O livre-arbítrio e a escolha de nossos ídolos

O livre-arbítrio e a escolha de nossos ídolos
Claudio Viana Silveira – Revista Internacional de Espiritismo

Analisando os atributos de Deus, à luz do item 6 da introdução de “O Livro dos Espíritos” verificamos
ser Ele eterno, imutável, imaterial, único, onipotente e, sobretudo, soberanamente justo e bom. Este último conforta a todos nós, sete bilhões de almas que povoamos este Planeta visto que, suas inúmeras benesses, presenteiam-nos, também, com o livre-arbítrio.

Em meados do século XIX, quando nosso querido codificador abria e fechava as questões a respeito deste assunto (843 a 850) a Iluminação dos Espíritos lhe responderia com a mesma justiça e bondade:
“Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina”, e é fora de dúvida que o mundo tem suas exigências.

Deus é justo e tudo leva em conta. Deixa-vos, entretanto, a responsabilidade de nenhum esforço empregardes para vencer os obstáculos. Referia-se Kardec, nesta última, aos empecilhos que a posição social reservaria ao homem quanto à inteira liberdade de seus atos. Está muito claro para nós, ante essas duas questões que, em primeiro lugar, por não sermos máquinas, possuímos a inteira liberdade de realizar as nossas escolhas.

Em segundo lugar, o espaço que ocupamos na sociedade sempre influirá nessas escolhas. Em terceiro lugar, e aqui estaríamos entrando no assunto, a influência de nosso livre-arbítrio na escalação de nossos ídolos: poderemos dentro de nosso livre pensar e agir, explicitá-los como ídolos da Vida Futura e ídolos da Vida Terrestre.

Passando os olhos no capítulo “O Cansaço do Repouso do livro Técnica de Viver” – Waldo Vieira/Kelvin Van Dine –, chegamos à conclusão que
em nossas vidas elegemos ídolos que realmente nos edificam e são os do primeiro grupo supracitado, mas também outros que só cansam o nosso repouso e que seriam os do segundo grupo. Estes últimos frustram a fé verdadeira e os primeiros evidenciam uma total confiança no Alto.

Independente do tamanho que possua a nossa jornada, toda ela e todos os dias de nossa peregrinação por este Planeta serão de opções que teremos que tomar do despertar até o adormecer. E mesmo durante o sono continuaremos a colher os frutos dessas opções visto que escolheremos a faixa que desejaremos povoar durante o mesmo.

Isto posto, considerando que todas as nossas jornadas estarão revestidas de ações altruísticas ou nem tanto; positivas, ou nem tanto; voltadas para uma Vida Futura, ou nem tanto, elaboramos uma planilha de comparações que, longe de ser radical, pois assim não age o nosso Pai, evidenciarão aqueles ídolos que elegeremos para o nosso dia-a-dia e que poderão ser totalmente antagônicos:

Preocupações ou prece? Nossa opção começa logo cedinho: poderemos entregar nossa jornada ao Criador, com uma prece muito simples, porém de coração; poderemos nos recomendar aos Bons Espíritos, solicitando-lhes boas decisões, proteção ou já na primeira hora enviaremos nossa mente com preocupações corrosivas e na maioria das vezes infundadas sobre coisas que nem sabemos se acontecerão.

Paisagem urbana ou paisagem rural? Vivemos, em nossa maioria, peleando numa selva de pedras. Somos eminentemente urbanos e embora reconhecendo o valor desse habitat, por que não repaginar ao menos os domínios de nossa morada?

Por de trás de nossa vidraça, onde acomodadamente mateamos e nos deliciamos com nossa leitura, poderemos vislumbrar uma área totalmente árida ou plátanos, álamos, parreirais e muitos, mas muitos irmãos menores por nós aquerenciados e alimentados soltos nesse novo ambiente que por nós seria implantado e que no máximo em três anos estaria amenizando nossa então selva de pedras

Casa ou Lar, aconchego, recanto? Trabalhamos às vezes uma vida inteira, para possuir uma casa. Até competimos para que tenha a melhor arquitetura, o melhor acabamento e o melhor ajardinamento. E se raciocinássemos que antes de casa esse sagrado santuário é um lar, um recanto e o aconchego pelo qual ansiamos em nos refugiar após árduo dia de trabalho?

Emprego, fonte de renda ou trabalho? Dizia-nos São João Bosco, que o trabalho dignifica e enobrece a alma de um homem. Trabalho gera progresso e aí deverá estar fixada a nossa grande responsabilidade. A sociedade em que vivemos, mergulhados neste terceiro milênio, é ardilosa em querer nos mostrar o contrário querendo nos convencer que a fonte de renda que o emprego poderá nos oferecer é o que importa.

Carro ou utilitário? Temos batido pé, frequentemente, nesta questão: Nosso automóvel, independente de ser de coleção, antigo, novo, do ano, precisará tornar-se um utilitário, transporte, lazer, ambulância se necessário, a serviço daqueles que nos circunvizinham. O perigoso do carro é o cuidado excessivo, a adoração, o brilho, a sua intocabilidade em se tratando de certas atividades altruísticas.

TV de LCD ou ‘radinho de pilha’? Vivemos em uma região, sul do Rio Grande do Sul, onde não possuímos emissoras de rádio com uma programação completa e de bom gosto; existe, entretanto, na capital, mais de uma dessas, com programação completa e variada, que pegam em nosso radinho e impedem que nossos pés fiquem chumbados à frente de uma TV, esse aparelho que chegou às nossas casas na década de 60.

Primeiro à válvula e em preto e branco e de lá para cá, numa tecnologia crescente tornou-se um aparelho perigoso que atribuímos a dois fatores: em frente à TV, sempre há uma poltrona que poderá nos alienar e emissoras totalmente inescrupulosas e fúteis, incapazes, em sua maioria, de satisfazer nossas expectativas. Nosso radinho nos dá liberdade e informação. Sem cercear nossos movimentos!

Carreteiro de três dias ou macarrão no óleo e alho? Aproveitaremos este item para realizar o recreio de nosso estudo. Quando iniciamos este trabalho, as idéias não estavam fluindo muito bem e nosso cônjuge, atarefado com as lides domésticas, atividades extracasa e cuidados com a própria pessoa, chegou a pensar em nos servir no almoço um carreteiro de três dias. Como o tema era livre-arbítrio e usando-o sua escolha final recaiu sobre um macarrão ao alho e óleo, por sinal gostosíssimo e oportuno, pois à tarde ambos estaríamos envolvidos em tarefas mediúnicas.

Internet ou Livros? Acompanhávamos, outro dia, por nosso radinho, a Jornada Internacional de Literatura, realizada periodicamente em Passo Fundo-RS e diziam os seus organizadores que as mães grávidas daquele importante pólo lêem para seus filhos ainda não nascidos.

Não relegavam a um segundo plano, esses organizadores, a importância da Internet; deixavam, porém, e bem claro, que o livro nos induz ao raciocínio, ao contrário da ferramenta em questão que, além de suas armadilhas, poderá nos alucinar.

Livro não tem mouse e às vezes até lambemos o dedo para virar suas páginas; os assuntos, capítulos, não são minimizados para posteriore, mas utilizamos gostosos e atraentes marca-páginas para não perdermos as referências.

Se por um lado a internet nos oferece muitas coisas prontas, os livros nos facultam aprontar coisas. Apesar da concorrência, os livros não caíram de moda!

Autores de novelas ou Chico Xavier, Emmanuel, André Luiz, Hammed, Francisco do Espírito Santo Neto? Aqui a coisa pega! A maioria dos autores de novelas, estas senhoras e senhores literatos, principalmente os da emissora mais tradicional do país, subestimam, totalmente nossa inteligência e nosso senso de justiça. Vilão de novela pratica o mal do primeiro ao penúltimo capítulo e no último, Ele não é julgado e nem vai para a prisão... Ele morre.

Está estabelecida, aí, a apologia ao crime. Muito pelo contrário, as apologias ao bem, à justiça e ao amor nos vêm de encarnados e desencarnados integralmente comprometidos com a ética de Jesus Cristo. Neste caso, ao contrário dos primeiros, não há uma visão mercadológica do trabalho, tendo em vista que todos os literatos sérios de nossa doutrina têm uma destinação filantrópica para os lucros de suas vendas.

Time do coração ou esporte sadio? Coração é vermelho, mas, independente da cor, o time do coração poderá nos judiar, poderá nos tirar o sono e a ressaca do dia seguinte poderá ser grande. O jogo de nosso time poderá não ser o mais importante da rodada, mas certamente, sofreremos com ele e à toa.

Poderemos ter à nossa disposição algo mais sério como uma boa partida de vôlei, basquete ou até mesmo de um futebol onde não haja simulações, cai-cai, vícios atuais de nossos ídolos que empanam o esporte bretão.

Duro de matar 4.0 ou leitura edificante? Estamos chegando ao ponto nevrálgico no qual encerraremos nossa jornada e ingressaremos noutra, esta fora de nosso corpo físico: a interpretação de Bruce Willis certamente não será a melhor companhia para prepararmos uma investida noturna; uma leitura edificante, indubitavelmente estabelecerá um intróito mais adequado à viagem ora proposta.

Como podemos verificar, nosso livre-arbítrio nos possibilita a escolha de ídolos dos mais diversos naipes: dos mais exóticos aos divinamente simples; dos imprescindíveis, mas que requerem um equilíbrio, aos totalmente fúteis; das ações pouco dignificantes às grandes e fraternas ações; de comportamentos lascivos a sérias atitudes; dos mais caros, exigentes e chantagistas como carro, aparelhos sofisticados, clube do coração, àqueles que não nos darão nenhuma despesa e são verdadeiras manifestações da atenção Divina como, por exemplo, sanhaços, sebinhos, bem-te-vis, corruíras beija-flores e calhandras não engaiolados mas que buscam seu quinhão diariamente em nosso quintal e nos recordam máximas do Mestre tais como não semeiam nem ceifam mas o Pai do Céu nos delega o privilegiado hobby de cuidá-los.

Sempre manifestamos, voltando aos atributos Divinos, nossa admiração por Sua infinita justiça, amor e bondade.
Na questão do livre-arbítrio, não poderia ser diferente, visto que Ele “conseguintemente, não condena os gozos terrenos; condena, sim, o abuso desses gozos em detrimento das coisas da alma”. Ou seja, sendo Deus e a Natureza equilibrados, é natural que a Sua Providencial Bondade assim nos deseje.

A propósito, depois de excursionar em nossa jornada diária, como procedemos na escalação de nossos ídolos? Que critérios adotamos para defini-los e elegê-los? Nossas opções têm valido à pena? Que peso essas escolhas terão, considerando nossa Vida Futura?

Temos a consciência que algumas são totalmente equivocadas, mas apesar disso, as veneramos, cultuamos, endeusamo-las. Estamos cientes, também, que esses ídolos escolhidos visando somente a Vida Terrestre, nos roubarão o sono, a saúde, a alma; dar-nos-ão despesas, nos causarão irritação, preocupações.

Fazendo uso de nosso livre-arbítrio, com qualquer intensidade, em qualquer tempo e seja na direção que for,
escalaremos nossos ídolos e os mensuraremos. Conforme nossa vontade eles nos cansarão e atormentarão o nosso sono ou facilitarão nosso repouso e nossa paz.

Somos responsáveis quando da escolha de nossos ídolos ou nossos carrascos? e pelo tipo de satisfação que nos proporcionarão. Os primeiros são reluzentes, caros, chantagistas e perigosos: poderão nos decepcionar! Os últimos são divinamente simples, financiam uma real felicidade e... cabem em nosso orçamento.