Há tendências viciosas que são, evidentemente, inerentes ao Espírito,
porque se prendem mais ao moral do que ao físico; outras parecem antes a consequência
do organismo, e, por este motivo, delas se pode crer menos responsável; tais
são as predisposições à cólera, à moleza, à sensualidade, etc.
Está perfeitamente reconhecido hoje, pelos filósofos espiritualistas,
que os órgãos cerebrais correspondentes às diversas aptidões, devem seu
desenvolvimento à atividade do Espírito; que esse desenvolvimento é assim um efeito e não uma causa. Um homem não
é músico porque tem a bossa da música, mas ele
não tem a bossa da música senão porque seu Espírito é músico.
Se a atividade do Espírito reage sobre o cérebro, ela deve reagir
igualmente sobre as outras partes do organismo. O Espírito é, assim, o artífice de seu próprio corpo, que ele
configura, por assim dizer, a fim de apropriá-lo às suas necessidades e às manifestações
de suas tendências. Estando isto posto, a perfeição do corpo nas raças avançadas
seria o trabalho do Espírito que aperfeiçoa o seu aparelhamento à medida que as
suas faculdades aumentam.
Por uma consequência natural deste princípio, as disposições morais do
Espírito devem modificar as qualidades
do sangue, dar-lhe mais ou menos atividade, provocar uma secreção mais ou
menos abundante de bile ou outros fluidos. É assim, por exemplo, que o guloso
sente vir a saliva, ou, como se diz vulgarmente, a água à boca à vista de uma
comida apetitosa.
Não é a comida que pode superexcitar o órgão do gosto, uma vez que com
ele não tem contato; é, pois, o Espírito cuja sensualidade é despertada, que
age pelo pensamento sobre esse órgão, ao passo que, sobre um outro Espírito, a
visão dessa comida nada produz. Ocorre o mesmo com todas as cobiças, todos os
desejos provocados pela visão.
A diversidade das emoções não pode se explicar, numa multidão de casos, senão pela diversidade das qualidades do
Espírito. Tal é a razão pela qual uma pessoa sensível derrama facilmente
lágrimas; não é a abundância das lágrimas que dá a sensibilidade ao Espírito,
mas a sensibilidade do Espírito que provoca a secreção abundante das lágrimas.
Sob o domínio da sensibilidade, o organismo é modelado sob essa disposição
normal do Espírito, como é modelado naquela do Espírito guloso.
Seguindo esta ordem de idéias, compreende-se que o Espírito irascível
deve levar ao temperamento bilioso; de onde se segue que um homem não é
colérico porque é bilioso, mas que ele é bilioso, porque é colérico. Assim
ocorre com todas as outras disposições instintivas; um Espírito mole e
indolente deixará o seu organismo num estado de atonia em relação com o seu
caráter, ao passo que se for ativo e enérgico, dará ao seu sangue, aos seus
nervos, qualidades muito diferentes.
A ação do Espírito sobre o físico é de tal modo evidente, que se vêem,
frequentemente, graves desordens orgânicas se produzirem pelo efeito de
violentas comoções morais. A expressão vulgar: A emoção lhe revirou o sangue
não é também destituída de sentido quanto se poderia crê-lo; ora o que pôde
revirar o sangue, se não as disposições morais do Espírito? Este efeito é
sobretudo sensível nas grandes dores, nas grandes alegrias e nos grandes medos,
cuja reação pode ir até causar a morte.
Vêem-se pessoas que morrem do medo de morrer; ora, que relação existe
entre o corpo do indivíduo e o objeto que causa seu pavor, objeto que, frequentemente,
não tem nenhuma realidade? É, diz-se, o efeito da imaginação; seja; mas que é a imaginação senão um atributo,
um modo de sensibilidade do Espírito?
Parece difícil atribuir a imaginação aos músculos e aos nervos, porque,
então, não se explicaria porque esses músculos e esses nervos não têm sempre imaginação;
por que não o têm mais depois da morte; porque o que causa em uns um pavor
mortal, superexcita a coragem em outros.
De qualquer sutileza que se use para explicar os fenômenos morais
unicamente pelas propriedades da matéria, cai-se, inevitavelmente num impasse,
no fundo do qual percebe-se, em toda a sua evidência, e como a única solução
possível, o ser espiritual independente,
para quem o organismo não é senão um
meio de manifestação, como o piano é o instrumento das manifestações do
pensamento do músico.
Do mesmo modo que o músico afina o seu piano, pode-se dizer que o
Espírito afina o seu corpo para colocá-lo no diapasão de suas disposições
morais.
É verdadeiramente curioso ver o materialismo falar, sem cessar, da
necessidade de levantar a dignidade do homem, então que se esforça em reduzi-la
a um pedaço de carne que apodrece e desaparece sem deixar nenhum vestígio; de
reivindicar para ele a liberdade como um direito natural, quando dela faz uma
mecânica caminhando como uma pessoa encarregada de girar o espeto, sem
responsabilidade de seus atos.
Com o ser espiritual independente, preexistente
e sobrevivente ao corpo, a responsabilidade é absoluta; ora, para o maior
homem, o primeiro, o principal móvel da crença no nada é o pavor que causa essa
responsabilidade, fora da lei humana, e à
qual se crê escapar tapando os olhos.
Até hoje esta responsabilidade nada tinha de bem definida; não era senão
um temor vago, fundado, é preciso muito reconhecê-lo, sobre crenças que não
eram sempre admissíveis pela razão; o
Espiritismo a demonstrou como uma realidade patente, efetiva, sem
restrição, como uma consequência natural da espiritualidade do ser; é porque
certas pessoas têm medo do Espiritismo que lhes perturbaria em sua quietude,
levantando diante delas o temível tribunal do futuro.
Provar que o homem é responsável por todos os seus atos é provar a sua
liberdade de ação, e provar a sua liberdade, é levantar a sua dignidade. A
perspectiva da responsabilidade fora da lei humana é o mais poderoso elemento
moralizador: é o objetivo ao qual o Espiritismo conduz pela força das coisas.
Segundo as observações fisiológicas que precedem, pode-se, pois, admitir
que o temperamento é, pelo menos em parte, determinado
pela natureza do Espírito, que é causa e não efeito. Dizemos em parte,
porque há casos em que o físico influi evidentemente sobre o moral: é quando um
estado mórbido ou anormal é determinado por uma causa externa, acidental,
independente do Espírito, como a temperatura, o clima, os vícios hereditários
de constituição, uma doença passageira, etc.
O moral do Espirito pode então ser afetado em suas manifestações pelo
estado patológico, sem que a sua natureza intrínseca seja modificada. Desculpar-se
de seus defeitos sobre a fraqueza da carne não é, pois, senão uma fuga falsa
para escapar à responsabilidade. A carne é fraca porque o Espírito é fraco,
é em que se torna a questão, e deixa ao Espírito a responsabilidade de
todos os seus atos.
A carne, que não tem nem pensamento nem vontade, não prevalece jamais
sobre o Espírito, que é o ser pensante e que quer, é
o Espírito que dá à carne as qualidades correspondentes aos seus instintos,
como o artista imprime à sua obra material a marca de seu gênio.
O Espírito liberto dos instintos da bestialidade, forma um corpo que não
é mais um tirano para as suas aspirações na direção da espiritualidade de seu
ser; é quando o homem come para viver, porque viver é uma necessidade, mas não
vive mais para comer.
A responsabilidade moral dos atos da vida, portanto, permanece inteira;
mas a razão diz que as consequências desta responsabilidade devem estar em
razão do desenvolvimento intelectual do Espírito; quanto mais o Espírito é esclarecido, mais é indesculpável, porque
com a inteligência e o senso moral, nascem as noções do bem e do mal, do justo
e do injusto.
O selvagem, ainda vizinho da animalidade, que cede ao instinto do animal
comendo seu semelhante, é, sem contradita, menos
culpável que o homem civilizado que comete uma simples injustiça.
Esta lei encontra ainda sua aplicação na medicina, e dá a razão de seu
insucesso em certos casos. Desde que o temperamento é um efeito e não uma
causa, os esforços tentados para modificá-lo podem ser paralisados pelas
disposições morais do Espírito que opõe uma resistência inconsciente e
neutraliza a ação terapêutica.
E, pois, sobre a causa primeira que se deve agir; chegando-se a mudar as disposições morais do Espírito,
o temperamento se modificará por si mesmo sob o império de uma vontade
diferente, ou, pelo menos, a ação do tratamento médico será secundada em lugar
de contrariá-la. Daí se for possível, coragem ao covarde, e vereis cessar os
efeitos fisiológicos do medo; ocorre o mesmo com as outras disposições.
Mas, dir-se-á, o médico do corpo pode se fazer o médico da alma? Está em
suas atribuições tornar-se o moralizador de seus doentes? Sim, sem dúvida, num
certo limite; é mesmo um dever que um bom médico não negligência jamais, desde
o instante que vê, no estado da alma, um obstáculo ao restabelecimento da saúde
do corpo; o essencial é aplicar o remédio moral com tato, prudência e com
propósito, segundo as circunstâncias.
Desse ponto de vista, sua ação está forçosamente circunscrita, porque,
além de que não tem sobre seu doente senão um ascendente moral, uma
transformação do caráter é difícil em
certa idade; é, pois, à educação, e sobretudo à educação primeira, que
incumbem os cuidados dessa natureza.
Quando a educação for, desde o berço, dirigida nesse sentido; quando se aplicar em abafar, em seu germe,
as imperfeições morais, como se faz para as imperfeições físicas, o médico
não encontrará mais, no temperamento, um obstáculo contra o qual a sua ciência,
muito frequentemente, é impotente.
Como se vê, é todo um estudo; mas um estudo completamente estéril
enquanto não se tiver em conta a ação do elemento espiritual sobre o organismo.
Participação incessantemente ativa do elemento espiritual nos fenômenos da
vida, tal é a chave da maioria dos problemas contra os quais a ciência se
choca; quando a ciência fizer entrarem linha de conta a ação desse princípio,
verá abrir-se diante dela horizontes todos novos. É a demonstração desta
verdade que o Espiritismo traz.
Fonte:
Revista Espirita – 1869
Compilado
por Harmonia Espiritual