O ser humano, dissemos, pertence desde esta
vida a dois mundos. Pelo corpo físico está ligado ao mundo visível; pelo corpo
fluídico ao invisível. O sono é a separação temporária dos dois invólucros; a
morte é a separação definitiva. A alma, nos dois casos, separa-se do corpo
físico e, com ela, a vida concentra-se no corpo fluídico.
A vida de além-túmulo é simplesmente a
permanência e a libertação da parte invisível do nosso ser. A antiguidade
conheceu esse mistério, mas, desde muito tempo, sobre as condições da vida
futura os homens apenas possuíam noções de caráter vago e hipotético.
As religiões e as filosofias nos transmitem,
acerca desses problemas, dados muito incertos, absolutamente desprovidos de
observação, de sanção e, sobre quase todos os pontos, em desacordo completo com
as idéias modernas de evolução e continuidade.
A
Ciência, por seu lado, não estudou nem conheceu, até aqui, no homem terrestre
mais do que a superfície, a parte física. Ora, esta é para o ser inteiro quase o
que a casca é para a árvore. Quanto ao homem fluídico, etéreo, de que o nosso
cérebro físico não pode ter consciência, ela o tem ignorado inteiramente até
nossos dias. Daí a sua impotência para resolver o problema da sobrevivência,
pois que é só o ser fluídico que sobrevive.
A
Ciência nada tem compreendido das manifestações psíquicas que se produzem no
sono, no desprendimento, na exteriorização, no êxtase, em todas as fugas da
alma para a vida superior. Ora, é unicamente pela observação desses fatos que chegaremos
a adquirir, já nesta vida, um conhecimento positivo da natureza do “eu” e das
suas condições de existência no Além.
Só
a experiência podia resolver a questão. Tratava-se de estudar no homem atual o
que o pode esclarecer sobre o homem futuro. Não há outra saída para o
pensamento humano, que a Religião, a Filosofia e a Ciência, na sua
insuficiência, encurralaram no materialismo. É esse o preço da salvação social,
porque o materialismo conduzir-nos-ia fatalmente à anarquia.
Foi
somente depois do aparecimento do Espiritualismo experimental que o problema da
sobrevivência entrou no domínio da observação científica e rigorosa. O mundo
invisível pôde ser estudado por meio de processos e métodos idênticos aos
adotados pela Ciência contemporânea nos outros campos de investigação.
E
começamos por verificar que, em vez de cavar um fosso, de estabelecer uma
solução de continuidade entre os dois modos de vida, terrestre e celeste,
visível e invisível, como o faziam as diferentes doutrinas religiosas, esses estudos
nos mostraram na vida do Além o prolongamento natural, a continuidade do que
observamos em nós.
A
persistência da vida consciente, com todos os atributos que comporta, memória,
inteligência, faculdades afetivas, foi estabelecida pelas numerosas provas de
identidade pessoal recolhidas no decurso de experiências e investigações
dirigidas por sociedades de estudos psíquicos em todos os países.
Os
Espíritos dos defuntos têm-se manifestado, aos milhares, não somente com o
cunho de caráter e a totalidade das recordações que constituem a sua
personalidade moral, mas também com as feições físicas e as particularidades da
sua forma terrestre, conservadas pelo perispírito ou corpo etéreo. Este,
sabemos, não é mais do que o molde do corpo terrestre e é por isso que as
feições e as formas humanas reaparecem nos fenômenos de materialização.
Ademais,
o conhecimento das variadas condições da vida do Além foi exposto pelos
próprios Espíritos, com o auxílio dos meios de comunicação de que dispõem. Suas
indicações, recolhidas e consignadas em volumes inteiros de autos, servem de
base precisa à concepção que atualmente podemos fazer das leis da vida futura.
Na
falta das manifestações dos defuntos, entretanto, as experiências sobre o
desdobramento dos vivos fornecer-nos-iam já preciosos indícios sobre o modo de
existência da alma no domínio do invisível. Na anestesia e no sonambulismo,
como experimentalmente o demonstrou o coronel de Rochas, a sensibilidade e as
percepções não são suprimidas, mas simplesmente exteriorizadas, transportadas
para fora.
Daqui,
já podemos deduzir logicamente que a morte é o estado de exteriorização total e
de libertação do “eu” sensível e consciente. O nascimento é como que uma morte
para a alma, que por ela é encerrada com o seu corpo etéreo no túmulo da carne.
O
que chamamos morte é simplesmente o retorno da alma à liberdade, enriquecida
com as aquisições que pôde fazer durante a vida terrestre; e vimos que os
diferentes estados do sono são outros tantos regressos momentâneos à vida do espaço.
Quanto mais profunda for a hipnose, tanto mais a alma se emancipa e afasta. O
sono mais intenso confina com a primeira fase da vida invisível.
Na
realidade, as palavras sono e morte são impróprias. Quando adormecemos para a
vida terrestre, acordamos para a vida do espírito. Produz-se o mesmo fenômeno
na morte; a diferença está só na duração.
O
nosso mundo e o Além não estão separados um do outro; provam-no esses fatos aos
quais se podiam juntar muitos outros da mesma ordem. Estão um no outro; de alguma
sorte se enlaçam e estreitamente se confundem.
Os
homens e os Espíritos misturam-se. Testemunhas invisíveis associam-se à nossa
vida, compartilhando de nossas alegrias e provações. A situação do Espírito
depois da morte é a conseqüência direta das suas inclinações, seja para a
matéria, seja para os bens da inteligência e do sentimento.
Se
as propensões sensuais dominam, o ser forçosamente se imobiliza nos planos
inferiores que são os mais densos, os mais grosseiros. Se alimenta pensamentos
belos e puros, eleva-se a esferas em relação com a própria natureza dos seus
pensamentos.
Swedenborg
disse com razão: “O Céu está onde o homem pôs o seu coração”; todavia, não é
imediata a classificação, nem súbita a transição.
Se
o olhar humano não pode passar bruscamente da escuridão à luz viva, sucede o
mesmo com a alma. A morte faz-nos entrar num estado transitório, espécie de
prolongamento da vida física e prelúdio da vida espiritual. É o estado de
perturbação de que falamos, estado mais ou menos prolongado segundo a natureza
espessa ou etérea do perispírito do defunto.
Livre
do fardo material que a oprimia, a alma acha-se ainda envolvida na rede dos
pensamentos e das imagens – sensações, paixões, emoções – por ela geradas no
decurso das suas vidas terrestres; terá de familiarizar-se com a sua nova
situação, entrar no conhecimento do seu estado, antes de ser levada para o meio
cósmico adequado ao seu grau de luz e densidade.
A
princípio, para o maior número, tudo é motivo de admiração nesse outro mundo
onde as coisas diferem essencialmente do meio terrestre. As leis da gravidade
são mais brandas; as paredes não são obstáculos; a alma pode atravessá-las e
elevar-se aos ares.
Não
obstante, continua retida por certos estorvos que não pode definir. Tudo a
intimida e enche de hesitação, mas os seus amigos de lá vigiam-na e guiam-lhe
os primeiros vôos.
Os
Espíritos adiantados depressa se libertam de todas as influências terrestres e
recuperam a consciência de si mesmos. O véu material rasga-se ao impulso dos
seus pensamentos e abrem-se perspectivas imensas. Compreendem quase logo a sua
situação e com facilidade a ela se adaptam.
Seu
corpo espiritual, instrumento volitivo, organismo da alma, do qual ela nunca se
separa, que é a obra de todo o seu passado, porque pessoalmente o construiu e
teceu com a sua atividade, flutua algum tempo na atmosfera; depois, segundo o
seu estado de sutileza, de poder, corresponde às atrações longínquas, sente-se
naturalmente elevado para associações similares, para agrupamentos de Espíritos
da mesma ordem, Espíritos luminosos ou velados, que rodeiam o recém-chegado com
solicitude para o iniciarem nas condições do seu novo modo de existência.
Os
Espíritos inferiores conservam por muito tempo as impressões da vida material.
Julgam que ainda vivem fisicamente e continuam, às vezes durante anos, o
simulacro das suas ocupações habituais.
Para
os materialistas o fenômeno da morte continua a ser incompreensível. Por falta
de conhecimentos prévios confundem o corpo fluídico com o corpo físico e
conservam as ilusões da vida terrestre.
Os
seus gostos e até as suas necessidades imaginárias como que os amarram à Terra;
depois, devagar, com o auxílio de Espíritos benfazejos, sua consciência
desperta, sua inteligência abre-se à compreensão do seu novo estado; mas, assim
que procuram elevar-se, sua densidade os faz recair imediatamente na Terra.
As
atrações planetárias e as correntes fluídicas do espaço os reconduzem
violentamente para as nossas regiões, como folhas secas varridas pelo vendaval.
Os crentes ortodoxos vagueiam na incerteza e procuram a realização das
promessas do sacerdote, o gozo das beatitudes prometidas.
Por
vezes é grande a sua surpresa; precisam de longo aprendizado para se iniciarem
nas verdadeiras leis do espaço. Em vez de anjos ou demônios, encontram os
Espíritos dos homens que, como eles, viveram na Terra e os precederam.
Viva
é a sua decepção ao verem suas esperanças malogradas, suas convicções
transformadas por fatos para os quais a educação que haviam recebido de nenhum
modo os preparara; mas, se sua vida foi boa, submissa ao dever, não podem essas
almas ser infelizes, por terem mais influência sobre o destino os seus atos do
que as crenças.
Os
Espíritos cépticos e, com eles, todos aqueles que se recusaram a crer na possibilidade
de uma vida independente do corpo, julgam-se mergulhados em um sonho que só se
dissipa quando acaba o erro em que esses Espíritos laboram.
As
impressões variam infinitamente, com o valor das almas. Aquelas que, desde a
vida terrestre, conheceram a verdade e serviram à sua causa, recolhem, logo que
desencarnam, o benefício de suas investigações e trabalhos.
O
perispírito é como o espelho de todas as suas ações, e sua alma, se foi má sua
vida, contempla com tristeza suas faltas, inscritas, ao que parece, nas dobras
do corpo perispiritual. Não tive dificuldade alguma em reconhecer minha vida,
tal qual ela fora.
Verifiquei
com evidência que eu não havia sido infalível. Quem pode gabar-se disso na
Terra? Devo, porém, dizer-vos que, depois de feito o exame, senti grande
satisfação e felicidade com o que havia feito na Terra. Lutei, trabalhei e
sofri pela causa do Espiritismo.
A
luz que dele dimana ofereci, juntamente com a esperança, a muitos irmãos da
Terra por meio da palavra, dos meus estudos e obras; por isso, torno a
encontrar essa luz. Sou feliz por ter trabalhado em reerguer a fé, os corações
e a coragem.
A
todos, pois, recomendo a fé inabalável que eu tinha e que se vai haurir no
Espiritismo. Tenho de continuar a desenvolver-me para rever o passado das
minhas encarnações anteriores. É um estudo, um trabalho completo que tenho de
fazer. Vejo bem uma parte desse passado, mas não a posso definir muito bem,
conquanto esteja completamente desperto.
Dentro
de pouco tempo, espero, essas vidas passadas hão de aparecer-me com clareza.
Possuo luz bastante para poder caminhar com segurança, vendo o que está na
minha frente, o meu futuro, e presto já o meu auxílio a Espíritos infelizes. A
lei dos agrupamentos no espaço é a das afinidades.
A
ela estão sujeitos todos os Espíritos. A orientação de seus pensamentos leva-os
naturalmente para o meio que lhes é próprio, porque o pensamento é a própria
essência do mundo espiritual, sendo a forma fluídica apenas o vestuário. Onde
quer que seja, reúnem-se os que se amam e compreendem.
Herbert
Spencer, num momento de intuição, formulou um axioma igualmente aplicável ao
mundo visível e ao mundo invisível. “A vida – disse ele – é uma simples
adaptação às condições exteriores”. Se é propenso às coisas da matéria, o Espírito
fica preso à Terra e mistura-se com os homens que têm os mesmos gostos, os
mesmos apetites; quando é levado para o ideal, para os bens superiores,
eleva-se sem esforço para o objeto dos seus desejos, une-se às sociedades do
espaço, toma parte nos seus trabalhos e goza dos espetáculos, das harmonias do
infinito.
O
pensamento cria, a vontade edifica. A causa de todas as alegrias e de todas as
dores está na consciência e na razão; por isso é que, cedo ou tarde,
encontramos no Além as criações dos nossos sonhos e a realização das nossas
esperanças.
Mas
o sentimento da tarefa incompleta, ao mesmo tempo que os afetos e as
lembranças, trazem novamente a maior parte dos Espíritos à Terra. Todas as
almas encontram o meio que os seus desejos reclamam e hão de viver nos mundos
sonhados, unidos aos seres que estimam; mas também aí encontrarão os prazeres
ou os sofrimentos que o seu passado gerou.
Nossas
concepções e nossos sonhos seguem-nos por toda parte. No surto dos seus
pensamentos e no ardor de sua fé, os adeptos de cada religião criam imagens nas
quais supõem reconhecer os paraísos entrevistos. Depois, pouco a pouco, se
apercebem de que essas criações são fictícias, de pura aparência e comparáveis
a vastos panoramas pintados na tela ou a afrescos imensos.
Aprendem,
então, a desprender-se deles e aspiram a realidades mais elevadas, mais
sensíveis. Sob nossa forma atual e no estreito limite de nossas faculdades, não
poderíamos compreender as alegrias e os arroubos reservados aos Espíritos
superiores, nem as angústias profundas experimentadas pelas almas delicadas que
chegaram aos limites da perfeição.
A
beleza está por toda parte; só os seus aspectos variam ao infinito, segundo o
grau de evolução ou depuração dos seres. O Espírito adiantado possui fontes de
sensações e percepções infinitamente mais extensas e mais intensas do que as do
homem terrestre.
Nele,
a clarividência, a clariaudiência, a ação a distância, o conhecimento do
passado e do futuro coexistem numa síntese indefinível, que constitui, segundo
a expressão de F. Myers, “o mistério central da vida”.
Falando
das faculdades dos Invisíveis de situação média, esse autor assim se exprime:
“O Espírito, sem ser limitado pelo espaço e pelo tempo, tem do espaço e do
tempo conhecimento parcial. Pode orientar-se, achar uma pessoa viva e segui-la.
É capaz de ver no presente coisas que aparecem para nós como situadas no
passado e outras que estão no futuro.
O
Espírito tem conhecimento dos pensamentos e emoções que, da parte dos seus
amigos, se referem a ele”. Quanto à diferença de acuidade nas impressões, já
podemos fazer uma idéia pelos sonhos chamados “emotivos”.
A
alma, quando desprendida, embora incompletamente, não só percebe, mas também
sente com intensidade muito mais viva que no estado de vigília. Cenas, imagens,
quadros, que, quando estamos acordados, nos impressionam fracamente, tornam-se
no sonho causa de grande satisfação ou de vivo sofrimento.
Isso
nos dá uma idéia do que podem ser a vida dos Espíritos e seus modos de
sensação, quando, separados do invólucro carnal, a memória e a consciência
recuperam a plenitude de suas vibrações.
Compreendemos
desde logo como pode a reconstituição das recordações do passado converter-se
em fonte de tormentos. A alma traz em si mesma o seu próprio juiz, a sanção
infalível de suas obras, boas ou más. Tem-se reconhecido isso em acidentes que
podiam ter causado a morte.
Em
certas quedas, durante a trajetória percorrida pelo corpo humano a partir de um
ponto elevado acima do solo, ou então na asfixia por submersão, a consciência
superior da vítima passa em revista toda a vida gasta, com uma rapidez
espantosa. Revê-a completamente em seus mínimos pormenores em poucos minutos.
Tudo
o que o Espírito fez, quis, pensou, em si reverbera. Semelhante a um espelho, a
alma reflete todo o bem e todo o mal feito. Essas imagens nem sempre são
subjetivas. Pela intensidade da vontade, podem revestir uma natureza
substancial; vivem e manifestam-se para nossa felicidade ou nosso castigo.
Tendo
se tornado transparente, depois de desencarnada, a alma julga-se a si mesma,
assim como é julgada por todos aqueles que a contemplam. Só, na presença do seu
passado, vê reaparecerem todos os seus atos e as suas consequências, todas as
suas faltas, até as mais ocultas.
Para
um criminoso não há descanso, não existe esquecimento. Sua consciência,
justiceira inflexível, persegue-o sem cessar. Debalde procura ele escapar-lhe
às obsessões; o suplício só poderá acabar se, convertendo-se o remorso em
arrependimento, ele aceita novas provações terrestres, único meio de reparação
e regeneração.
Compilado
por Harmonia Espiritual do livro
O
Problema do Ser, do Destino e da Dor
Autor.:
Léon Denis