Carma, Destino e Livre Arbítrio
Victor Sergio de Paula
As palavras “carma”, “destino” e “livre-arbítrio”, sempre provocam no ser humano, em geral, algumas dúvidas, questionamentos de natureza existencial, porque ainda que não tenhamos qualquer crença religiosa, mesmo sendo o mais “convicto materialista”, nossas dores morais e físicas, nossa felicidade e desditas, os acidentes de percurso da vida, despertam-nos para as realidades da alma humana.
- Ah, esse é meu destino, meu carma ! – Muitas e muitas vezes temos ouvido afirmativas como essa, de pessoas de diferentes classes sociais, cultura, profissão, religião, orientação sexual, e outros indicadores, conferindo às palavras “carma e destino” o mesmo significado: errado!
2.- Conceitos de Carma, Destino e Livre Arbítrio
Segundo o Mini-dicionário Escolar de Dormival Ribeiro Rios as palavras carma, destino e livre-arbítrio, possuem a seguinte definição:
2.1.- Carma: as primeiras noções da “lei de causa e efeito”, segundo a qual a cada ação corresponderá, no plano moral ou físico, uma reação, revelando as causas do destino do homem. Peso do destino que uma pessoa carrega.
2.2.- Destino: encadeamento de fatos determinados por leis necessárias ou fatais. Fatalidade. Fado. Sorte.
2.3.- Livre-Arbítrio: opção que o homem tem para decidir e escolher o que lhe convém. Primeiramente, na definição da palavra “carma” existe explícito, segundo observamos, a idéia de “carma=peso do destino” a ser carregado por uma pessoa, ou seja, todo carma é um peso.
Quanto ao “destino”, a noção clara de que os acontecimentos em nossas vidas estão predeterminados, e de que ficamos ao “sabor da sorte”, é cristalina como água pura.
Diante de conceitos tão fechados, rígidos, como pode valer em nossas vidas de espíritos imortais, ainda que atualmente encarnados, o tão almejado e necessário livre-arbítrio? Afinal, podemos ou não, decidir e escolher o que nos convém?
Nossa reflexão é no sentido de harmonizarmos os conceitos de “carma, destino e livre-arbítrio”, retirando-lhes os conteúdos deterministas, para uma visão ampla e transcendente, mais adequada com os aspectos educacionais e retificadores da reencarnação.
3.- Uma visão Histórico-Religiosa (Upanishads)
Os “Upanishads” surgiram na Índia, em torno de 1000 a .C., escritos sob a forma de conversa entre mestre e discípulo, tendo como conceito-chave que: “o homem tem uma alma imortal”.
Tratava da reencarnação, e que todo homem possui um “Karma”, palavra escrita em “sânscrito” que significa “ato”. Essa doutrina trazia o conceito surpreendente de que “todas as ações de uma vida, formam a base para a próxima”, ou seja, o carma não é “recompensa ou punição”, apenas uma constante impessoal, uma lei natural.
Os Upanishads estabelecem como causa do sofrimento, através de sucessivas reencarnações, “a ignorância da verdadeira natureza da existência”. Assim sendo, somente o “reto conhecimento poderá salvar o homem do sofrimento”.
4.- Budismo
Fundado por Sidarta Gautama, filho de um rajá, que nasceu no Nordeste da Índia, por volta do ano 560 a .C., o Budismo também estabelece, que o ser humano “é escravizado por uma série de renascimentos”, em virtude de seus pensamentos, palavras e atos.
A cada existência o homem colhe aquilo que plantou, logo não existe destino cego nem divina providência. Buda pregava que uma das causas do carma (sofrimentos) são os desejos, no sentido negativo, e que apenas suprimindo os desejos, causados pela ignorância, podemos atingir o Nirvana.
A via da salvação budista é também o conhecimento, que nos levará ao “Nirvana”, descrito por Buda como um estado em que todo o carma já foi esgotado e o espírito liberta-se do “Samsara”, ou seja, da roda das reencarnações.
5.- Judaísmo
A religião dos judeus, ou Judaísmo, que deriva da palavra Judéia, tem na Bíblia judaica ou Antigo Testamento a sua base. A característica principal do judaísmo é ser uma religião ligada à história, constatando-se tal fato pela leitura das narrativas da Bíblia, baseadas numa crença bem definida de que Deus fez uma aliança, um pacto com seu povo escolhido, o povo hebreu.
O Judaísmo não faz menção no seu Pentateuco “a Lei (Tora)” de que o ser humano seja possuidor de um carma, conseqüentemente, não existe sequer a crença na reencarnação.
Os Judeus ao longo da história estabeleceram-se em diversos países, e em especial na Espanha medieval dos séculos XII e XIII, quando a cultura judaica conheceu um “período áureo”, florescendo o misticismo judaico, ou a CABALA (ou tradição).
Os sábios cabalistas encontravam-se à frente do seu povo, estudando as relações do homem com o mundo espiritual, incluído-se nesses estudos a mediunidade, a reencarnação, o carma, e os exercícios espirituais que levariam o homem à chamada salvação. A cabala é a tradição esotérica do judaísmo, não sendo aceita pela maioria dos judeus.
6.- Islamismo
A palavra árabe “Islã” que significa “submissão”, deu origem ao termo Islamismo, religião fundada por Maomé, em torno do ano 622 d.C., que tem como fundamento a submissão completa do homem à vontade de Alá, ou Deus. O Judaísmo é uma religião monoteísta.
No Islamismo existe a indicação de que a vida material é apenas uma preparação, antecedendo à vida que começará depois do julgamento divino. Tal julgamento pode ocorrer no céu ou no inferno, sendo certo que tal crença é fundamental para o muçulmano, afim de que ele assuma a responsabilidade total sobre seus atos.
Não há qualquer menção no Islamismo sobre a questão do carma, entretanto, o muçulmano acredita que de acordo com seu comportamento nesta vida, será recompensado ou punido na vida futura. Tal pensamento esboça, nada mais nada menos, do que a própria noção do carma.
7.- Cristianismo
O cristianismo surgiu a partir dos ensinamentos de um homem, de origem judaica, chamado Jesus de Nazaré. A mensagem deixada por Jesus foi apropriada mais tarde pela Igreja Católica Apostólica Romana, e desviada do seu contexto original, porque Jesus jamais pretendeu fundar qualquer religião, ainda mais com as características do catolicismo.
No cristianismo-católico o homem já nasce com o estigma do pecado original, o que significaria dizer que “o homem vem à Terra com um débito em relação a Deus”. A doutrina cristã não aborda a questão do carma, porque não acredita na reencarnação, apenas remetendo o homem à espera do denominado juízo final, quando Deus virá julgar “os vivos e os mortos”.
O cristianismo considera a crença em Jesus de Nazaré como instrumento de libertação, de salvação, pois “o homem não pode salvar a si mesmo”. Verdadeiro absurdo porque retira do ser humano o poder de decidir sobre a sua vida, sobre a sua evolução, e ainda mais, exclui o resto da humanidade, não-cristã, de ser “salva”.
O catolicismo tem nítidos contornos fatalistas, porque remete o espírito humano a uma eternidade de gozos no céu (homem bom), ou às amarguras intermináveis do inferno (homem mau). Não há a mínima chance de evolução, quando alguém errou durante sua vida terrena: absurdo!
8.- Gregos
A civilização grega é o berço da nossa cultura ocidental, oriundo dos conhecimentos extraordinários trazidos pelos espíritos de tantos homens de saber, que reencarnaram no mundo helênico.
Os gregos eram politeístas, ou seja, acreditavam que o universo era “administrado por muitos deuses e deusas”; na Grécia antiga, cada divindade possuía uma função específica, especializada.
Não se cogitava a questão do carma, mas, atribuía-se às divindades denominadas “AS PARCAS” a responsabilidade pela sorte dos homens. Eram três irmãs, filhas da NOITE: CLOTO, LÁQUESIS E ÁTROPOS.
Cada uma tinha uma atividade diferente com relação ao destino do ser humano: CLOTO: cujo nome significa “fiar”, é a que tem nas mãos o fio do destino humano; LÁQUESIS: que significa “sorte”, é a que põe o fio no fuso para tecer a trama do destino humano; ÁTROPOS: traduzindo, “inflexível”, corta implacavelmente o fio que mede a duração da vida de cada mortal. Como se verifica da visão dos gregos antigos, os Deuses comandavam o destino do homem.
9.- Destino e Livre-Arbítrio
Recapitulando as noções de “destino e livre-arbítrio”, vemos que o destino é considerado uma sina, um fado, enquanto o livre-arbítrio é a possibilidade da escolha, a opção de fazer ou não fazer. Os conceitos são aparentemente irreconciliáveis, se analisarmos a questão do ponto de vista materialista, considerando-se a nossa existência como única, e pronto!
Se tivéssemos apenas uma única vida, os acontecimentos felizes e as tragédias poderiam ser considerados como um “fado” ou “sorte”, conforme o caso, retirando-nos na maioria da situações a vontade de escolha (livre-arbítrio), pois o homem nasceria com o seu destino traçado.
O determinismo e a fatalidade são frutos do pensamento filosófico-religioso das doutrinas judaico-cristãs, que retiram do espírito humano a possibilidade de evolução, relegando-nos à servidão da vontade divina.
As religiões orientais foram as mais avançadas na conceituação do homem como espírito imortal, que possuía um carma determinado por suas boas ou más ações. O homem podia comandar o seu destino, através do seu livre-arbítrio.
10.- A Visão Espírita do Carma, do Destino e do Livre-Arbítrio
A doutrina codificada por Alan Kardec trouxe uma compreensão profunda sobre a alma humana, abrindo horizontes ao homem, ao considerá-lo um ser em franca evolução.
Na pergunta nº 132 do “Livro dos Espíritos”, Kardec questiona sobre qual seria o objetivo da encarnação? A resposta cristalina é: “A lei de Deus lhes impõe a encarnação com o objetivo de fazê-los chegar à perfeição ...”. Em nenhum momento aparece a palavra sofrimento, fado, dor, ou qualquer outro termo, que signifique “FATALIDADE”.
A palavra “carma” não é mencionada em nenhum momento por Kardec, ou pelos espíritos comunicantes das obras básicas, entretanto, como sinônimo de ação, a cada nova existência o homem progredirá inexoravelmente, até atingir a perfeição, como estipulado no penúltimo parágrafo do “Resumo dos Principais pontos da Doutrina Espírita”:
“Mas também nos ensinam que não há faltas imperdoáveis, que não possam ser apagadas pela expiação, pela reencarnação, nas sucessivas existências, mediante seus esforços e desejos de melhoria no caminho do progresso, o homem avança sempre e alcança a perfeição, que é a sua destinação final”.
A expressão “mediante seus esforços e desejos de melhoria” deixa bem esclarecido, que o livre-arbítrio do ser humano é a sua grande ferramenta evolutiva, inexistindo determinismos e fatalidades.
Ainda com relação ao “destino”, utilizado como sinônimo de “fatalidade”, Kardec pergunta aos espíritos, na questão nº 851 do Livro dos Espíritos: “Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme o sentido que se dá a essa palavra, ou seja, todos os acontecimentos são predeterminados? Nesse caso, como fica o livre-arbítrio?”.
“A fatalidade existe apenas na escolha que o Espírito faz ao encarnar e suportar esta ou aquela prova. E da escolha resulta uma espécie de destino, que é a própria conseqüência da posição que ele próprio escolheu e em que se acha”.
“Falo das provas de natureza física, porque, quanto às de natureza moral e às tentações, o Espírito, ao conservar seu livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor para ceder ou resistir”.
Analisando superficialmente a resposta, podemos concluir que o espírito humano escolhe o tipo de vida que irá desfrutar durante sua encarnação – logo, não há destino – e, que o livre-arbítrio é a grande alavanca da evolução, a todos nós que estamos encarnados no planeta.
A liberdade de escolher nosso próprio destino, todos os dias, torna-se o diferencial entre os gênero humano e os animais inferiores, que ainda, não podem discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado, o moral e o imoral.
Evoluir é o nosso destino, como evoluir – pelo conhecimento ou através da dor – é sempre uma questão de ESCOLHA.