Numa pequena cidade da antiga Bourgogne, que nos abstemos de
nomear, mas que poderíamos dar a conhecer se necessário, existe um pobre velho
que a fé espírita sustenta em sua miséria, vivendo tão bem quanto mal do
medíocre produto que lhe traz a venda ambulante de pequenos objetos nas
localidades vizinhas.
É um homem bom, compassivo, prestando serviço cada vez que disto
acha a ocasião, e, certamente, acima de sua posição pela elevação de seus
pensamentos. O Espiritismo lhe deu a fé em Deus e na imortalidade, a coragem
e a resignação.
Um dia, numa de suas andanças, encontrou uma jovem viúva, mãe de
várias criancinhas, que, depois da morte de seu marido que ela adorava, louca
de desespero, e se vendo sem recursos, perdeu completamente a razão.
Atraído pela simpatia para com essa grande dor, procurou ver
essa infeliz mulher, a fim de julgar se seu estado era sem remédio. A privação
na qual a encontrou redobrou sua compaixão; mas, ele mesmo pobre, não podia lhe
dar senão consolações.
Eu a vi várias vezes, disse ele a um de nossos colegas da
Sociedade de Paris que o conhecia, e tinha ido vê-lo; um dia eu lhe disse, com
o acento da persuasão, que aquele que ela lamentava não estava perdido sem
retorno; que estava junto dela, se bem que não pudesse vê-lo e que eu podia, se
ela o quisesse, fazê-la conversar com ele.
A estas palavras, seu rosto pareceu se alegrar; um raio de
esperança brilhou em seus olhos apagados. "Não me enganais? Disse ela; ah!
Se isto pudesse ser verdade!" Sendo muito bom médium
escrevente, obtive, durante a sessão, uma curta comunicação de seu marido que
lhe causou uma doce satisfação.
Vim vê-la com freqüência, e cada vez seu marido conversava com
ela por meu intermédio, ela o interrogava, e ele respondia de maneira a não lhe
deixar nenhuma dúvida sobre a sua presença, porque lhe falava de coisas que eu
mesmo ignorava; encorajava-a, exortava-a à resignação e lhe assegurava que se
reencontrariam um dia.
Pouco a pouco, sob o império dessa doce emoção e dessas palavras
consoladoras, a calma reentrou em sua alma, sua razão retornava a olhos vistos,
e, ao cabo de alguns meses, ela foi completamente curada e pôde se entregar ao
trabalho que deveria alimentá-la e a seus filhos.
Esta cura fez uma grande sensação entre os camponeses da aldeia.
Tudo ia, pois, bem; eu agradecia a Deus por haver me permitido arrancar essa
infeliz das consequências de seu desespero; agradecia também aos bons Espíritos por
sua assistência, porque todo o mundo sabia que esta cura tinha sido produzida
pelo Espiritismo, e com isto eu me regozijava; mas eu tinha o cuidado de lhes
dizer que não havia ali nada de sobrenatural, lhes explicando da melhor maneira
os princípios da sublime Doutrina que dá tantas consolações e já fez um tão
grande número de felizes.
Essa cura inesperada emocionou vivamente o
“Sr. cura” do lugar; ele visitou a viúva que ele havia abandonado
completamente desde sua doença, soube por ela como e por quem ela tinha sido
restituída à saúde e aos seus filhos; que ela agora tinha certeza de não estar
separada de seu marido; que a alegria que ela com isto sentia, a confiança que
isto lhe dava na bondade de Deus, a fé da qual estava animada, tinham sido a
causa principal de seu restabelecimento.
Ai de mim! Todo o bem no qual eu tinha posto
tanta perseverança em produzir ia ser destruído. O Sr.
cura fez a infeliz viúva vir à residência paroquial; começou por
lançar a dúvida em sua alma; depois fê-la acreditar que eu era um cúmplice de
Satã, que eu não operava senão em seu nome, que ela estava agora em seu poder;
e fez tão bem que a pobre mulher, que teria tido necessidade das maiores
reservas, enfraqueceu por tanta emoção, recaiu num estado pior do que a
primeira vez.
Hoje ela não vê por toda a parte senão os diabos, os demônios e
o inferno; sua loucura é completa, e devem conduzi-la a um hospício de
alienados. O que havia causado a primeira loucura dessa mulher? O
desespero. O que havia lhe restituído a razão? As consolações do Espiritismo. O
que a fez recair numa loucura incurável? O fanatismo, o medo do diabo e do
inferno.
Esse fato dispensa todo comentário. O clero, como se vê, foi malsucedido de
pretender, como fez em muitos escritos e sermões, que o Espiritismo leva à
loucura, quando se pode com razão lhe reenviar o argumento. As estatísticas
oficiais estão aí, aliás, para provar que a exaltação das idéias religiosas
entra por uma parte notável nos casos de loucura. Antes de lançar a pedra em
alguém, seria sábio ver se ela não pode cair sobre si.
Que impressão esse fato deve produzir sobre a população dessa
aldeia? Certamente ela não estará em favor da causa que sustenta o Sr. cura,
porque o resultado material ali está sob os olhos. Se ele pensa recrutar
partidários à crença no diabo, engana-se muito, e é triste ver que a Igreja
faça dessa crença uma pedra angular da fé.
Compilado da Revista Espírita de fevereiro de 1969
Allan Kardec