Entre os dois mundos

Diariamente mergulham na névoa carnal milhares de Espíritos abençoados pela sublime dádiva do recomeço. Simultaneamente, milhares de outros abandonam o casulo físico, carregando as experiências que vivenciaram durante o trânsito orgânico.

Enquanto uma verdadeira multidão desce ao proscênio terrestre para desenvolver os valores que jazem no âmago do ser, compacta massa humana retorna ao porto de origem, concluídos (ou não) os compromissos que assumiram antes do renascimento.


Espíritos imortais que somos, jornadeamos em sucessivas experiências fisiológicas, saindo do primarismo de onde procedemos no rumo da plenitude que nos está destinada. Atavicamente dependentes das afeições e das atitudes desenvolvidas, quase sempre repetimos os processos a que nos amoldamos, sem grandes estímulos para o prosseguimento.


É nesse comenos que o sofrimento, na condição de lapidador de arestas morais, se expressa, conclamando-nos à mudança de comportamento que propicia bem-estar e harmonia. Nem sempre, porém, é aceito conforme seria desejável, em face das sensações desagradáveis e dos limites de movimentação que impõe, gerando rebeldia e insatisfação.

Nada obstante, da mesma maneira que o processo evolutivo se desenvolve etapa a etapa, inevitavelmente é aceito quando os seus tenazes ferreteiam com força dominadora. Após os estertores da revolta, ante a impossibilidade de remover o incômodo processo educativo, afrouxam-se nos as resistências e surge a compreensão necessária para a aceitação da ocorrência, que se transforma em benefício anelado.

Nesse entretempo, ocorrem desvarios, surgem culpas, estabelecem-se inimizades, nascem respeito e consideração, aspiram-se liberdade e alegria, num caleidoscópio de sucessos que definirão os rumos existenciais futuros. Impossível, porém, fugirmos do processo de crescimento imposto pelas soberanas leis da vida.

Tudo nasce para transformar-se, morrendo na forma e permanecendo na essência, acumulando habilidades que impulsionam para o progresso, mesmo quando acontecimentos imprevistos parecem reter a marcha do desenvolvimento. Não existe estagnação no Universo, e no seguimento da evolução não há retrocesso, apresentando-se sempre formas de melhorarmos e de crescermos.

O mundo físico é o abençoado campo de aprendizagem e de experimentação dos dons que se encontram em germe, aguardando que os fatores que lhes propiciam o surgimento e o progresso imponham a sua poderosa ação. É transitório, de duração efêmera, com finalidade especifica estabelecida pela Divindade.

O mundo espiritual é permanente, real, causal, de onde se origina a vida e para onde retorna após os processos de adiantamento intelecto-moral. Entre as duas dimensões há uma ininterrupta movimentação de seres espirituais em intercâmbio contínuo.

Muito difícil dizer-se, pois, que são dois mundos diferentes. Mais próprio asseverar-se que são duas dimensões de constituição especifica, uma das quais é a condensação da energia em apresentação própria como a matéria e a outra é de natureza cósmica, especial, de onde surgem os condensados orgânicos e objetivos.

Intermediando-os, existem inúmeras outras esferas de constituição própria, nas quais a vida exulta e pulsa, de maneira específica, compatível com a finalidade para a qual foram elaboradas.

Nem poderia ser diferente. Aceitar-se a existência de mundos fixos e separados, sem qualquer fonte de vitalização e de intercâmbio entre eles, seria muita pobreza da Criação, tendo-se em vista que em tudo há uma graduação de estrutura desde a mais tênue, no campo absoluto da energia, até a mais grosseira, expressando a densidade material conforme é conhecido.

Constituídas essas esferas por vibrações próprias, servem de pousos para refazimento, de hospitais transitórios que albergam recém-desencarnados incapazes de alcançar mais elevadas zonas espirituais, de núcleos de sofrimentos compatíveis com as experiências infelizes que se hajam permitido aqueles que são atraídos por afinidade de ondas mentais e morais.

Mais distante da crosta terrestre, respira-se psicosfera superior, que antecede as regiões felizes, enquanto que, mais próximas, permanecem as condensações de energia eliminada pelos pensamentos, aspirações, vivências embrutecidas dos que prosseguirão aprisionados nos seus complexos meandros de sombra e de dor, de revolta e de insensatez, de ódio e de pesar.

A situação mais grave encontra-se na intimidade do planeta, onde existem sítios de angústia incomum e de expiações mui dolorosas, todos construídos em faixas de ondas psíquicas perversas e grosseiras, em que ainda se comprazem muitos habitantes desencarnados.

Nesse incessante ir e vir dos Espíritos na faina evolutiva são estabelecidos critérios e paradigmas de comportamento que facultam o êxito dos candidatos à educação transcendental. Assim sendo cada um gera campo emocional de identificação com uma esfera equivalente entre os dois mundos, passando a habitá-la desde então, mediante a nutrição ideológica mantida.

Eis porque a ascensão é feita passo a passo ou é conquistada de assalto, quando existe a resolução de alterar, por definitivo, a maneira de encarar a existência e de entregar-se aos objetivos sublimes que a todos aguardam.

Dos melhores exemplos desse assalto ao Reino dos Céus, entre outros, destacam-se Saulo de Tarso, convertido em Paulo, apóstolo, e Francisco Bernardone, transformado no pobrezinho de Assis, saltando da faixa em que se encontravam para os esplendores da vida abundante, onde se instalaram após as refregas que os santificaram.

Não o conseguiram por privilégios, que não existem, mas sim pelo empreendimento de total entrega a Deus e a seu Filho, seguindo-lhe as pegadas e abraçando o sofrimento da humanidade como de sua própria necessidade evolutiva.

Assim, é natural que nem todos aqueles que se candidatam à santificação consigam desembaraçar-se do cipoal das paixões a que se encontram atados, necessitando de reforço de energia e de encorajamento, a fim de poderem enfrentar os desafios externos e os impulsos interiores que procedem dos vícios não superados e das paixões inferiores não sublimadas.

Investimentos espirituais de alto valor são realizados em benefício de reencarnações importantes, que nem sempre redundam em êxito, como decorrência das fixações anteriores e dos hábitos perniciosos de que não se conseguiram libertar esses candidatos à elevação.

Muitas vezes, malbaratando a ensancha nobre, porque ressumam os condicionamentos que os tomam por completo, tombam nos resvaladouros do insucesso, retornando, aflitos e infelizes, passando por longo período de convalescença, a fim de volverem a futuras experiências iluminativas.

Noutras circunstâncias, reencontrando aqueles aos quais prejudicaram, sofrem-lhes as injunções penosas, as perseguições contínuas, sendo arrastados a processos lamentáveis de obsessões, em que se perturbam gravemente, distanciando-se dos deveres que deveriam cumprir mesmo que mediante sacrifícios continuados.

Em outras ocasiões, experimentando os efeitos danosos dos atos transatos, debilitam-se diante de enfermidades dilaceradoras ou de transtornos na área da afetividade, que os empurram a fugas espetaculares na direção de depressões graves, que redundam em suicídios danosos e de consequências imprevisíveis.

Objetivando a diminuição dos problemas, em face dos graves compromissos assumidos, amigos espirituais devotados, em nome do amor, constantemente visitam-nos, de modo a tornar-lhes menos ásperas as provações e a auxiliá-los na desincumbência das responsabilidades que lhes dizem respeito.

Este livro aborda uma dessas experiências de socorro aos nossos irmãos da Terra, procedentes de nossa esfera de ação, com tarefas definitivas em favor da cristianização das criaturas, sob as luzes vigorosas dos postulados espíritas, conforme herdamos do insigne codificador Allan Kardec.

Sob a égide espiritual do mártir cristão Policarpo, que não trepidou em oferecer a vida a Jesus em sublime holocausto na arena romana, foram formadas cem equipes aproximadamente, para atender ao maior número possível de Espíritos comprometidos com a mensagem, que se encontravam em situação delicada ante as injunções que vive o planeta e as dificuldades pessoais vigentes em cada um.

Procuramos relatar, sem muitas minudências, os processos socorristas e as providencias tomadas para que pudessem ser diminuídas as falências morais e os comprometimentos infelizes, mantendo-se todos em clima de atividade edificante sob qualquer situação penosa que se apresentasse.

Durante um mês, o nosso grupo esteve em diligência espiritual, atendendo a verdadeiros missionários, uns anônimos, outros mais conhecidos, de forma que pudessem concluir o ministério assumido com elevação e fidelidade total ao Senhor.

Procuramos utilizar uma linguagem simples e acessível a diferentes níveis intelectuais, de modo que o aproveitamento da nossa realização faça-se amplo e claro, conscientizando os nossos leitores sobre atividade de tal monta que lhes proporcione abertura mental para beneficiar-se também de recursos dessa natureza.

Confiamos que o nosso despretensioso esforço encontre ressonância nas mentes e nos corações, facultando um intercâmbio lúcido entre nós e eles, a fim de que o futuro da humanidade seja menos aflitivo e a desencarnação se apresente como passaporte que faculta a entrada segura no país da imortalidade.

Paramirim, BA, 26 de julho de 2004
Manoel Philomeno de Miranda

Compilado do livro Entre os dois mundos
Autor: Manoel P. de Miranda (espírito) e Divaldo Franco