Acordai, meus irmãos, meus amigos! Que a voz dos espíritos comova
os vossos corações. Praticai a generosidade e a caridade, sem ostentação, isto é,
fazei o bem com humildade; que cada um de vós destrua, pouco a pouco, os
altares que erguestes ao orgulho; em uma palavra, sede verdadeiros cristãos e
alcançareis o reino da verdade. Não duvideis mais da bondade de Deus, agora que o Senhor
dela vos oferece tantas provas.
Vimos preparar os caminhos para que as profecias se realizem.
Quando o Senhor vos der uma manifestação mais evidente da sua bondade, que o enviado
celeste encontre em vós uma grande família; que os vossos corações, brandos e
humildes, sejam dignos de ouvir a palavra divina que ele virá vos trazer; que o
eleito só encontre em seu caminho as palmas deixadas pelo vosso retorno ao bem
e à caridade, então vosso mundo se tornará o paraíso terrestre. (Livro O
Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo VII item 11)
Jean-Baptist-Henri Dominique Lacordaire nasceu em 12 de maio de 1802 em
Recey-sur-Ource, situada na região da Borgonha, França. Seu pai, médico da
marinha francesa, desencarnou quando ele e seus três irmãos ainda eram bem
pequenos. Por conta disso, sua mãe teve de ir para a cidade em busca do
sustento da família.
Criado num ambiente tranquilo e distanciado dos acontecimentos
tumultuosos daquela época, naquela região, desde tenra idade, o menino manifestava
uma inteligência incomum. Com facilidade na oratória e por sua eloqüência,
destacava-se perante os colegas de classe, impressionando até seus professores. Estudou no Liceu e
mais tarde abraçou a escola de Direito em Dijon.
De espírito inquieto, em 1823 passa a atuar como advogado
estagiário na cidade de Paris. No ano seguinte, aos 22 anos de idade, num
arroubo d’alma, resolve largar tudo e entra para o seminário na Catedral de
Notre Dame,
como se intimamente percebesse a tarefa a que veio realizar aqui na Terra. Em
22 de setembro de 1827, é ordenado padre e, dando continuidade aos seus
estudos, trabalha também como professor no Liceu Henri-IV, em Paris.
Com sua ação proeminente em seu círculo religioso, é apresentado a
Lamennais e torna-se seu discípulo e amigo. Além disso, passa a escrever
artigos no diário católico L’Avenir. Juntos defenderam a liberdade religiosa, a
liberdade de ensino e a dissociação da Igreja ao Estado. Lacordaire realizou
diversas conferências, em busca de uma nova mentalidade, nos lugares por onde
passava.
Suas preleções, na Ordem dos Pregadores Dominicianos, surtiram um efeito
muito grande, dividindo opiniões dentro e fora do clero católico. Apoiado pela opinião
pública e contrariando os interesses tradicionalistas, num ato de coragem e fé,
sustentou seus ideais até o fim.
Aos poucos foi conquistando a confiança de muitos, inclusive dos
seus próprios confrades de ideal cristão. Em 1843 funda o primeiro convento da Ordem
na França e, na expansão de suas atividades, sempre visando o conceito de
liberdade de expressão, em 1848, lança um novo jornal, o L’Ere nouvelle (A Nova Era). Envereda
também pela política como deputado, na ala esquerda da Assembléia Constituinte.
Três anos mais tarde, em 1851, após uma golpe de estado, deixa a
carreira política. Entretanto, não abre mão de sua vivacidade no trato com as
questões públicas e sociais. De forma inteligente troca o cenário político pelo
educacional, onde passa a se dedicar plenamente à formação educacional da
juventude,
aceitando, em 1852, estar à frente da direção de um colégio em Oullins,
localizado nos arredores da cidade de Lyon.
Um fato curioso sela a vidad deste nobre seareiro do Cristo com as
manifestações espíritias. Em uma carta particular endereçada à Sra. Swetchine, em
29 de junho de 1853, ele interroga à sua destinatária se ela já vira ou ouvira
falar das mesas girantes. Pois que ele já tivera contato e até mesmo se comunicado com os
espíritos através dos fenômenos das mesas.
Nessa mesma carta, ele ainda revela que nutria a certeza de que, por essa
forma, Deus queria proporcionar ao homem o desenvolvimento das forças
espirituais e materiais. Ou seja, Lacordaire atesta a certeza do mundo
espiritual e suas relações com o mundo físico. Esses relatos foram selecionados por
Kardec e publicados na Revista Espírita do mês de fevereiro de 1867, no artigo
intitulado Lacordaire e as Mesas Girantes.
Eleito com 21 votos, no dia 2 de fevereiro de 1860, torna-se
membro da Academia Francesa. Uma das maiores honras concedidas por seu país, a coroar
sua trajetória pela vida física. Permaneceu neste cargo durante pouco tempo,
pois que os sinais do corpo, através da lentidão dos movimentos, já atestavam
que não teria condições de permanecer por muito tempo encarnado na Terra.
Ao rezar uma missa é acometido por um derrame cerebral que o
impossibilita de dar continuidade às suas atividades. Meses depois, em
21 de novembro de 1861, retorna à pátria espiritual. “Pensar é mover-se no
infinito”,
se expressou numa de suas inúmeras frases, assim como também perante à vida.
Coragem, ousadia e persistência são marcas características desse Espírito.
Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” encontramos três mensagens
suas: O bem e o mal sofrer (capítulo V item 18), O orgulho e a humildade
(capítulo VII item 11), e o Desprendimento dos bens terrenos (capitulo XVI item
14). Interessante observarmos que, traçando um paralelo dessas três comunicações,
verificaremos
que ele nos concita a um patamar de liberdade de pensamento muito mais amplo do
que estamos acostumados a realizar.
Faz citações à fé, à perseverança e à submissão à vontade de
Deus ante os enfrentamentos e as dores humanas. Concita-nos também à prática da
caridade e humildade, para não repetirmos velhos comportamentos farisaicos. Mostra-nos a
transitoriedade dos bens da Terra, apontando os males que o sentimento de apego
e posse acarretam quando não conseguimos nos desprender dessas amarras e, ainda, nos faz
entrever as alegrias e glórias da vida espiritual. Enfim, sustentar essas
afirmativas é um ato de coragem.
Allan Kardec também publica mensagens e instruções espirituais de
Lacordaire na Revista Espírita com os seguintes títulos: Instrução Moral (março
1862); A Chave do Céu (agosto 1865); Respeito devido às Crenças Passadas (março
1867) e os Messias do espiritismo (fevereiro 1868).
Texto de Carlos Cunha - Revista de Estudos Espíritas – CELD