Reconhecer as falhas do próximo

Reconhecer as falhas e os erros do nosso próximo
é uma virtude? – por Fabio Alessio Romano Dionisi

Devo confessar que, por muitos anos, este assunto fez parte das minhas cogitações. Iniciado no Espiritismo em 1988, a exemplo do que acontece com muitos neófitos,
comecei a absorver, celeremente, esta Doutrina tão fascinante, tão esclarecedora; mas, igualmente, tão demandante por uma mudança interior.

As reflexões decorrentes do mergulho ao meu interior, que a Doutrina me “obrigou” a fazer, expuseram, de forma gradativa e crescente, todas aquelas facetas que, da minha personalidade,
não mais coadunavam com os princípios morais a serem seguidos por um verdadeiro Cristão.

Minha “caixa de Pandora” havia sido aberta! Os primeiros fantasmas começaram a sair...

Caro leitor, contudo, preciso confessar que continuo em busca dessa transformação...
Quando muito posso afirmar que sou, e espero que não seja apenas produto do meu orgulho, um “candidato a Cristão”.

Bem, iniciemos o assunto. Perdoem-me; creio que minhas recentes leituras, a respeito de Santo Agostinho, me levaram a um esboço, bem primário, das minhas próprias confissões. Um dos primeiros obstáculos, com que me deparei,
foi a questão do julgamento que fazemos do outro.

Seria um erro enxergar seus defeitos? Não o estaria julgando, falhando com Deus, para com meu próximo e para comigo mesmo? Na época, busquei a resposta nos Evangelhos; porém, mais tarde constatei que a solução encontrada era parcial.

“Por que vês o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a viga no teu olho? Ou, como dirás ao teu irmão: “Deixa que eu retire o cisco do teu olho”. E, eis a viga no teu olho. Hipócrita! Retira primeiramente a viga do teu olho, e então verás (em profundidade) para retirar o cisco do olho do teu irmão”.
(Mateus, 7:3 a 5)

“Não julgueis para que não sejais julgados, pois com o juízo com que julgais sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos”. (Mateus, 7:1 e 2)

Como autodefesa, para não errar, por puro perfeccionismo, e não por buscar realmente a perfeição, literalmente “tapei” minha visão.
Era preferível não enxergar nada, em ninguém, a cometer a falta de julgar o próximo. Afinal de contas, eu já conseguia ver algumas das traves que me cegavam; bem como, na época, erroneamente, preocupava-me com o julgamento de Deus.

Ledo engano! Posteriormente, percebi que não havia compreendido nada!
Não tinha lido, ainda, o suficiente e nem feito as conexões necessárias para poder atingir a resposta correta. Vejamos o que tais leituras posteriores, aliadas à experiência que a vida me proporcionou, me ensinaram.

Boa parte do nosso aprendizado é realizada através dos sentidos. Aprendemos observando (não apenas vendo), ouvindo (não apenas escutando), o que está no exterior. Num processo de fora para dentro.

Tiramos nossas lições,
através da observação, reflexão e julgamento da informação que recebemos. Haja vista a criança, cujo caráter, crenças e valores são influenciados pelos pais; principalmente, nas duas primeiras fases de sua infância.

Poderíamos objetar que muita coisa já está depositada em nós, desde a nossa criação. De fato, mas, mesmo assim, queridos,
aprendi que é algo externo que “ativa” o acesso aos nossos registros; portanto, também, de fora para dentro.

A vontade de mudar, e a própria transformação, é, sem dúvida, um processo de dentro para fora,
mas o aprendizado, em si, inicia-se com a obtenção de informações, do exterior para o interior.

O sucesso de Pestalozzi, um dos maiores educadores que já pisaram neste orbe, não foi devido exatamente porque conseguia levar seus alunos ao auto aprendizado, através da observação, reflexão e julgamento do fato observado? Exposto dessa forma, não parece coerente? Mas, na época, não o foi...

Como tudo evolui, evoluí.
Compreendi que meu erro fora ter deixado que a letra matasse e o espírito não vivificasse o verdadeiro significado de algumas passagens do Evangelho. E, se tivesse lido o Capítulo X do Evangelho Segundo o Espiritismo, com atenção, também teria chegado à resposta.

Mas, como iniciei pelo Evangelho, pelo Evangelho terminarei...
A passagem de João sobre a mulher apanhada em adultério também me daria a chave.

“(..) Mestre, esta mulher foi apanhada, em flagrante, adulterando.
Na Lei, nos ordenou Moisés serem apedrejadas tais (mulheres). Portanto, que dizes tu? (..) Mas como continuavam a interrogá-lo, (..) lhes disse:

“Quem dentre vós estiver sem pecado atire sobre ela a primeira pedra. (..) Os que tinham ouvido saíam um por um, começando pelos mais velhos. (..) Jesus disse a ela: Mulher, onde estão? Ninguém te condenou? Disse ela: Ninguém, Senhor! Disse Jesus: Nem eu te condeno. Vai, e a partir de agora não peques mais.” (8:3 a 11)

Comecemos, exatamente, por esta última frase: “Nem eu te condeno. Vai, e a partir de agora não peques mais”.
Percebam que Jesus não condenou a “pecadora” (nem eu te condeno), e, sim, o “pecado” (não peques mais).

Podemos concluir, pois,
que é lícito emitir juízo sobre o fato observado, mas não podemos julgar, no sentido de condenar, o agente gerador, o indivíduo.

Neste ponto, só para não deixar passar em branco um comentário que fiz há pouco, permito-me fazer mais uma pequena digressão: “E, além disso, nem devia me preocupar com o julgamento de Deus,
pois hoje sei que é a minha consciência que me julga e não o Pai”.

Era só uma questão de encontrar as peças e, corretamente, encaixá-las no quebra-cabeça. E, já que estamos aqui, podemos nos dar ao luxo de seguir mais adiante; além da minha preocupação inicial, quando vos fiz a minha pequena confissão. Pois, talvez, meus comentários tenham gerado algumas perguntas, tais como:

Fabio, até aqui o foco foi sobre o aprendizado da pessoa que observa, mas, o que fazer com o que erra? Não podemos ajudá-lo também? Não seria oportuno corrigi-lo, para que possa usufruir das vantagens do nosso juízo sobre sua conduta?

Respondendo, inicialmente eu me questionaria:
tenho certeza de que ele está errado? Tenho todas as informações necessárias para emitir um parecer conclusivo? Perguntas difíceis de responder... Não concordam comigo, caros irmãos? Mas, admitamos que sim. Então, prosseguindo, eu me apoiaria em Kardec, para refletirmos, juntos, sobre essas questões:

“O reproche (repreensão) lançado à conduta de outrem pode obedecer a dois móveis:
reprimir o mal, ou desacreditar a pessoa cujos atos se criticam. Não tem escusa nunca este último propósito, porquanto, no caso, então, só há maledicência e maldade.

O primeiro pode ser louvável e constitui mesmo, em certas ocasiões, um dever, porque um bem deverá daí resultar, e porque, a não ser assim, jamais, na sociedade, se reprimiria o mal.

Não cumpre, aliás, ao homem auxiliar o progresso do seu semelhante? Importa, pois, não se tome em sentido absoluto este princípio: “Não julgueis se não quiserdes ser julgado”, porquanto a letra mata e o espírito vivifica.

Não é possível que Jesus haja proibido se profligue (reprove) o mal, uma vez que ele próprio nos deu o exemplo, tendo-o feito (...).
O que quis significar é que a autoridade para censurar está na razão direta da autoridade moral daquele que censura.”

Portanto,
a resposta é “sim”; desde que tenhamos essa autoridade moral. E, desde que seja realmente útil. Dois pontos igualmente importantes: se você o fizer, que o faça porque precise; e, que não esqueça das oportunas palavras de Jesus:

“Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele somente; se te ouvir, ganhaste teu irmão. Mas, se não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas para que, pela boca de duas ou três testemunhas, seja estabelecida toda a questão.

E, se ele se recusar a ouvi-los, dize-o à Igreja (assembléia). Se, também, se recusar a ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano”. (Mateus, 18:15 a 17)

Lembre-se, contudo,
de chamá-lo à parte, onde os outros não possam ouvir. Isso é caridade. E, por favor, não espalhe aos quatro ventos “as falhas e erros” dos outros (os pecadores!).

Fonte: Revista Internacional de Espiritismo