1. Percepção da dor e visão: Nós já sabemos desde o século passado quais são
os neurônios envolvidos na percepção da dor e das imagens visuais. O neurologista
conhece todo o trajeto percorrido pela sensação de uma espetada na pele e que
provoca dor. A mesma coisa para os objetos registrados pela retina e que o
cérebro codifica em imagem.
O que nós já sabemos, também, é que todo esse trajeto de vias
nervosas representa apenas uma pequena percentagem nos dois fenômenos, a percepção
de dor e a visão dos objetos.
Nos dois casos, o mais importante é o processo mental que interpreta a
dor e que dá significado às imagens. Dizem os neurologistas que esse fenômeno
mental depende de uma série de fatores. A maneira como expressamos a nossa dor e
damos significado ao que estamos vendo está fortemente ligada à nossa cultura,
à personalidade, às experiências anteriores, às memórias, ao ambiente. Na verdade, tanto a
dor como a visão são processos mentais interpretativos, ou, como dizem neurologistas
mais liberais, tudo não passa de “uma opinião pessoal”.
É surpreendente o que podemos aprender no “O Livro dos Espíritos”,
que nos ensina como esses dois fenômenos afetam o espírito: “A lembrança que
da dor a alma conserva pode ser muito penosa”. “A dor que sentem não é, pois, uma dor
física propriamente dita: é um vago sentimento íntimo... porque a dor não se acha
localizada e porque não a produzem agentes exteriores”. (O Livro dos
Espíritos, pergunta 257).
Quanto à visão (perguntas 245, 246 e 247), “ela reside em todo ele.
Vêem por si mesmos, sem precisarem de luz exterior. Como o Espírito se transporta aonde
queira, com a rapidez do pensamento, pode-se dizer que vê em toda parte ao
mesmo tempo”. A Neurologia deverá confirmar no futuro essas duas informações que
Kardec nos legou para estudo. Precisará, inicialmente, considerar a mente como
sinônimo de alma.
2. O tempo: Na teoria mecanicista de Newton, o tempo era
considerado uma grandeza absoluta, caso contrário, os cálculos que mediam as
distâncias entre os planetas dariam errados. Einstein, entretanto, perverteu essa
relação, propôs a relatividade do tempo, aumentando a precisão dessas medidas.
Independente das proposições científicas, os filósofos sempre
conjeturaram sobre a natureza do tempo. Henri Bergson deu-nos a afirmação
poética de que “o Tempo da consciência não é o mesmo Tempo da Ciência”. Para o senso comum, todos nós já
constatamos que o passar do tempo é circunstancial. Basta esperar o ano
para os alunos da escola, os meses para a mulher grávida, os dias para quem
paga o aluguel, as horas para quem marcou um encontro, os minutos para o trem
passar e os milésimos de segundos para a Fórmula 1.
A Neurologia vê a noção de tempo como uma experiência nitidamente
mental,
ocupando diversas áreas do cérebro ao mesmo tempo. Kardec recebeu dos Espíritos
a informação de que “o tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas
transitórias; a eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista
da duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo é presente” (A Gênese, cap.
VI, item 2). Precisamos destacar esta afirmação de consequências e
complexidade extraordinárias: para o Espírito tudo é presente.
3. As propriedades da matéria: Em “O Livro dos Espíritos” (perguntas
29 a 34) ficamos
sabendo sobre a existência de um só elemento primitivo que dá origem a todas
as propriedades da matéria. Estando presos à realidade material do nosso mundo,
conseguimos identificar as propriedades químicas e físicas da matéria grosseira
que compõe nossa dimensão física.
Entretanto, o elemento primitivo (fluido cósmico), que se expande
por todo universo, tem propriedades especiais que ainda não conhecemos e que dão à
matéria a capacidade de experimentar todas as modificações e adquirir todas as
propriedades. Dizem então os Espíritos “que tudo está em tudo”.
Só assim poderemos entender as expressões extraordinárias dos fenômenos
mediúnicos de efeitos físicos, quando as leis de ponderabilidade são pervertidas. Uma
pedra, tão sólida como a conhecemos, pode atravessar um telhado e se acomodar
dentro de um armário fechado. São essas mudanças nas propriedades da matéria que o
fluido cósmico realiza e que a Ciência ainda não conhece, por ignorar os
princípios de sua atuação.
Ainda não temos alcance, também, para compreendermos a extensão da
ligação espiritual que esse fluido universal permite à matéria submeter-se ao
pensamento de Deus. Em “A Gênese” (capítulo II) dizem os Espíritos que “cada
átomo desse fluido, se assim nos podemos exprimir, possuindo o pensamento, isto
é, os atributos essenciais da divindade e estando o mesmo fluido em toda parte,
tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua
solicitude”. “A natureza inteira está mergulhada no fluido divino.”
4. O pensamento criativo e as ideias fixas: O imaterialismo de
Berkeley (Donald George Berkeley, filósofo irlandês, 1685-1753) propunha que o “existir não é
mais do que ser percebido”. “A matéria só existe quando percebida.” “As percepções visuais
não são de coisas externas, mas simplesmente ideias na mente.” Sócrates afirmava
que “as coisas existem em virtude de como as percebemos”. Em “O Livro dos
Espíritos” (pergunta 32) os Espíritos ensinam que as qualidades dos corpos
(“os sabores, os odores, as cores, as qualidades venenosas ou salutares”) só existem devido à
disposição dos órgãos destinados a percebê-las. É bem assim que a Neurologia de hoje
compreende a percepção que fazemos de um objeto que atinge nossos sentidos.
Propostas da atualidade estão afirmando que a matéria só se
manifesta como interação mental. Entretanto, os neurologistas ainda não
conseguem compreender a natureza da criação mental, a não ser quando um
comportamento expressa uma resposta a um estímulo sensorial. O pensamento
intuitivo ou o pensamento abstrato estão longe de qualquer experimento
laboratorial. Na doutrina espírita aprendemos que o pensamento procede do Espírito,
fonte de energia criadora que usa o cérebro como instrumento de suas ideias.
No campo do pensamento os Espíritos acrescentaram conhecimento
inédito e tão extraordinário que até hoje a Ciência sequer tem instrumentos
para estudá-lo. Dizem os Espíritos que o pensamento atua sobre o fluido
universal criando nele “imagens fluídicas”, o pensamento se reflete
no nosso envoltório perispirítico, como num espelho, e aí de certo modo se
fotografa. “Esse
fluido (perispirítico) não é o pensamento do Espírito; é, porém, o agente e o
intermediário desse pensamento. Sendo quem o transmite, fica, de certo modo,
impregnado do pensamento transmitido” (A Gênese, capítulo II, item 23).
Daí a gravidade de nos escravizar a pensamentos persistentes que
nos aprisionam; a desejos que nos perturbam; a vinganças que não se justificam; a
ódios que não se apagam; a paixões que nos desequilibram; a projetos que não
temos alcance. São todas elas “ideias fixas” que se “materializam” em nossa
esfera mental, criando “ideias-formas”, “imagens fluídicas”, “miasmas mentais” que
justificam as inúmeras expressões de neuroses e psicoses comuns na
psicopatologia humana.
5. Vitalismo: Para Cláudio Galeno, médico do século II, existiriam forças
de atração e repulsão para manterem os órgãos em funcionamento. Para
ele, a
vida seria mantida por um elemento imaterial denominado “pneuma” vital, situado
no coração, difundindo-se pelo sangue existente nas veias. No cérebro, ele é
transformado em pneuma animal, permitindo reagirmos aos estímulos dos sentidos
e, no fígado, em pneuma natural com a propriedade de assimilar os alimentos. As
teorias de Galeno foram aceitas por mais de 12 séculos.
No início do século XVI Georg Stahl reviveu o vitalismo defendendo a
existência de uma “alma sensitiva” necessária para a manutenção da vida. Nessa ocasião Stahl
sofreu uma ferrenha oposição das teorias mecanicistas defendidas principalmente
por Frederich Hoffman. Excluindo a existência da alma, Hoffman via nos
processos vitais apenas fenômenos de fermentação de substâncias e combustão de
gases, explicando, assim, a digestão e a respiração.
A doutrina espírita revive com força o vitalismo. Ensina que existe um
elemento imaterial que mantém a vida na matéria orgânica (O Livro dos
Espíritos, perguntas 60 a
67) e, “sem falar do princípio inteligente, que é questão à parte, há na
matéria orgânica um princípio especial, inapreensível e que ainda não pode ser definido:
o princípio vital” (A Gênese, capítulo X, item 16).
6. O sonambulismo: Na atualidade o sonambulismo já não desperta o
mesmo interesse e prestígio que desfrutava no tempo de Kardec. Tratados com
casuística volumosa foram escritos por Ambrose-August Liébeaut, Abade Faria e
Charles Richet. A escola de Charcot em Paris o acolhia como forma de terapia em
suas pacientes histéricas.
Kardec dá notícia de ter estudado o sonambulismo em todas as suas
fases durante 35 anos (O Livro dos Espíritos, Introdução). Nessa mesma
obra ele
escreve várias páginas fazendo um “resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e
da dupla vista”. Deixa claro que “para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que
um fenômeno psicológico, é uma luz projetada sobre a psicologia. É aí que se pode
estudar a alma, porque é onde esta se mostra a descoberto”.
Nesse resumo Kardec discorre sobre o sonambulismo natural e o
magnético e
destaca a clarividência como um atributo da alma, permitindo ao sonâmbulo
ver em todos os lugares aonde sua alma possa transportar-se. Nessa visão a
distância, “o sonâmbulo não vê as coisas de onde está o seu corpo, como por
meio de um telescópio. Vê-as presentes, como se achasse no lugar onde elas
existem, porque sua alma, em realidade, lá está” (O Livro dos Espíritos,
questão 455).
7. O sono e os sonhos: Já conhecemos muito da fisiologia do sono. Ele
ocorre em ritmos com determinados padrões que são identificados pelo
eletroencefalograma. A idade, o sexo, o ambiente, a alimentação, a profissão
são parte
dos inúmeros fatores que interferem na quantidade e na qualidade do sono. Já sabemos quanto ele
nos faz falta, mas ainda não podemos dizer tudo sobre o motivo por que
realmente precisamos dormir. Os sonhos estão nitidamente ligados às experiências
vividas no decorrer do dia, têm relação íntima com a aquisição de memórias, mas,
também, desconhecemos o seu real significado.
Freud afirmava ter percebido que seus pacientes o procuravam não só
para fazerem suas queixas, mas, também, para lhes relatar seus sonhos. Isso lhe despertou a
idéia de que os sonhos teriam algum sentido oculto. Seu livro “A interpretação
dos sonhos”, de 1900, desencadeou a mais extraordinária revolução sobre a
mente humana. Os sonhos revelam um conteúdo insuspeitado, já que sinalizam
desejos contidos no inconsciente.
Platão em sua “República” antecipara-se a Freud ao afirmar que no sono a alma tenta
retirar-se das influências externas e internas e que são expressos, nos sonhos,
desejos que geralmente não se expressam no estado de vigília.
Kardec, em “O Livro dos Espíritos” inicia o capítulo
sobre a Emancipação da Alma estudando o sono e os sonhos. Os Espíritos
esclarecem que durante o sono a alma se vê liberta parcialmente do corpo e
“entra em relação mais direta com os Espíritos”. Nessas circunstâncias pode a alma
manter contato com Espíritos familiares que a orientam e aconselham e tomam
conhecimento do seu passado e algumas vezes de seu futuro. Esse é um campo para
futuras investigações que precisam ser desenvolvidas e confirmadas no meio espírita.
8. Tributo necessário: Abordamos catorze tópicos de interesse
científico relevante extraídos de duas obras básicas da codificação espírita.
Após um século e meio algumas das suas afirmações aguardam aprovação da Ciência
oficial, enquanto outras estão se confirmando gradativamente.
De algum tempo para cá, o meio espírita vem se dedicando mais
sistematicamente ao estudo do Espiritismo como ciência, aliado ao seu conteúdo
filosófico e às suas consequências morais. Só assim conseguiremos que a Ciência humana
registre o nome de Allan Kardec como um de seus grandes vultos. É um tributo que
precisamos prestar-lhe pelo legado científico que ele nos deixou.
NUBOR ORLANDO FACURE
Nubor Orlando Facure é médico neurocirurgião e diretor do Instituto
do Cérebro de Campinas-SP. Ex-professor catedrático de Neurocirurgia na Unicamp
(Universidade de Campinas), é escritor e expositor espírita.