Mergulhado na vida corpórea, perde o Espírito, momentaneamente,
a lembrança de suas experiências anteriores, como se um véu as cobrisse. Todavia,
conserva algumas vezes vaga consciência dessas vidas, que, mesmo em certas circunstâncias,
lhe podem ser reveladas. Esta revelação, porém, só os Espíritos superiores
espontaneamente a fazem, com um fim útil, nunca para satisfazer vã curiosidade.
(Allan Kardec, “O Livro dos Espíritos”, pergunta 399.)
E não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança
do passado. Pode dizer-se que jamais a perde, pois que, como a experiência o
demonstra, mesmo encarnado, adormecido o corpo, ocasião em que goza de certa
liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores; sabe porque
sofre e que sofre com justiça. (Allan Kardec, “O Evangelho Segundo o
Espiritismo”, capítulo 5, item 11.)
O estudo do perispírito, sua organização, suas propriedades, sua
utilidade e necessidade na organização humana, suas possibilidades verdadeiramente
fabulosas, encantadoras, constituem, por certo, uma das maiores atrações da Doutrina
dos Espíritos.
Esse delicado invólucro da alma, inigualavelmente concreto,
poderoso nas funções que foi chamado a exercer na personalidade humana, é
também denominado “corpo fluídico”, dada a estrutura da sua natureza, que,
segundo os sábios pesquisadores da Ciência Espírita, é composta de três
espécies de fluido: o fluido elétrico, o fluido magnético e o fluido cósmico
universal, este também considerado pelos espiritistas a quinta-essência da
matéria.
Esse corpo fluídico da alma, pois, que jamais a abandona, que,
qual ela própria, é imortal, mas não imutável, pois evolui, partindo dos graus
primitivos até galgar aos pináculos da superioridade, seguindo o mesmo trajeto
glorioso daquela essência divina, ou seja, a alma; esse admirável corpo intermediário,
que tanto participa do fluido imponderável como da matéria sublimada à
quinta-essência.
O “perispírito”, chamado também “mediador plástico”, é também o
transmissor das vontades da alma, ou ser inteligente, à ação da matéria
humanizada, ou corpo físico humano; é a sede das sensações que agitam nossas
sensibilidades, sensações que tanto mais amplas serão quanto mais ele próprio
progrida.
Esse “corpo celeste”, como o definiu o grande Paulo de Tarso, “corpo
astral”, no enunciado dos orientalistas, tão indispensável à alma para os fins
da reencarnação, de onde lhe advém a confirmação do progresso; o perispírito,
forma, esteio que mantém e conserva a própria estrutura do corpo carnal,
conservando a personalidade detida na carne: pensamento, vontade, memória,
fisionomia, etc.,
Enquanto as células humanas sofrem as variadas renovações
periódicas, além de outras singulares propriedades possui, também, uma das mais
importantes que a mentalidade humana poderia conceber, consoante o provaram
numerosas experiências científicas ele arquiva em seus refolhos, como que
superpostos em camadas vibratórias, todos os acontecimentos, todos os fatos,
atos, sensações, e até os pensamentos que tenhamos produzido através das nossas
imensas etapas evolutivas.
Referindo-se a esse magnífico envoltório intermediário, explicam
os grandes mestres da Doutrina Espírita: “Como o carvalho que guarda em si os
sinais de seus desenvolvimentos anuais, escreve Léon Denis no capítulo 23º do
livro “Depois da Morte”, assim também o perispírito conserva, sob suas
aparências presentes, os vestígios das vidas anteriores, dos estados (humanos e
espirituais) sucessivamente percorridos.
Esses vestígios repousam em nós muitas vezes esquecidos, porém,
desde que a alma os evoca, desperta a sua recordação, eles reaparecem, como
outras tantas testemunhas, balizando o caminho longa e penosamente percorrido.
E no capítulo 8º, do livro: O Problema do Ser, do Destino e da
Dor, “... no sono, no sonambulismo, no êxtase, desde que à alma se abre uma
saída através do invólucro de matéria que a oprime e agrilhoa, restabelece-se
imediatamente a corrente vibratória e o foco torna a adquirir toda a sua
atividade, o espírito encontra-se novamente nos seus estados anteriores de
poder e liberdade. Tudo o que nele dormia desperta.
As suas numerosas vidas reconstituem-se, não só com os tesouros
do seu pensamento, com as reminiscências e aquisições, mas também com todas as sensações,
alegrias e dores registradas no seu organismo fluídico. É esta a razão por que,
no transe, a alma, vibrando as recordações do passado, afirma as suas
existências anteriores e reata a cadeia misteriosa das suas transmigrações.
As menores particularidades da nossa vida registram-se em nós e
deixam traços indeléveis. Pensamentos, desejos, paixões, atos bons ou maus,
tudo se fixa, tudo se grava em nós. Durante o curso normal da vida, estas
recordações acumulam-se em camadas sucessivas e as mais recentes acabam por
delir aparentemente as mais antigas.
Parece que esquecemos aqueles mil pormenores da nossa existência
dissipada. Basta, porém, evocar, nas experiências hipnóticas, os tempos
passados, e tornar, pela vontade, a colocar o “sujet” numa época anterior da
sua vida, na mocidade ou no estado de infância, para que essas recordações
reapareçam em massa.
Tais recordações podem avançar abrangendo o estágio no Espaço,
antes da reencarnação, como é sabido entre os espíritas, até rever a existência
anterior, e, sendo o estado de desprendimento aprofundado, tanto no sono natural
como nos diversos transes possíveis no caso, avançará até duas e mais
existências passadas.
O próprio Léon Denis que cita, na mesma obra acima lembrada,
esta belíssima experiência, também citada por Gabriel Delanne no seu livro “Reencarnação”,
colhida de uma informação que lhe prestaram outros ilustres investigadores dos
segredos contidos nos refolhos espirituais da personalidade humana.
Assim se expressa o grande escritor espírita, no capítulo XIV: O
Príncipe Adam Wisznievski, rua do Debarcadere, 7, em Paris, comunica-nos a
relação que se segue, feita pelas próprias testemunhas, algumas das quais vivem
ainda e que só consentiram em ser designadas por iniciais: O Príncipe Galitzin,
o Marquês de B, o Conde de R, estavam reunidos, no verão de 1862, nas praias de
Hamburgo.
Uma noite, depois de terem jantado muito tarde, passeavam no
parque do Cassino e aí avistaram uma pobre deitada num banco. Depois de se
chegarem até ela e a interrogarem, convidaram-na a vir cear no hotel. O
Príncipe Galitzin, que era magnetizador, depois que ela ceou, o que fez com
grande apetite, teve a ideia de magnetizá-la. Conseguiu-o à custa de grande
número de passes.
Qual não foi a admiração das pessoas presentes quando,
profundamente adormecida, aquela que, em vigília, se exprimia num arrevesado
dialeto alemão, se pôs a falar muito corretamente em francês, contando que reencarnara
na pobreza por castigo, em consequência de haver cometido um crime na sua vida
precedente, no século 15.
Habitava então um castelo na Bretanha, à beira-mar. Por causa de
um amante, quis livrar-se do marido e despenhou-o no mar, do alto de um
rochedo; indicou o local do crime com grande exatidão. Graças às suas
indicações, o Príncipe Galitzin e o Marquês de B puderam, mais tarde,
dirigir-se à Bretanha, às costas do Norte, separadamente, e entregarem-se a
dois inquéritos, cujos resultados foram idênticos.
Havendo interrogado grande número de pessoas, não puderam, a princípio,
colher informação alguma. Afinal, encontraram uns camponeses já velhos que se lembravam
de ter ouvido os pais contarem a história de uma jovem e bela castelã que
assassinara o marido, mandando atirá-lo ao mar.
Tudo o que a pobre de Hamburgo havia dito, no estado de
sonambulismo, foi reconhecido exato. Regressando de França e passando por
Hamburgo, o Príncipe Galitzin interrogou o comissário de polícia a respeito
desta mulher.
Este funcionário declarou-lhe que ela era inteiramente falha de
instrução, falava um dialeto vulgar alemão e vivia apenas de mesquinhos
recursos como mulher de soldados.
Por sua vez Gabriel Delanne, o erudito escritor e cientista
espírita, não é menos pródigo em seus importantes livros, quanto ao assunto, e
se deixamos de descrever alguns exemplos por ele apresentados será para não
alongar demasiadamente a presente exposição, ao passo que a revista Reformador,
órgão da Federação Espírita Brasileira, além de outros conceituados órgãos da imprensa
espírita, constantemente relata notícias autênticas de pessoas que recordam,
têm certeza de que viveram e como viveram em etapas reencarnatórias passadas.
Também poderemos apresentar o nosso testemunho a respeito da regressão
da memória no estado de transe, como apresentámos as lembranças, embora
restritas, da passada migração terrena, visto que será dever registrarmos os
fenômenos autênticos do nosso conhecimento, a fim de também contribuirmos para
a solidificação das teses espíritas.
Passaremos, pois, à narrativa de acontecimentos que nos dizem
respeito, encaixados na tese em apreço.
Pelo ano de 1942 minhas provações, intensas desde a infância, se
agravaram profundamente. Não me permitirei explicá-las aqui, mas afirmarei que
foram inesperadas e violentas. Havendo lutado e sofrido sem tréguas, por assim
dizer, desde tanto tempo, não resisti aos novos embates que então avultaram e
adoeci gravemente, de um choque nervoso que me manteve inconsciente, como desmaiada,
durante dois longos meses.
Em verdade, tal choque mais não seria que um estado mais
pronunciado do traumatismo trazido pelo perispírito no ato da reencarnação,
traumatismo inevitável, consequente do suicídio da passada existência, e cuja
primeira manifestação ostensiva certamente que se verificou no primeiro mês de
minha presente existência.
O certo foi que durante dois meses permaneci em estado singular,
como de transe incompreensível, estado de coma, por assim dizer, sem comer, sem
falar, respirando debilmente, vencida por sonolência insólita, e alimentando-me
artificialmente, com auxílio alheio.
Não se tratava de transe letárgico, porque posteriormente
recordei o que comigo se passou espiritualmente, e no estado de letargia não é
possível a lembrança do que se passa com o espírito do paciente. Também não foi
a catalepsia, porquanto não houve entorpecimento dos órgãos, e tão pouco se tratava
do transe sonambúlico, visto que também este não permite recordação dos
acontecimentos desenrolados, após o despertar.
Que estado seria então? Seria, acaso, a sonoterapia provocada
pelos Guias Espirituais como caridoso auxílio à minha recuperação vibratória,
ou simplesmente uma das faculdades naturais em a nossa individualidade
psíquica, daquelas ainda não bastante conhecidas, ou talvez, unicamente, o
estado traumático? Que seja, pois, fenômeno a ser estudado, visto que aconteceu
e que eu mesma, que o sofri, não posso, verdadeiramente, classificá-lo.
A personalidade humana, como não mais ignoramos, é rica de dons
e possibilidades espirituais e é bem possível que o próprio choque nervoso que me
atingiu mecanicamente arrastasse as lembranças que se desencadearam então das
camadas profundas da minha alma. Também é possível que fosse a manifestação da
misericórdia do Alto, permitindo-me a explicação das razões por que eu assim
sofria, explicações que foram reconforto para mim, permitindo-me novas forças
para peripécias futuras.
Os dois médicos requisitados para a minha cabeceira não
encontraram doença em meu organismo físico. Prescreveram então tratamento para
o cérebro, receosos de uma possível embolia ou qualquer outro choque cerebral.
Para maior singularidade da minha situação, não foi tentado
nenhum tratamento espírita, porquanto eu era recém-chegada à localidade em que
me encontrava e não conhecia o movimento espírita local, além do estado de inconsciência
em que me encontrei, sem condições para quaisquer providências a tal respeito.
Não me recordo senão vagamente, e como em pesadelo, do que
comigo se passou na Terra durante aqueles dois meses, porque não vivi na Terra.
Disseram-me, mais tarde, que esperavam minha morte a qualquer momento e que
noites seguidas velaram por mim, esperando o desenlace.
Lembro-me apenas de que certa vez despertei sentindo o cérebro
como que dilatado, tão grande que tive a impressão de que ele tomara as
dimensões do próprio aposento em que me encontrava, e tudo enxerguei como tinto
de sangue. Balbuciei algo num esforço supremo: Façam uma prece! Supliquei — mas
tal murmúrio, que as pessoas que me acompanhavam mais adivinharam do que
compreenderam, repercutiu tão dolorosamente em meu cérebro como se estampidos
violentos o destruíssem.
Fizeram a prece, que não foi por mim percebida, enquanto eu
retornava ao primitivo estado. Creio que nessa noite, com efeito, eu
desencarnaria, se nova intervenção de Maria de Nazaré, para cujo auxílio meus
familiares apelaram, não me socorresse, como na infância, quando estive a risco
de ser sepultada viva.
Não obstante, vivi intensamente da vida espiritual durante
aqueles dois meses e lembro-me, do quanto se passou com o meu espírito,
enquanto o corpo material se mantinha assim inanimado. Revivi então episódios
graves de minhas existências passada e atrasada, existências cujos erros
cometidos ocasionaram as lutas do presente, as quais em parte aqui descrevo.
É bem possível que Charles, o meu Espírito familiar, me lesasse
a revê-las a fim de estimular em meu ser coragem para as peripécias da
reparação que se impunha, como também é possível que ele apenas me amparasse,
confortando-me, quando o estado traumático mecanicamente as aviventasse em
minha consciência por predisposições naturais em toda personalidade e, por
conseguinte também na minha.
Assim sendo, vivi novamente a época em que fora filha de Charles
(século 19), época em que possuíra carruagens, vestidos de rendas com longos
babados e vivia num casarão senhorial, conforme eu mesma descrevia durante a
infância, pois ele fora, com efeito, nobre europeu de família assaz conhecida
na Espanha, em Portugal e na França, pelo menos, nome que não me permitirei
revelar por ordem dele próprio.
Dessa forma, atingi também a existência anterior e me encontrei
cigana infeliz, na Espanha, bailando pelas ruas de Sevilha, de Toledo e de
Madrid, e depois morrendo de miséria à frente de um palácio que eu rondava
cheia de ânsias e amarguras e onde pouco depois reencarnava como filha de
Charles, pois era ali a residência dele.
Compilado do livro: Recordações da Mediunidade
Autor: Yvonne do Amaral Pereira, ditado pelo espírito de Adolfo
Bezerra de Menezes