Sinceramente,
por mais que me esforce, grande é a minha dificuldade para penetrar os enigmas
da cristalização do Espírito em torno de certas situações e sentimentos. Como
pode a mente deter-se em determinadas impressões, demorando-se nelas, como se o
tempo para ela não caminhasse?
O
tempo, para nós, é sempre aquilo que dele fizermos. Lembremo-nos de que as
horas são invariáveis no relógio, mas não são sempre as mesmas em nossa mente.
Quando felizes, não tomamos conhecimento dos minutos.
Satisfazendo
aos nossos ideais ou interesses mais íntimos, os dias voam céleres, ao passo
que, em companhia do sofrimento e da apreensão, temos a idéia de que o tempo
está inexoravelmente parado. E quando não nos esforçamos por superar a câmara lenta
da angústia, a ideia aflitiva ou obcecante nos corrói a vida mental,
levando-nos à fixação.
Nesta
fase, o tempo como que se cristaliza dentro de nós, porque passamos a gravitar,
em Espírito, em torno do ponto nevrálgico de nosso desajuste. Qualquer grande
perturbação interior como paixão ou desânimo, crueldade ou vingança, ciúme ou
desespero, pode imobilizar-nos por tempo indefinível em suas malhas de sombra,
quando nos rebelamos contra o imperativo de marcha incessante no Bem.
O
relógio inflexível assinala o mesmo horário para todos, entretanto, o tempo é
leve para os que triunfaram e pesado para os que perderam. Com os vencedores,
os dias são felicidade e louvor e com os vencidos são amargura e lágrimas.
Quando
nós não desvencilhamos dos pensamentos de flagelação e derrota, através do
trabalho constante pela nossa renovação e progresso, transformamo-nos em
fantasmas de aflição e desalento, mutilados em nossas melhores esperanças ou em
nossas chagas íntimas.
Quando
a morte nos surpreende nessas condições, acentuando-se nos então a experiência
subjetiva, se a alma não se dispõe ao esforço heróico da suprema renúncia, com
facilidade emaranha-se nos problemas da fixação, atravessando anos e anos, e
por vezes séculos na repetição de reminiscências desagradáveis, das quais se
nutre e vive.
Não se
interessando por outro assunto a não ser o da própria dor, da própria
ociosidade ou do próprio ódio, a criatura desencarnada, ensimesmando-se, é
semelhante ao animal no sono letárgico da hibernação. Isola-se do mundo
externo, vibrando tão-somente ao redor do desequilíbrio oculto em que se
compraz. Nada mais ouve, nada mais vê e nada mais sente, além da esfera
desvairada de si mesma.
A mente
estacionária na deserção da Lei, durante o repouso habitual em que se imobiliza,
além do túmulo, sofre angustiosos pesadelos, despertando quase sempre em plena
alienação, que pode persistir por muito tempo, cultivando apaixonadamente as
impressões em que julga encontrar a própria felicidade.
Qual o
remédio mais adequado à situação? Muitas dessas almas desorientadas por fim se
entediam do mal e procuram a regeneração por si mesmas, ao passo que outras,
acordam para as novas responsabilidades que lhes competem no próprio reajuste.
São os soldados feridos buscando corresponder às missões de amor que lhes
visitam o pouso de restauração.
Entendem
o impositivo da luta dignificante a que foram chamados e, ajudando aos que os
ajudam, regressam ao bom combate, em cujas linhas se acomodam com o serviço que
lhes é possível desempenhar.
Outras,
porém, recalcitrantes e inconformadas, são docemente constrangidas ao retorno à
batalha para que se desvencilhem da prostração a que se recolheram. A
experiência no corpo de carne, em posição difícil, é semelhante a um choque de
longa duração, em que a alma é convidada a restabelecer-se. Para isso, tomamos
o concurso de afeições do interessado que o asilam no templo familiar.
Nesses
casos, a reencarnação será compulsória? Que fazemos na Terra quando surge um
louco em nossa casa? Não passamos a assumir a responsabilidade do tratamento?
Aguardaremos qualquer resolução do alienado mental, no que tange às medidas
indispensáveis à restauração.
Em
virtude de semelhantes fixações, é que vemos entidades padecendo deplorável
amnésia. Quando se comunicam com os irmãos encarnados, não conservam exata
lembrança senão dos assuntos em que se lhes encravam as preocupações e, quando
permutam impressões conosco, assemelham-se a psicóticos renitentes. Por esse
motivo, requerem habitualmente grande carinho em nosso trato pessoal.
E
quando encaminhadas à reencarnação, no desajuste em Que se vêem, essas
criaturas tornam à realidade, de súbito? Nem sempre. Na maioria das vezes, o
soerguimento é vagaroso. Podemos comprovar isso no estudo das crianças
retardadas, que exprimem dolorosos enigmas para o mundo.
Somente
o extremado amor dos pais e dos familiares consegue infundir calor e vitalidade
a esses entezinhos que, não raro, se demoram por muitos anos na matéria densa,
como apêndices torturados da sociedade terrestre, curtindo sofrimentos que
parecem injustificáveis e estranhos e que constituem para eles a medicação
viável.
É
possível auscultar ainda a verdade nos chamados esquizofrênicos e nos
paranóicos que perderam o senso das proporções, situando-se em falso conceito
de si mesmos. Quase todas as perturbações congeniais da mente, na criatura
reencarnada, dizem respeito a fixações que lhe antecederam a volta ao mundo.
Em
muitos casos, os Espíritos enleados nesses óbices seguem do berço ao túmulo em
recuperação gradativa, experimentando choques benéficos, através das
terapêuticas humanas e das exigências domésticas, das imposições dos costumes e
dos conflitos sociais, deles retirando as vantagens do que podemos considerar
por extroversão indispensável à cura das psicoses de que são portadores.
Compilado
do livro: Nos Domínios da Mediunidade
Autor:
André Luiz (espírito) e Francisco Cândido Xavier