Hermafroditismo e unissexualidade: Examinando
o instinto sexual em sua complexidade nas linhas multiformes da vida, convêm
lembrar que, por milênios e milênios, o princípio inteligente se demorou no
hermafroditismo das plantas, como, por exemplo, nos fanerógamos, em cujas
flores os estames e pistilos articulam, respectivamente, elementos masculinos e
femininos.
Nas plantas criptogâmicas celulares e vasculares ensaiara longamente
a reprodução sexuada, na formação de gametas (anterozóides e
oosfera) que muito se aproximam aos dos animais e cuja fecundação se efetua por
meios análogos aos que observamos nestes últimos seres.
Depois de muitas metamorfoses que não cabem num estudo sintético
quanto o nosso, caminhou o elemento espiritual, na reprodução monogâmica, entre
as vastas províncias dos protozoários e metazoários, com a divisão e gemação
entre os primeiros, correspondendo à cisão ou estrobilação entre os segundos.
Longo tempo foi gasto na evolução do instinto sexual em vários
tipos de animais inferiores, alternando-se lhe os estágios de
hermafroditismo com os de unissexualidade para que se lhe aperfeiçoassem as
características na direção dos vertebrados.
Hermafroditismo potencial: Gradativamente aparecem
novos fatores de diferenciação, guardando-se, no entanto, os distintivos
essenciais, como podemos identificar, ainda agora, no sapo macho adulto um
hermafrodita potencial, apesar dos sinais masculinos com que se apresenta,
sabendo-se que carrega na região do seu testículo, positivamente acrescido, um
ovário elementar aderente, o conhecido corpo de Bidder. Se
extirparmos o testículo, o ovário atrofiado começa a funcionar, por atuação da
hipófise, conforme experimentos comprovados, convertendo-se num ovário adulto.
Ocorrência inversa é verificável em cinco a dez por cento de
galinhas adultas, isto é, nos indivíduos psiquicamente dispostos, das quais, se
retirarmos o ovário esquerdo, também consideravelmente desenvolvido, o ovário
direito, rudimentar, transubstancia-se num testículo que se vitaliza e cresce,
na sua parte medular, até então inibida pelos estrogênios do ovário esquerdo. Nesse
fenômeno, aumenta-se lhes a crista, cantam tipicamente à maneira do galo e adotam-lhe
a conduta sexual masculina.
Registramos esses fatos para demonstrar que entre todos os
vertebrados e muito particularmente no homem, herdeiro das mais complicadas
experiências psíquicas, nos domínios da reencarnação, apenas os caracteres
morfológicos dos implementos sexuais estão submetidos aos princípios da
genética.
Isso porque não é só a figuração das glândulas sexuais que se
mostra bipotencial até certo ponto, pois todo o cosmo orgânico é suscetível de
reagir aos hormônios do mesmo sexo ou do sexo contrário, segundo as disposições
psíquicas da personalidade.
Ação dos hormônios: Atingindo
inequívoco progresso em seus estímulos, o corpo espiritual, desde a protoforma
psicossômica nos animais superiores até o homem, conforme a posição da mente a
que serve, determina mais ampla riqueza hormonal.
As glândulas sexuais que então mobiliza são mais complexas.
Exercem a própria ação pelos hormônios que segregam, arrojando-os no sangue,
hormônios esses, femininos ou masculinos, que possuem por arcabouço da
constituição química, em que se expressam, o núcleo
ciclo-pentano-peridrofenantreno, filiando-se ao grupo dos esteróis.
Os hormônios estrogênicos, oriundos do ovário, mantêm os
caracteres femininos secundários, e os androgênicos, segregados pelo testículo,
sustentam os caracteres masculinos da mesma ordem. Produzem ações estimulantes
e inibitórias, todavia, como atendem necessariamente a impulsos e determinações
da mente, por intermédio do corpo espiritual, incentivam o desenvolvimento ou a
maneira de proceder da espécie, mas não os origina.
Por isso, nenhum deles possui ação monopolizadora no mundo
orgânico, não obstante patentearem essa ou aquela influência de modo mais
amplo. Ainda em razão do mesmo princípio que lhes vige na formação,
pelo qual obedecem às vibrações incessantes do campo mental, os hormônios não
se armazenam: transformam-se rapidamente ou sofrem apressada expulsão nos
movimentos excretórios.
Entendendo-se os recursos da reprodução como engrenagens e
mecanismos de que o Espírito em evolução se vale para a plasmagem das formas
físicas, sem que os homens lhe comprovem, de modo absoluto, as qualidades mais
íntimas, é fácil reconhecer que as glândulas sexuais e seus hormônios exibem
efeitos relativamente específicos.
Inegavelmente, o ovário e os hormônios femininos se
responsabilizam pelos distintivos sexuais femininos, mas podem desenvolver
alguns deles no macho, prevalecendo as mesmas diretrizes para o testículo e os
hormônios que lhe correspondem.
Isso é claramente demonstrável nos experimentos de castração,
enxertos e injeções hormonais, porquanto, apesar de a ação
sexual específica do testículo e do ovário apresentar-se como fato
indiscutível, a gônada, refletindo os estados da mente, herdeira direta de
experiências inumeráveis, eventualmente produz certa quantidade de homtênios
beterossexuais e, da mesma sorte, ainda que os hormônios sexuais se afirmem com
atividade específica intensa, em determinados acontecimentos realizam essa ou
aquela ação em órgãos do sexo oposto. Esses são os efeitos heterossexuais ou
bissexuais das glândulas ou dos hormônios.
Origem do instinto sexual: Todas
as nossas referências a semelhantes peças do trabalho biológico, nos reinos da
Natureza, objetivam simplesmente demonstrar que, além da trama de recursos
somáticos, a alma guarda a sua individualidade sexual intrínseca, a definir-se
na feminilidade ou na masculinidade, conforme os característicos acentuadamente
passivos ou claramente ativos que lhe sejam próprios. A sede
real do sexo não se acha, dessa maneira, no veículo físico, mas sim na entidade
espiritual, em sua estrutura complexa.
E o instinto sexual, por isso mesmo, traduzindo amor em expansão
no tempo, vem das profundezas, para nós ainda inabordáveis, da vida, quando
agrupamentos de monadas celestes se reuniram magneticamente umas às outras para a
obra multimilenária da evolução, ao modo de núcleos e eletrões na tessitura dos
átomos, ou dos sóis e dos mundos nos sistemas macrocósmicos da imensidade.
Por ele, as criaturas transitam de caminho a caminho, nos
domínios da experimentação multifária, adquirindo as qualidades de que
necessitam; com ele, vestem-se da forma física, em condições anômalas,
atendendo a sentenças regeneradoras na lei de causa e efeito ou cumprindo
instruções especiais com fins de trabalho justo.
O sexo é, portanto, mental em seus impulsos e manifestações,
transcendendo quaisquer impositivos da forma em que se exprime, não obstante
reconhecermos que a maioria das consciências encarnadas permanecem seguramente
ajustadas à sinergia mente-corpo, em marcha para mais vasta complexidade de
conhecimento e emoção.
Evolução do amor: Entretanto,
importa reconhecer que à medida que se nos dilata o afastamento da animalidade
quase absoluta, para a integração com a Humanidade, o amor assume dimensões
mais elevadas, tanto para os que se verticalizam na virtude como para os que se
horizontalizam na inteligência.
Nos primeiros, cujos sentimentos se alteiam para as Esferas
Superiores, o amor se ilumina e purifica, mas ainda é instinto sexual nos mais
nobres aspectos, imanizando-se às forças com que se afina em radiante ascensão
para Deus. Nos segundos, cujas emoções se complicam, o amor se requinta,
transubstanciando-se o instinto sexual em constante exigência de satisfação imoderada
do “eu”.
De conformidade com a Psicanálise, que vê na atividade sexual a
procura incessante de prazer, concordamos em que uns, na própria sublimação,
demandam o prazer da Criação, identificando-se com a Origem Divina do Universo,
enquanto que outros se fixam no encalço do prazer desenfreado e egoístico da, auto
adoração. Os primeiros aprendem a amar com Deus. Os
segundos aspiram a ser amados a qualquer preço.
A energia natural do sexo, inerente à própria vida em si, gera
cargas magnéticas em todos os seres, pela função criadora de que se reveste,
cargas que se caracterizam com potenciais nítidos de atração no sistema
psíquico de cada um e que, em se acumulando, invadem todos os campos sensíveis
da alma, como que a lhe obliterar os mecanismos outros de ação, qual se estivéssemos
diante de usina reclamando controle adequado.
Ao nível dos brutos ou daqueles que lhes renteiam a condição, a
descarga de semelhante energia se efetua, indiscriminadamente, através
de contatos, quase sempre desregrados e infelizes, que lhes
carreiam, em consequência, a exaustão e o sofrimento como processos educativos.
Poligamia e monogamia: O
instinto sexual, então, a desvairar-se na poligamia, traça para si mesmo largo
roteiro de aprendizagem a que não escapará pela matemática do destino que nós
mesmos criamos.
Entretanto, quanto mais se integra a alma no plano da
responsabilidade moral para com a vida, mais apreende o impositivo da
disciplina própria, a fim de estabelecer, com o dom de amar que lhe é intrínseco,
novos programas de trabalho que lhe facultem acesso aos planos superiores.
O instinto sexual nessa fase da evolução não encontra alegria
completa senão em contato com outro ser que demonstre plena afinidade,
porquanto a liberação da energia, que lhe é peculiar, do ponto de
vista do governo emotivo, solicita compensação de força igual, na escala das
vibrações magnéticas.
Em semelhante eminência, a monogamia é o clima espontâneo do ser
humano, de vez que dentro dela realiza, naturalmente, com a alma eleita de suas
aspirações a união ideal do raciocínio e do sentimento, com a perfeita
associação dos recursos ativos e passivos, na constituição do binário de
forças, capaz de criar não apenas formas físicas, para a encarnação de outras
almas na Terra, mas também as grandes obras do coração e da inteligência,
suscitando a extensão da beleza e do amor, da sabedoria e da glória espiritual
que vertem, constantes, da Criação Divina.
Alimento espiritual: Há, por
isso, consórcios de infinita gradação no Plano Terrestre e no Plano Espiritual,
nos quais os elementos sutis de comunhão prevalecem acima das linhas
morfológicas do vaso físico, por se ajustarem ao sistema psíquico, antes que às
engrenagens da carne, em circuitos substanciais de energia.
Contudo, até que o Espírito consiga purificar as próprias
impressões, além da ganga sensorial, em que habitualmente se desregra no
narcisismo obcecante, valendo-se de outros seres para satisfazer a volúpia de
hipertrofiar-se psiquicamente no prazer de si mesmo, numerosas reencarnações
instrutivas e reparadoras se lhe debitam no livro da vida,
porque não cogita exclusivamente do próprio prazer sem lesar os outros, e toda
vez que lesa alguém abre nova conta resgatável em tempo certo.
Isso ocorre porque o instinto sexual não é apenas agente de
reprodução entre as formas superiores, mas, acima de tudo, é o reconstituinte
das forças espirituais, pelo qual as criaturas encarnadas ou desencarnadas se
alimentam mutuamente, na permuta de raios psíquico-magnéticos que lhes são
necessários ao progresso.
Os espíritos santificados, em cuja natureza
super evolvida o instinto sexual se diviniza, estão relativamente
unidos aos Espíritos Glorificados, em que descobrem as representações de Deus
que procuram, recolhendo de semelhantes entidades as cargas magnéticas
sublimadas, por eles próprios liberadas, no êxtase
espiritual. De outro lado, as almas primitivas comumente lhe gastam a força
em excessos que lhes impõem duras lições.
Entre os espíritos santificados e as almas primitivas, milhões
de criaturas conscientes, viajando da rude animalidade para a Humanidade
enobrecida, em muitas ocasiões se arrojam a experiências menos dignas, privando
a companheira ou o companheiro do alimento psíquico a que nos reportamos,
interrompendo a comunhão sexual que lhes alentava a euforia, e, se as forças
sexuais não se encontram suficientemente controladas por valores morais nas
vítimas, surgem, frequentemente, longos processos de desespero ou de delinquência.
Enfermidades do instinto sexual: As
cargas magnéticas do instinto, acumuladas e desbordantes na personalidade, à
falta de sólido socorro íntimo para que se canalizem na direção do bem,
obliteram as faculdades, ainda vacilantes, do discernimento e, à maneira do esfaimado,
alheio ao bom senso, a criatura lesada em seu equilíbrio sexual costuma
entregar-se à rebelião e à loucura em síndromes espirituais de ciúme ou
despeito. À face das torturas genésicas a que se vê relegada, gera
aflitivas contas cármicas a lhe vergastarem a alma no espaço e a lhe retardarem
o progresso no tempo.
Daí nascem as psiconeuroses, os colapsos nervosos decorrentes do trauma
nas sinergias do corpo espiritual, as fobias numerosas, a “histeria de
conversão”, a “histeria de angústia”, os “desvios da libido”, a neurose
obsessiva, as psicoses e as fixações mentais diversas que originam na ciência
de hoje as indagações e os conceitos da psicologia de profundidade, na esfera
da Psicanálise, que identifica as enfermidades ou desajustes do instinto sexual
sem oferecer-lhes medicação adequada, porque apenas o conhecimento superior,
gravado na própria alma, pode opor barreiras à extensão do conflito existente,
traçando caminhos novos à energia criadora do sexo, quando em perigoso
desequilíbrio.
Desse modo, por semelhantes rupturas dos sistemas
psicossomáticos, harmonizados em permutas de cargas magnéticas afins, no
terreno da sexualidade física ou exclusivamente psíquica, é que múltiplos
sofrimentos são contraídos por nós todos, no decurso dos séculos, porquanto,
se forjamos inquietações e problemas nos outros, com o instinto sexual, é justo
venhamos a solucioná-los em ocasião adequada, recebendo por filhos e associados
de destino, entre as fronteiras domésticas, todos aqueles que constituímos
credores do nosso amor e da nossa renúncia, atravessando, muitas vezes,
padecimentos inomináveis para assegurar-lhes o refazimento preciso.
Compreendamos, pois, que o sexo reside na mente, a expressar-se
no corpo espiritual, e conseqüentemente no corpo físico, por santuário criativo
de nosso amor perante a vida, e, em razão disso, ninguém escarnecerá dele, desarmonizando
lhe, as forças, sem escarnecer e desarmonizar a si mesmo.
Compilado do livro Evolução em dois Mundos
Autor: André Luiz (espírito) e Francisco Cândido Xavier
Pedro Leopoldo, 30/03/1958