Um barco deslizava, ao cair da
tarde, nas águas do Lago de Genesaré. Dentro dele, via-se, além do mestiço
musculoso que se servia de duas pás à feição de remos, um homem de pequena
estatura, envolto em profunda meditação, sem perceber a participação da
natureza que tanto admirava, devido ao seu estado de emotividade espiritual
naquele momento.
Tal estado o levava a difíceis
reajustes nos conceitos que esposara com a vivência de muitos anos como
imediato dos rabinos da Galiléia e muita convivência com os de Jerusalém.
Várias vezes ministrara ensinamentos nas sinagogas, inspirado nos escritos de
Moisés, o chefe espiritual dos judeus.
Tiago (Tiago menor) queria e
deveria ser, mais tarde, um dos sacerdotes. No entanto, o destino lhe reservara
outro apostolado mais propício, pois a vida nem sempre nos atende nas linhas
das nossas aspirações, por não sabermos com exata medida o que mais nos convém.
Tiago se debatia nas suas
conversações mais amplas com os profitentes da fé que esposara desde o berço. Pela
sinceridade, pela confiança nos postulados que abraçara em nome do Pai
Celestial, a fidelidade era o seu maior empenho dentro da comunidade
espiritual. E enquanto os remos agitavam o barco em direção à praia, o filho de
José estava, de um certo modo, agitado.
No seu coração, o raciocínio o
levava ao tribunal da consciência, acusando-o de traição à religião que o vira
nascer. Não obstante, os sentimentos avançavam no meio do tumulto, dizendo que
Jesus era o Cristo que havia de vir e as deduções se debatiam no topo do seu
volumoso crânio. Não fora Moisés, o maior profeta de todos os tempos, que
anunciara também a vinda do Messias?
O homem de Deus tornava-se dois
dentro daquela humilde embarcação, dividido pela angustiosa dúvida. De qualquer
forma, ia em direção à reunião memorável daquela noite. Sua atração por Jesus
era de confundir todos os raciocínios. Perdeu, naquele instante, toda a
serenidade que acreditava ter. Pelo menos, escapou-lhe todo o domínio emocional
que a sua posição exigia, tornando-o um homem comum como não pretendia ser.
Desce do barco quase sem
perceber. Seus pés se afundam no tapete arenoso, deixando as marcas das
sandálias simples que lhe serviam para as grandes caminhadas, sem esquecer o
cajado que marcava a sua posição espiritual no reino do entendimento dos
antigos pergaminhos.
Tiago apressa o passo pela
disciplina que a auto-educação lhe conferiu, querendo ser o primeiro a chegar
como participante da assembléia. Destarte, não percebeu, no lusco-fusco, um
personagem esguio e sorridente, a contemplar o lago majestoso que refletia os
primeiros clarões da lua. A mão de João toca seu ombro de leve, saudando-o com
benevolência: A paz seja contigo, Tiago!
Assusta-se, porém, sem
desequilíbrio e, reconhecendo o companheiro, responde: Que Deus te ilumine, meu
irmão! Quais os ventos que te trouxeram aqui, João? Este, ainda sorrindo,
adianta:
É a ânsia pela natureza, pois
nela vejo e sinto o Criador com mais eficiência. Queria, antes de encontrarmos
o Divino Mestre, preparar as minhas emoções para melhor interpretar a sua
grandiosa fala, e escolhi esse ambiente que tanto me fascina. E, ainda mais, o
Senhor me premiou com a tua figura. Sorriram juntos e, abraçados, sem palavras,
agradecem a Deus.
Em poucos instantes, João e
Tiago avistaram, adentrando o casarão, alguns discípulos e a figura majestosa
do rabino incomparável da Galiléia. Em seguida, os dois companheiros de Jesus
também se assentaram, pelo prazer de participar daquele convívio que ficaria
inesquecível em seus corações.
Ambiente sereno, onde o
respeito se transmutava em alegria e esperança. Tiago, no silêncio, pedia aos
céus que lhe favorecessem a oportunidade de perguntar e que o diálogo lhe fosse
favorável, sem que o acanhamento ou mesmo a ignorância abafasse o que lhe ia na
alma. Sabia um pouco das leis, mas queria saber mais, tinha fome de um
entendimento mais vasto acerca da vida e das forças que nos dirigem na
existência.
O velho discípulo ostentava uma
bagagem cultural apreciável. Conhecedor de várias línguas, dominava completamente
o grego pois a filosofia e o espiritualismo em geral alcançaram, na Grécia,
alta posição em relação ao resto do cenário do mundo.
Jesus, no toco de cedro,
perpassa seus brilhantes olhos por toda a assembléia parando, de mansinho, nos
inquietos olhos de Tiago, como dizendo: Fala, meu filho, fala! O que queres que
eu ouça? E o antigo pregador das sinagogas descontrai seu coração, entendendo
que chegara a vez de expor ao Mestre suas dúvidas acerca da brandura.
Levanta-se com deferência, a locução um pouco trêmula:
Senhor, podes nos dizer alguma
coisa sobre a Serenidade? As vezes ela se torna o clima do meu íntimo nas horas
de afazeres espirituais e materiais. Todavia, em dado momento, é qual o peixe
que seguramos nas mãos um tanto frouxas, escapulindo. Esse clima d’alma deve
ser trabalhado somente por dentro ou o nosso orgulho não nos deixa receber as
experiências dos outros? O que devo fazer para que a Serenidade faça parte de
mim como meus olhos, meus pés, minhas mãos, minha cabeça, enfim, como todo o
meu corpo?
A expectativa era geral! Jesus
ouviu pacientemente a pergunta, deu um tempo para que todos se acalmassem e
expôs, com interesse: Tiago, a Serenidade de que queres ser portador é tesouro
dos anjos que receberam das mãos do tempo, pelos impulsos de milênios
incontáveis, sob as bênçãos de Deus. Entretanto, esse tempo somente age quando
abrimos nossos corações pela boa vontade onde esforço próprio nunca falta.
E os milênios são como o calor
divino que somente amadurece e harmoniza o universo interior quando nos
dispomos a respeitar e viver os princípios das leis que nos governam a todos. E
as bênçãos de Deus são a execução da melodia celestial que se irradia pela
vivência da Serenidade imperturbável.
Parou por momentos, para que
todos respirassem, serenamente aliviados. Para Tiago, que já convivia com altos
conceitos filosóficos, não foi difícil degustar o manjar dos céus, que se
fundamentavam na evolução das almas, tema que, de leve, sentia nas suas mais
profundas deduções. No entanto, precisava de algo mais que lhe acalmasse o
mundo mental.
O Mestre torna a fitar Tiago e
prossegue, com desembaraço: Tiago, a mansuetude imperturbável, no seio dos
homens, parece-nos muito difícil, pela largueza de ignorância que ainda
alimentam sob todos os aspectos da vida; mas não é impossível de ser adquirida.
No perpassar dos anos e séculos, sem que a interrupção do bem se faça, ela
passa a fazer parte do teu corpo físico e espiritual.
A lei te impõe uma condição:
que cada dia coloques no teu alforje um grãozinho de areia de auto aprimoramento,
de auto-educação, de amor sem descanso, de fé revestida de obras, para que, no
amanhã da eternidade, possas sentir o nascimento, dentro e fora de ti, da
serenidade imperturbável.
É importante, pois, que não te
esqueças que, desde quando deres os primeiros passos com sinceridade e
confiança, começarás a viver e a sentir a felicidade oriunda dos primeiros
raios da eqüidade espiritual. A bondade de Deus é tão grande que mandou a
mensagem da salvação quase ao vivo, para que possas sentir a sua paternidade e
acreditar no amor que se estenderá de uns para com os outros.
O Divino Mestre cerra os lábios
e parece meditar. Envolvendo seu imponente corpo, via-se como um manto de luz,
do qual partiam fragmentos em todas as direções. Ao tocar nos corpos dos
discípulos, fosforesciam, alojando-se em seus corações. O Cristo, tranqüilo e
confiante, prossegue sem cansaço:
Tiago, uma árvore, para se
manter de pé no solo que lhe dá a vida, estica suas raízes em todas as direções
da terra, e os seus galhos obedecem ao mesmo esquema, no ar, para que, no centro,
se avolume seu corpo ciclópico, com segurança.
Pois assim é a serenidade de
que falas e sobre a qual estamos dialogando. Não pode ser fruto somente de
dentro de cada alma, como não deve ser esforço somente de fora. O que te
garante a brandura inalterável nos escaninhos do teu ser é o amor de Deus, que
parte de dentro de nós em busca da sua manifestação para fora e que vem de fora
para que se manifeste dentro das criaturas.
Enquanto somos tomados pela
insegurança, é qual a árvore mirrada que não pode demonstrar seus frutos como
valores por gratidão ao agricultor que a adubou durante o seu crescimento. Se
intentas que cresça a árvore da serenidade em ti, começa cultivando-a sem
cansaço, aduba os ideais elevados e trabalha pela paz, tua e dos outros. Sê
benevolente com o próximo e não esqueças a caridade, onde passares. Serve sem
interrogação e ama indistintamente.
A voz de Jesus serenou, em um
ritmo de sinfonia. João e Tiago, que entraram juntos no casarão, saíram em
conversação interminável acerca da lição da noite, desenvolvida pelo Mestre. Os
outros discípulos, empolgados de esperança, desenvolviam igualmente seus ideais
para a pregação do Evangelho. E, como por encanto, não viram mais, naquela
noite, o Cristo.
Ninguém comentou o fato, por já
ser costume o Senhor se tornar invisível. Uma multidão incalculável tornava
difícil a saída com naturalidade. As estrelas festejavam a madrugada como olhos
de luz presenciando os fatos terrenos. Tiago, renovado nos conceitos da
serenidade como fruto da evolução, ergue as vistas para os astros e agradece a
Deus pela oportunidade de aprender com Jesus.
Compilado do livro: Ave Luz
Autor: Shaolin (espirito) e
João Nunes Maia