Sanatório para Espíritas

Sanatório para Espíritas – Do livro Na próxima dimensão
Carlos A. Baccelli - Saindodamatrix.com.br

Para comemorar os 150 anos de "O Livro dos Espíritos", posto um trecho do livro "Na próxima dimensão”, de Carlos A. Baccelli, que conta a história de Inácio Ferreira, médico que, encarnado, cuidava de um sanatório em Uberaba e era ferrenho defensor da doutrina espírita. Ao desencarnar, continuou cuidando de um sanatório (do lado de lá), mas passou a ver as coisas com outros olhos:

- Mas, redargüiu o valoroso companheiro, os espíritas haverão de se decepcionar; eu não sei a causa de, ao nos tornarmos espíritas, passarmos a achar que somos privilegiados...

A Doutrina nos torna conscientes de nossas enfermidades, porém a tarefa da cura nos pertence, pois a simples condição de adepto do Espiritismo não isenta ninguém de suas provas...


- É, principalmente, do esforço de renovação... O espírita sincero é aquele que não recua diante das lutas que trava para ser melhor. Deus não cultiva preferências... As orações dos fiéis de todas as crenças têm para Ele o mesmo valor; às vezes, quem ora aos pés de um santo de barro ora com maior fervor do que aquele que já libertou a fé de tantas formalidades...

- Como você mudou, Inácio! - brincou Odilon comigo. - Eu diria tratar-se de um espírito... Se eu não fizer esta ressalva, os nossos irmãos do mundo não acreditarão que eu esteja conversando com você, o ferrenho adversário da Igreja Católica...

- Ora, não exagere! Você sabe que eu apenas me defendia, ou melhor, procurava defender a Doutrina...
Agora, no entanto, estou aqui, às voltas com a própria realidade... E com muito trabalho neste hospital, não é?

- Neste hospital onde, por incrível que pareça, a maioria dos pacientes é espírita... Eu preferiria lidar com um louco espírito do que com um espírita louco... Como somos, Odilon, vaidosos do nosso pequeno saber!

Muitos médiuns internados aqui? O problema maior não são os médiuns que,
na maioria das vezes, faliram por falta de discernimento; o problema maior são os dirigentes espíritas, aqueles que quiseram ter as rédeas do Movimento nas mãos e impunham os seus pontos de vista.

Já os médiuns se assemelham aos pecadores do Evangelho, mas os dirigentes são os doutores da lei... Algum católico ou evangélico por aqui? Poucos. E são os que me dão menos trabalho... Conforme lhe disse, os espíritas é que estão mal arrumados: conversam comigo de igual para igual e, não raro, acabam invertendo de papel comigo, ou seja: tratam-me como se o doente fosse eu...

Citam trechos de "O Livro dos Espíritos", referem-se ao Espiritismo científico, fazem questão de demonstrar conhecimentos, no entanto já pude fazer entre eles curiosa constatação: quase todos foram espíritas teóricos; nunca arregaçaram as mangas numa atividade assistencial que, ao contrário, criticavam veladamente...

Conheci alguns deles, quando ainda no mundo - aparteou o devotado amigo. Um aos quais eu me refiro
chegou a combater com veemência o nosso trabalho de Sopa Fraterna na "Casa do Cinza", em Uberaba; disse-me que o Espiritismo tinha que parar com aquilo, que nós estávamos desvirtuando tudo, o povo precisava de luz, não de pão...

- Por acaso - indaguei -, teria sido o R.? Ele mesmo, Inácio - respondeu. Sempre que me via no Mercado Municipal
pedindo verduras e legumes para a nossa Sopa, eu tinha que ouvir um sermão... Coitado!... Nem sei se já desencarnou.

- Ele é um dos meus pacientes aqui, Odilon, e, por sinal, é um dos que mais reivindicam... O R., internado neste hospital?... E deveria dar graças a Deus, pois, a rigor, o seu lugar seria mais embaixo... Não sei como foi que conseguiu chegar até aqui.

Ele cuidava da mãe, que morava sozinha, e não deixava que nada lhe faltasse... De fato, eu não sei o que seria dos filhos, se não fossem as mães - comentei, emocionado. Não fosse por elas, as regiões trevosas estariam regurgitando...

- Mas, Odilon - falei, com a intenção de mudar de assunto. E o seu trabalho com os médiuns junto à Crosta, como é que tem se desenrolado? Estamos indo, Inácio.
Como você não desconhece, os progressos são lentos, tão lentos, que, por vezes, nos parecem inexistentes, mas vamos caminhando.

A turma não quer estudar e assumir a tarefa com disciplina. Muitos começam e quase todos desistem... Querem colher antes de semear, não é? E semear antes de preparar o terreno...

- Não é mesmo fácil perseverar,
ainda mais no mundo de hoje, que mete medo em qualquer candidato à reencarnação... Porém não existe alternativa; se você deseja escalar a montanha, não adianta ficar rodeando-a, concorda?...

E nem esperar, indefinidamente, melhor tempo para fazê-lo... Creio, Odilon, que talvez este tenha sido o nosso mérito, se é que algum mérito tivemos:
embora conscientes de nossas imperfeições e mazelas, ousávamos fazer o que era preciso.

- Os médiuns, Inácio, acham que mediunidade corre por conta dos espíritos;
quase nenhum quer ser parceiro ou sócio e entrar com a parte que lhe compete... Fazem uma série de alegações, quase todas sofismas, para justificar a sua falta de empenho e melhor adequação da instrumentalidade.

- O velho "fantasma" da dúvida... Dúvida que, conforme sabemos, persistirá em cada um, até que seja definitivamente afastada pela sua lucidez espiritual;
é a dúvida que desafia o homem a caminhar... A certeza é o ponto final de jornada empreendida.

- Se o Espiritismo pudesse contar com médiuns mais conscientes... - lamentei. Seria uma maravilha, mas estamos confiantes para o futuro... Tudo está certo. Será, por outro lado, que se tivéssemos sobre a Terra um número maior de medianeiros convictos e responsáveis,
o excesso de luz, ao invés de lhes facilitar a visão da Verdade, não induziria os homens à cegueira?

Sempre me intrigou o fato de Jesus ensinar por parábolas; por que o Mestre não falava claramente?... Quero crer que não era por falta de capacidade pedagógica ou por pobreza de vocabulário... Ele tencionava nos induzir à procura, exercitando a nossa capacidade interpretativa. A Humanidade não se redimirá coletivamente; a porta é estreita exatamente para conceder passagem a um de cada vez...

- Você, como sempre, tem razão, Odilon - concordei com a linha de raciocínio do companheiro. É possível que Moisés, se tornasse a viver hoje sobre a Terra, viesse a reeditar a sua proibição dos homens se contactarem com os mortos; queremos mais, no entanto não estamos tão preparados assim...