13 - Visão Espírita da Bíblia

13 - Visão Espírita da Bíblia
José Herculano Pires

29 - O Papel dos Profetas na Bíblia e no culto da Igreja primitiva

Esclarecimentos dados pelas epístolas de Paulo - Profetas em Israel e na Igreja Cristã, e sibilas, oráculos e pitonisas, nos meios pagãos - João, o evangelista, e os Espíritos.

Um dos problemas mais discutidos no mundo cristão, desde o aparecimento do Espiritismo, é o profetismo. O que era o profetismo bíblico, e o que era por sua vez, o profetismo apostólico? Por que, na Igreja Primitiva, ao lado dos vários responsáveis pelo movimento cristão, havia os profetas? E o que faziam esses profetas, do que estavam eles incumbidos?

O reverendo Robert Hastings Nichols, em suas História da Igreja Cristã, publicada em versão portuguesa pela Casa Editora Presbiteriana, lembra que podemos ter uma idéia das práticas da Igreja Primitiva pelas epístolas de Paulo, "especialmente as enviadas aos Coríntios".

É precisamente o que dizem os estudiosos espíritas do assunto. No seu livro “De cá e de Lá”, publicado nesta capital há cerca de quinze anos, pela livraria da União Federativa Espírita Paulista, o professor Romeu do Amaral Camargo, ex-diácono da l Igreja Presbiteriana da Capital, estuda o problema com base nas epístolas de Paulo, especialmente na l Coríntios.

Para o reverendo Nichols, havia na Igreja Primitiva, dois tipos de culto, sendo um "o da oração" e outro o da refeição em comum, a chamada "Festa do Amor". Quanto ao primeiro, diz o reverendo Nichols: "O culto era dirigido conforme o espírito os movia no momento. Faziam orações, davam testemunho, ministravam certos ensinos, cantavam salmos".

O que seriam esses "certos ensinos", e como seriam ministrados? Noutro trecho, o reverendo Nichols levanta uma pontinha do véu: "O Novo Testamento fala de oficiais que se ocupavam do ministério da pregação e do ensino. São conhecidos como apóstolos, profetas e mestres. O nome de apóstolo não era restrito aos companheiros de Jesus, mas pertencia também a outros pioneiros do Evangelho, que levavam as boas novas aos novos campos.

Os profetas, mestres e doutores, esclareciam o significado dos Evangelhos às igrejas. Todos esses exerciam seus ofícios, não pela indicação de qualquer autoridade, mas porque revelavam estar habilitados para tais ofícios, pêlos dons do “Espírito Santo”.

Kardec, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, estudando a passagem referente à entrevista de Nicodemos com Jesus acentua: "O texto primitivo diz apenas “da água e do espírito”, enquanto certas traduções substituíram “Espírito” por “Espírito Santo”, o que não é a mesma coisa.

Este ponto capital sobressai dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, o que um dia será analisado sem equívoco possível. Kardec cita ainda a tradução clássica de Osterwald, conforme o texto primitivo que diz: "Quem não renascer da água e do espírito".

A expressão “Espírito Santo”, que poderia pois, levar confusões à compreensão do texto, deve ser substituída por “Espírito”, conforme o original do texto grego primitivo, e tudo se esclarecerá.

Os dons do Espírito, dons que podem ser movidos no profeta por um espírito que seja santo ou não, eram os elementos dominantes da Igreja Primitiva. E tanto assim, que o apóstolo João, também evangelista, advertiu os crentes, na sua primeira epístola: "Caríssimos, não acrediteis em todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus". (Cap. 4, vers. l -3).

Estudando os caps. 12 e 14 da l Epístola aos Coríntios, de Paulo, o professor Romeu do Amaral Camargo declara: "Esses dois capítulos encerram matéria de grande importância e real utilidade para os assistentes de uma sessão espírita, e também indicam claramente o procedimento a ser observado pêlos que participam de uma sessão".

E assim é, realmente. De tal maneira o apóstolo Paulo se refere aos dons mediúnicos dos profetas, que essa epístola se torna uma espécie de orientação para os trabalhos práticos de Espiritismo. Por ela se vê, com absoluta clareza, que o culto da oração incluía os ensinos proféticos, e que estes nada mais eram do que as manifestações mediúnicas.

O Espiritismo veio esclarecer o papel dos profetas na antiguidade, que era semelhante ao das sibilas e pitonisas. Espinosa já havia chegado à conclusão, nos seus famosos estudos sobre as Escrituras, que o profetismo não era um privilégio dos judeus, mas uma qualidade do homem, existente em todo o mundo antigo, como em todo o mundo moderno.

Mas aquilo que Espinosa não podia explicar senão como efeito da imaginação, comparando a inspiração dos profetas à dos poetas, o Espiritismo veio explicar mais tarde, no cumprimento das promessas do Consolador, restabelecendo as coisas em seu verdadeiro sentido. O profetismo bíblico e o apostólico eram simplesmente o uso da mediunidade, como hoje se faz nas sessões espíritas.

E assim como, na antiguidade, havia profetas em Israel e na Igreja Primitiva, enquanto no mundo pagão existiam sibilas, pitonisas e oráculos, assim, no mundo moderno, há médiuns no Espiritismo, e há "cavalos", "tremedores", "possessos" e "convulsionários", em organizações religiosas que não seguem os princípios do Consolador ou Espírito da Verdade.

O velho problema do profetismo está perfeitamente esclarecido, graças aos estudos espíritas.

30 – Sentindo Cosmossociológico da Lenda Bíblica do Dilúvio

Já vimos, que o dilúvio bíblico foi apenas uma inundação parcial, no delta dos rios Tigre e Eufrates, o que está comprovado pelas escavações arqueológicas. Vimos que Adão e Eva são apenas o mito alegórico do aparecimento da raça hebraica, e que Jeová não é o Deus único do Novo Testamento, mas apenas o deus-familiar do clã de Abrão, Isaac e Jacó.

Tudo nos mostra, numa análise cultural da Bíblia, que ela deve ser interpretada na perspectiva das civilizações agrárias, a que realmente pertence. A lenda do dilúvio, que é também um mito agrário e ocupa todo o espaço dos capítulos 6 a 10 do Gênesis, confirma plenamente o caráter local e racial do livro que as igrejas cristãs consideram como "palavra de Deus".

As civilizações agrárias, como acentuou Durkheim a respeito das cidades gregas, explicam-se pela Cosmossociologia. O cosmos participa das estruturas sociais, pois o homem está ainda profundamente ligado à Natureza, entranhado na Terra. Por isso vemos, no dilúvio bíblico, Deus falando a Noé, este procurando embarcar todos os seres vivos na arca e servindo-se, depois, do corvo e da pomba para saber se o dilúvio acabara.

Deus, homens e animais convivem e se entendem. Não existe uma sociedade, mas uma cosmossociedade. A própria duração do dilúvio (quarenta dias) obedece a ritmos naturais, como o das estações, dos períodos lunares, das enchentes, dos períodos críticos da vida humana ou mesmo da gestação de animais ou do desenvolvimento dos vegetais.

Noé solta um corvo da arca para saber se o dilúvio acabara; a seguir, uma pomba; sete dias depois (o número sete é também significativo) solta de novo a pomba e a recolhe de volta com as mãos (símbolo carinhoso da relação homem-animal). Todos esses pormenores são encontrados nas lendas do dilúvio referentes a vários povos antigos da Ásia, da Europa e da América, entre os quais os índios brasileiros.

Entre os índios do México e da Nova Califórnia, por exemplo, Noé se chama Coxcox e a pomba é substituída pelo colibri. Todos os Noés, seja o mesopotâmico, o grego, o mexicano, o celta (que se chama Dwyfan e sua mulher Dwyfach), são avisados por Deus (naturalmente o Deus de cada um desses povos) que estava irritado com a corrupção do gênero humano e manda o seu escolhido construir urna arca.

Só mesmo uma ingenuidade excessiva poderia fazer-nos aceitar o relato bíblico do dilúvio como uma realidade histórica ou divina. A lenda bíblica do dilúvio corresponde a um mito dessa fase bem conhecida da História dos povos antigos, que é a fase mitológica.

Sua realidade não é histórica nem divina: é simplesmente alegórica. O dilúvio é uma lenda que corresponde a um passado mitológico, comum a todos os povos.