O primeiro desafio que temos a enfrentar quando ousamos
entender Deus, é o da limitação. É do senso lógico que o limitado não abrange o
ilimitado. A parte não absorve o todo. O relativo não se sobrepõe ao absoluto,
nem o finito descreve
com plenitude o infinito.
Alguém pode pensar simploriamente que uma gota do oceano
seja capaz de lhe desvendar os mistérios. Concordamos em parte que sim. A essência, os elementos
químicos formadores de suas moléculas, algumas formas de vida nela existentes,
as transformações relativas aos fenômenos físico-químicos poderiam fornecer
pálida idéia do conjunto formado pelo oceano.
Mas daí a aventurar-se a mar alto confiado nessas informações, é candidatar-se a
decepções e desenganos frustrantes. Descobriria de imediato o navegante, os inumeráveis
pluricelulares marinhos, as formas de vida exuberantes que lhe ultrapassariam
em centenas de vezes o peso e o tamanho; os abismos obscuros; as correntes
indomáveis; as tormentas bruscas; os segredos que esperam os heróis incansáveis
para a pesquisa e o trabalho fecundos.
Deus, em nosso estágio de entendimento, tem a grandeza que a nossa
inferioridade permite ver. Nós O olhamos com os olhos de catarata. À proporção em que
nossa ciência e sabedoria atuarem como bisturi da ignorância que nos torna
cegos, nosso cristalino terá menos opacidade, permitindo que os raios de luz da
verdade, em sucessivas raspagens reencarnatórias nos permita vê-Lo, como
sentenciou o Espírito de Verdade.
Claro está que jamais o veremos circunscrito a um local específico,
nem conseguiremos descrevê-lo em dimensões e formas. Nós o entenderemos relativamente
e com Ele nos identificaremos em essência e destinação. Dizem alguns tolos
cujo orgulho lhes põe cera aos ouvidos e venda aos olhos: se Deus existe, prove-o!
É o segundo desafio. O da demonstrabilidade. Poderíamos dizer-lhes
o mesmo, utilizando de sua ótica retorcida. Se Ele não existe, prove-o! No
entanto, seria gastar tempo e energia, fazendo-nos de mestres que não somos,
quando para tais alunos o mestre tem muitos nomes: frustração, vazio, dor, desengano,
e no final do curso, aceitação.
Podemos, no entanto, lembrar a quem de interesse sadio se arme, que
o sentimento e a certeza da existência de Deus são universais. Da crença mais
bizarra nos Espíritos primitivos até a intelectualidade mesmo fria, Deus é a
razão, lei, Criador do universo. Quando em vez alguém tenta negar a existência
do ser supremo ou deixá-lo ausente das construções universais.
Tal foi a infeliz conclusão de Nietzsche ao afirmar a morte de Deus, e a
singular resposta de Pierre de Laplace a Napoleão Bonaparte, quando este lhe
interrogou sobre a obra do importante matemático, intitulada "Mecânica
Celeste": Escrevestes este enorme livro sobre o sistema do mundo sem mencionar uma só
vez o autor do universo? Perguntou Napoleão. E Laplace respondeu com mais respeito ao
imperador que a Deus: Senhor, não senti necessidade dessa hipótese.
Trinta anos após a morte de Laplace, sai na Europa "O Livro dos
Espíritos" cuja pergunta número um é: Que é Deus? Essa pergunta abriu de
vez as portas do além para a Humanidade. E a sua resposta (Inteligência suprema, causa
primeira de todas as coisas) deixou claro que as portas do céu estão abertas
para quem as queira conquistar através da caridade.
Em "O Evangelho segundo o Espiritismo" falam os Espíritos
superiores, que nos mundos mais atrasados onde a força bruta é a lei, no fundo
tenebroso das inteligências de seus habitantes encontra-se latente a vaga
intuição de um ser supremo, mais ou menos desenvolvida.
Pela observação e questionamento de si e do universo, o Espírito
terá milhões de provas materiais e filosóficas de uma ordem mantenedora, de uma
harmônica diretriz que a tudo impulsiona rumo à perfeição. Todas as equações e
fórmulas científicas do nosso mundículo atestam a existência de Deus.
Igualmente, vasculhando o mundo íntimo, repositório de dores e
conquistas, encontramos a ação de Deus em cada segundo vivido. Imersos estamos em
Deus, mas nem todos partilham de igual visão. Os racionalistas, tomando a razão como
via natural do conhecimento, só aceitam Deus racionalmente.
Muito bem! Eles estão satisfeitos com a sua meia verdade. Os que defendem a
supremacia da fé, entendem que jamais o Espírito encontraria Deus pela razão, pois só na fé existem
condições indispensáveis para o desabrochar da luz espiritual.
Esses estão crentes na sua meia verdade. Convivendo com ambos, os
vinculados ao plano das emoções rejeitam a razão e optam pelo sentimento,
afirmando: Deus não pode ser racionalizado, apenas sentido. Esses estão
acomodados em sua meia verdade. Se Deus está em tudo, todos os caminhos
deságuam em sua plenitude. Juntando as meias verdades teremos uma meia verdade
aproximada de Deus, ainda de acordo com o nosso estágio de semi-analfabetos da ciência
espírita.
Objetivistas e subjetivistas em suas buscas filosóficas enquanto
sadias, ampliarão a cada dia o pensamento sobre Deus, até que descubram
que ambos estão corretos e incompletos. O problema exige a atuação da mente e a
melodia do coração. Apreende-se desse fato que todos possuem argumentos na busca pelo
conhecimento teológico.
Só aquele que procura negar a existência de um ser superior é que
não os possui. E se julga detê-los, eis a lógica inflexível que os devora,
deixando-o aturdido frente à sua imaturidade espiritual. Deus nesta obra será
tratado como causa primeira de todas as coisas, o que pode criar a substância e
a essência,
cabendo ao Espírito, manejar, planejar, direcionar, auxiliar, supervisionar,
mas nunca decidir em grau maior, de vez que as leis divinas já incluem a
decisão em seu âmago.
O Espírito decide através do seu livre-arbítrio em questiúnculas, pois em
última instância prevalecem as leis divinas, dotadas de determinismo inexorável a culminar
na sabedoria, beleza, justiça. Os Espíritos agem portanto sob o comando de uma
diretriz já delineada, cujo fatalismo é sentido obrigatório. À proporção em que
escapam da faixa grosseira da ignorância e adentram na sutileza das emoções
sublimadas mais corroboram com esse determinismo.
Se quisermos entender um pouco da grandiosidade de Deus, procuremos entender
e conhecer a nós mesmos, criados à Sua semelhança, e estimemos o que é, e do
que será capaz o poder amoroso de Deus. Sem contaminar a palavra hoje tão vulgarizada
e tomada como representação de sentimentos e atitudes até mesquinhas, diria que
Deus é fonte inesgotável de
amor. A fonte que move e sustenta a bipartição de um simples
protozoário e a estabilidade das imensas galáxias bordadas de bilhões de sóis.
Por esse motivo não pune, não castiga, não é guerreiro, não obriga,
não distribui chagas ou medalhas para nenhuma de suas criaturas. Como energia
criadora criou a lei, e como ninguém é forte fora da lei, ausentando-se dela, a
ela retorna por absoluta falta de opção. A vida não deixa outra alternativa.
É seguir a Deus ou sofrer. E como ninguém se adapta à dor, embora
muitos com ela convivam por largos anos, acaba cedendo ao chamamento do amor,
após a lapidação imposta por esse mestre tão enérgico, mas tão solicitado no
mundo atual, qual seja, o sofrimento. É um conforto saber da existência de Deus e
ter a segurança de que não somos órfãos em tão extenso universo.
Compilado do livro
O Perispírito e suas Modelações
Luiz Gonzaga Pinheiro