
Entra sorrateiramente no
salão, sem ser visto. Porém, vê duas tochas de luz visando-o com esplendente
carinho e, sem querer, é envolvido por aquela incrível suavidade. Já com o
coração tranqüilo, toma assento. Vê algumas letras na pequena tora em que Jesus
se sentara, que chamam sua atenção: Ave Luz!
Pedro, entendendo a intenção
de Jesus, levanta-se e ora com inefável humildade; dentro do salão corria uma
brisa portadora de energia espiritual, interligando o amor de Jesus com todos
os seus companheiros. E um perfume brando é sentido por todos.
Quando Cristo abre os olhos
para abençoar seus discípulos, nota a expressão do olhar de Judas, que se
levanta com certo embaraço e fala com interesse: Senhor! O que é Amizade, sobre
que tanto escuto dos companheiros de aprendizado e cuja eficácia desconheço
quase por completo? Não sinto, Mestre, por mais que eu me esforce, Amizade por
alguém, será que nasci desprovido dessa virtude, por herança dos meus
ancestrais?
Cristo mira Judas,
compadecido, e responde, com firmeza: Amizade, meu filho, nasce de ideais
idênticos. Não queiras desprezar a ti mesmo, nem aos outros, por não sentires
ainda a segurança de que precisas com relação aos companheiros. E não podes,
por tais motivos, julgar inferiores os teus sentimentos por não serem idênticos
aos dos teus semelhantes.
Hoje, ao cair da tarde,
margeando o Lago de Genesaré, encontravas-te confuso. Ao apelares para a
súplica, tudo se clareou para o teu coração torturado. Foi a mão divina que
veio ao teu encontro, pela misericórdia de Deus. E depois da súplica, o que
fizeste? Tomaste a decisão de nos satisfazer com a tua presença. Continua a
usar o poder da prece nas horas de insegurança, sem que tua razão interfira na
simplicidade e na espontaneidade desse ato divino.
Judas tornou-se aceso de
expectativa. Brilhou no seu íntimo certa esperança. Algo dentro dele dizia do
respeito àquele Senhor que falava com tanta sabedoria e que estava presente em
lugares nunca suspeitados. Seu pensamento fervilhava de emoção e de encanto. Seus
lábios sussurraram baixinho, na cadência da disciplina: Será que este homem é o
próprio Deus, entre nós? Estando a sós, somente eu sei o que penso e faço. Como
ele me viu andando aflito à beira do Genesaré?
O Mestre deu tempo ao tempo,
e prosseguiu sua alocução: Judas, meu filho, não podemos exigir Amizade de
pessoa alguma. Ela é como os primeiros laços de amor entre as criaturas e se
mãos inábeis não conseguem atar esses laços, é de bom grado que não te
esmoreças no grandioso labor da conquista pelo trabalho de auto aprimoramento,
no silêncio da caridade.
Nenhum de nós nasce com
deficiência, já que isto implicaria na deficiência de Deus, o que seria o
absurdo dos absurdos. É justo que creias na paternidade do Senhor, que nos
comanda a todos, sem distinção. Vê se há alguma restrição para o ar que
respiras, para a água que bebes, para os alimentos que comes. São elementos de
vida de caráter universal, semeando a paz e multiplicando a vida em toda a
parte, em nome d’Aquele que nos criou por amor.
A assembléia parecia
esquecida de que pertencia ao mundo físico, vivendo somente no reino da mente,
onde Jesus era a central das emoções espirituais. Judas tentou estender suas
indagações, mas o Nazareno prosseguiu, com afabilidade: Se queres confiar nos
outros, Judas, prepara-te primeiro para que possas confiar em ti mesmo. A
Amizade surge da confiança, da certeza de que estás sendo útil, sem que a usura
exija algo em troca.
Quando vires entre teus
irmãos que te rodeiam, inimigos, isso é reflexo do inimigo que alimentas dentro
do coração, da dúvida, da maledicência, da ambição e da preguiça. Deves estar
atento a isso. Não faças aos outros o que não queres para ti mesmo. Se
porventura fores atingido por alguma falsidade, é bom que não esqueças do
perdão. Se, por acaso, o teu companheiro não te deu a atenção merecida, espera com
humildade, que o tempo, diante da tua educação, irá fazer com que o teu irmão compreenda
a necessidade da tua companhia, reparando o gesto impensado, com redobrado
carinho em leu favor.
Não devemos escolher a quem
dedicamos gentileza, e, o sorriso, ao invés de nos enfraquecer, harmoniza nosso
campo de vida. Não negues alegria a ninguém, pois a felicidade caminha também
por essas vias. O Mestre dava a entender que via as estrelas sem se sujeitar
aos obstáculos do telhado. Corria os olhos para cima, estampando em seu nobre
rosto uma expressão encantadora. Deixando que o silêncio dominasse o ambiente,
espera alguns minutos. Ninguém se manifesta.
Judas, nesse momento,
regredia no tempo e no espaço. Fazia viagens em pensamento, descortinando
lugares que nunca pensara existir. Lembra-se firmemente de Deus e vê em Cristo
a figura mais autorizada para falar sobre as leis do Criador. Deduz então que
sua magnânima presença apaga todas as figuras de todos os reis da Terra, de
todos os sacerdotes do mundo, e confunde todos os sábios de todas as
filosofias.
Jesus, quase transfigurado,
acentua com delicadeza: Judas, se queres mesmo ter Amizade, não deixes que
falte fidelidade em teus pensamentos, palavras e atos, porque aqueles que
queres como amigos, talvez esperem isso de ti. Nós todos temos volumosos
compromissos para com os céus e é de justiça que cumpramos os nossos deveres
diante de Deus, nosso Pai Celestial, e da nossa consciência, que é Ele,
igualmente, dentro de nós. Se o amor nasce da Amizade, a Amizade aparece do
esforço que dedicamos à aquisição do amor.
Começa hoje mesmo a sentir
amor por toda a criação, para que possas chegar aos homens com acentuada
segurança e tenhas a certeza de que não ficará em vão esse exercício
espiritual. O sol nasce para todos, assim a chuva, assim a Amizade de Deus para
conosco e de nós para com os nossos semelhantes. Trabalha e serve
indistintamente, que a vida marcará, sem a figuração dos erros, todos os teus
tentos de labor no bem imortal.
Judas estava emocionado, por
ouvir tantas palavras sábias. Mantinha-se de pé por respeito ao Senhor. De seus
olhos cerrados rolavam lágrimas sem conta. Os onze companheiros pareciam
tranqüilos, mas também choravam por dentro, de tanta alegria espiritual. Eles
escreviam nos corações, com o dedo da inteligência, letras de luz ligadas aos
ensinos ministrados pelo divino doador, naquela noite inesquecível em que Judas
Iscariotes, pela vidência, descobriu, brilhando na cepa de madeira onde Jesus
se sentava, a expressão:
Ave Luz...
Compilado do livro Ave Luz
de
Shaolin (espirito) e João
Nunes Maia