Natanael ou Bartolomeu figura como um dos doze discípulos de
Jesus, homem atento ao trabalho, mesmo aquele que exigia suas mãos, sem pena de
que as mesmas se tornassem grossas como os lajedos de Betsaida.
Era o companheiro de Simão Pedro nas porfiadas horas de
pescaria, no famoso Mar da Galiléia. Era natural de Caná da Galiléia, aldeia
famosa, das mais famosas do mundo na história do cristianismo, por servir de
palco para o primeiro milagre de Jesus. Milagre ou fenômeno espiritual, como
queiram.
Caná da Galiléia! Caná da Galiléia! Com expressão tão simples na
urdidura habitacional da terra, fez com que o divino Mestre se visse atraído
para uma das bodas mais importantes de todos os tempos, e lá, transformasse a
água em vinho, abrindo o Evangelho dos fatos pela primeira vez, mostrando, com
isso, que Ele era, verdadeiramente, Aquele que havia de vir.
Caná também foi cenário de uma cura à distância, operada por
Jesus a pedido de um oficial do Rei, cujo filho já era considerado morto por
uma febre desconhecida, tendo voltado à vida no mesmo momento em que Cristo
disse: “Vai, que teu filho vive”.
É bom que notemos que se não fossem as curas operadas por Jesus
e, e seguida, pelos seus discípulos e os cristãos de todas as épocas, nos séculos
atuais não se falaria em Evangelho. Para atrair peixes, são necessárias as
iscas. Para que o homem tenha interesse no trabalho, idealizou-se o ganho. Para
que se forme uma família, estabeleceram-se os primeiros sonhos de felicidade.
Caná da Galiléia foi onde Filipe arranjou um grande companheiro,
que foi logo levado para conhecer Jesus. E Filipe não se enganou, porque o
Senhor convidou seu amigo para fazer parte da primeira comunidade cristã.
Natanael não sentia a experiência de Levi, que abraçara os princípios do Mestre
como que de sopetão, parecendo que já estivesse esperando há muito tempo por
aquele acontecimento.
Natanael era por demais resguardado, inclusive na sua
insapiência, em comparação com os outros, de maior cultura. Entrementes, sua maturidade
espiritual falou mais alto que o raciocínio e fê-lo abraçar os preceitos que o
doador maior distribuía para os que tinham olhos para ver e ouvidos para
escutar.
Bartolomeu, há muito tempo, andava a meditar em novos processos
que poderiam dar conhecimento, aos homens, de meios mais fáceis de entendimento
de uns para com os outros. As antigas religiões só dispunham de métodos que não
condiziam com a amplitude evolutiva das criaturas.
As gerações que se sucediam buscavam algo mais convincente e que
lhes falasse mais ao coração. A justiça estava por demais exigente e o Deus
apregoado e temido parecia sem certa piedade para a massa sofredora. Apesar
disso tudo, o novo discípulo alimentava uma esperança. Conhecendo profundamente
Moisés, deparava, aqui e ali, nos seus escritos, o anúncio de um Messias, que
seria o Rei e salvaria o mundo.
Encontrava também em Isaías profecias idênticas. O que tinha a
fazer? Era esperar esse anunciado Mestre. Porém, sua mente divagava nas sombras
da dúvida, em noites insones, aumentando suas dificuldades de reconhecer o
Cristo, quando Este surgisse no seio dos judeus.
Poderiam aparecer muitos Cristos, como fazer? Filipe, conhecendo
sua sinceridade, não teve dúvidas de que Natanael era um companheiro de valor e
pôs à prova sua intuição.
Bartolomeu aparece em Betsaida em uma tarde encantadora, aceso
de curiosidade. Tinha estado com muitos sacerdotes e estes o cravaram de
perguntas acerca do Mestre e outros assuntos referentes a comparações
doutrinárias. Seu íntimo fervilhava à busca de soluções que julgava impossíveis
no meio do povo e no seio das famílias, juntos aos colegas e no esquema do
trabalho: era a compreensão entre as criaturas.
Encontra-se com Pedro em uma rua de Betsaida, quando repartia um
achatado pão com uma velha cega. Cruzaram os olhares, sem palavras, e partiram
para o antigo albergue dos pescadores que estava servindo de igreja na formação
dos primeiros discípulos.
No grande salão já se encontrava o Mestre com alguns dos seus
adeptos, conversando amavelmente a respeito da firmeza de ideal. Todos os
minutos eram aproveitados para uma sequência do aprendizado, já que o tempo que
o Senhor ia ficar com eles era bastante curto, na contagem de uma existência
humana.
Enquanto Pedro e Natanael se acomodavam, os outros adentram e
completam o rebanho, cujo pastor era a luz anunciada há milhares de anos, da
Assíria ao Egito, e deste à Babilônia, da Indochina a Israel, e dele à Grécia,
que inspirou também a Roma no anúncio da vinda de uma das estrelas do infinito,
com a missão de fazer brilhar a Terra e os homens.
Bartolomeu, meio inquieto, é indicado por Pedro para iniciar as
perguntas. Com certo acanhamento natural, procura os olhos do Mestre e
interroga, com prudência: “Senhor, porventura poderia nos dizer qual deve ser o
nosso comportamento diante dos outros, em se falando de Entendimento?”
Espera com ansiedade. Jesus, animado com a generosidade de
Natanael, fala com finura: Bartolomeu! A idoneidade de uma pessoa depende
muito, mas muito, meu filho, da vivência que ela leva diante dos conflitos
interiores e dos problemas que a própria natureza externa apresenta como teste
da sua natureza.
Pelo tom da tua voz, notarás a apreciação que fazes em ti e nos
outros, e pela análise, notarás a falta de compreensão de grupo para grupo e de
almas para almas, começando dos lares até as nações, pois em verdade te digo
que esse é um processo inevitável, dos homens e povos se entenderem mais tarde,
pois as dificuldades são criadas para que a dor possa aparecer ensinando, na
antecipação do amor.
É bom que se saiba que, quanto mais bruto é o animal, maior é a
corrigenda. A roseira mostra suas pétalas suaves, mas mostra os espinhos na
retaguarda, para que a vigilância seja desenvolvida. Conheces bem as
escrituras, pelo próprio esforço e nas interpretações dos sacerdotes e não deve
te faltar a razão.
Moisés foi portador da justiça pela dureza dos corações. No
entanto, o teu raciocínio te fará crer que a nova mensagem que estás conhecendo
transforma a justiça, pelas linhas da misericórdia, em amor e, se queres saber,
meu amigo, é justo que saibas que somente o amor no coração das criaturas fará
estabelecer a verdadeira compreensão entre elas, nos lares e nas nações.
Suaviza-se o verbo inflamado do Cordeiro Divino. Alguns dos participantes
se assustam com a firmeza do Senhor, quando fala das necessidades, dos
problemas, das dificuldades para o aprimoramento dos homens. Mas, no silêncio,
meditam em tais conceitos.
Bartolomeu, muito precavido, deixa as suas deduções para as
prolongadas noites de insônia. Ali, com Jesus, apenas procurava gravar as
lições e aproveitar todo o tempo para apreciar a voz de Deus na pessoa do
Mestre.
E o Cristo benevolente, continua, com critério: Natanael! És
inteligente, não te iludas com falsas filosofias. O esquema de Deus não foi
feito para transformações imediatas, principalmente, no tocante às almas.
O despertar de um espírito para as coisas reais da vida depende
de sequências de esforços indescritíveis. O sol tem uma marcha moderada, com
respeito ao tempo, para formar o dia, e este a mesma sequência, na estrutura do
ano. Assim os séculos, assim os milênios, assim a eternidade.
E continua, com serenidade: A compreensão é incompatível com a
ignorância. Se está última comanda e domina a maioria na Terra, como poderás
esperar ajuste de Entendimento entre as criaturas? Se é certo que toda a
humanidade tem fome de amor, é mais justo que esse amor seja dado aos que
desconhecem os seus grandes benefícios.
Estão sendo instalados na seara da Terra os meios de propagação
da mensagem que te leva ao maior Entendimento das coisas e da vida, da vida e
dos homens, dos homens e do mundo dos anjos. Porque é por vontade de Deus que
aqui estamos, para transmutar a justiça em perdão e o perdão em caridade que,
nesse empuxo da vida, passe a esplender na pureza do amor.
Sua voz ressoa em todo o salão como música que os anjos não
esqueceram de ampliar. O Mestre, envolvido na dinâmica da verdade, retoma a
palavra sem que ninguém ouse interrompê-lo:
Bartolomeu! Prepara-te para escutar a verdade que não esperavas.
Se te preocupas muito com a compreensão de uns para com os outros e dos outros
para contigo, se intentas lutar para estabelecer um Entendimento universal, se
te dispões a trabalhar para uma unidade de sentimentos, coloca o capacete do
trabalho edificante sem perguntar o que vais receber.
Envolve-te na tolerância educada na força do bom senso. Respira
e distribui a caridade sem fanatismo, arregimenta as armas do perdão
incondicional e não penses no tempo em que a tua cooperação com os outros que esposam
as mesmas ideias venha a formar a fraternidade entre os povos.
Porque na verdade te digo que essa incompreensão que tanto
temes, tu a sentirás no nosso próprio meio, onde temos as melhores armas para
combatê-la. Mas, se continuares no bem até o fim, fazendo a tua parte, os
outros farão o mesmo e Deus fará o resto.
O silêncio cai sobre o salão e, grupo a grupo, os discípulos se
dispersam, pensando e repensando nas dificuldades de compreender e nos meios de
atingir a compreensão.