O homem quis e a matéria submeteu-se. Ao seu gesto, os elementos
inimigos, a água e o fogo, uniram-se rugindo e para ele têm trabalhado. É a lei
do esforço, lei suprema, pela qual o ser, se afirma, triunfa e desenvolve-se; é
a magnífica epopéia da História, a luta exterior que enche o mundo. A luta
interior não é menos comovente.
De cada vez que renasce, terá o Espírito de ajeitar, de
apropriar o novo invólucro material que lhe vai servir de morada e fazer dele
um instrumento capaz de traduzir, de exprimir as concepções do seu gênio.
Demasiadas vezes, porém, o instrumento resiste e o pensamento, desanimado,
retrai-se, impotente para adelgaçar, para levantar o pesado fardo que o sufoca
e aniquila.
Entretanto, pelo esforço acumulado, pela persistência dos
pensamentos e dos desejos, apesar das decepções, das derrotas, através das
existências renovadas, a alma consegue desenvolver as suas altas faculdades.
Há em nós uma surda aspiração, uma íntima energia misteriosa que
nos encaminha para as alturas, que nos faz tender para destinos cada vez mais
elevados, que nos impele para o belo e para o bem.
É a lei do progresso, a evolução eterna, que guia a humanidade
através das idades e aguilhoa cada um de nós, porque a humanidade são as
próprias almas, que, de século em século, voltam para prosseguir, com o auxílio
de novos corpos, preparando-se para mundos melhores, em sua obra de
aperfeiçoamento.
A história de uma alma não difere da história da humanidade; só
a escala difere: é a escala das proporções. O Espírito molda a matéria,
comunica-lhe a vida e a beleza. É por isso que a evolução é, por excelência,
uma lei de estética.
As formas adquiridas são o ponto de partida de formas mais
belas. Tudo se liga. A véspera prepara o dia seguinte; o passado gera o futuro.
A obra humana, reflexo da obra divina, expande-se em formas cada vez mais
perfeitas. A lei do progresso não se aplica somente ao homem; é universal.
Há, em todos os reinos da Natureza, uma evolução que foi
reconhecida pelos pensadores de todos os tempos. Desde a célula verde, desde o
embrião errante, boiando à flor das águas, a cadeia das espécies tem-se
desenrolado através de séries variadas, até nós.
Cada elo dessa cadeia representa uma forma da existência que
conduz a uma forma superior, a um organismo mais rico, mais bem adaptado às
necessidades, às manifestações crescentes da vida; mas, na escala da evolução,
o pensamento, a consciência e a liberdade só aparecem passados muitos graus.
Na planta a inteligência dormita; no animal ela sonha; só no
homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente; a partir daí o
progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode
realizar pelo acordo da vontade humana com as leis Eternas.
É pelo acordo, pela união da razão humana com a razão divina que
se edificam as obras preparatórias do reino de Deus, isto é, do reino da
sabedoria, da justiça, da bondade, de que todo ser racional e consciente tem em
si a intuição.
Assim, o estudo das leis da evolução, em vez de anular a
espiritualidade do homem, vem, pelo contrário, dar-lhe uma nova sanção;
ensina-nos como o corpo do homem pode derivar de uma forma inferior pela
seleção natural, mas nos mostra também que possuímos faculdades intelectuais e
morais de origem diferente e achamos essa origem no universo invisível, no
mundo sublime do Espírito.
A teoria da evolução deve ser completada pela da percussão, isto
é, pela ação das potências invisíveis, que ativa e dirige essa lenta e
prodigiosa marcha ascensional da vida do Globo. O mundo oculto intervém, em
certas épocas, no desenvolvimento físico da humanidade, como intervém no
domínio intelectual e moral, pela revelação medianímica.
Quando uma raça que chegou ao apogeu é seguida de uma nova raça,
é racional acreditar que uma família superior de almas encarna entre os
representantes da raça exausta para fazê-la subir um grau, renovando-a e
moldando-a à sua imagem. É o eterno himeneu entre o céu e a Terra, a infinita
penetração da matéria pelo espírito, a efusão crescente da vida psíquica na
forma em evolução.
O aparecimento dos homens na escala dos seres pode explicar-se
dessa forma. O homem, demonstra-nos a embriogenia, é a síntese de todas as
formas vivas que o precederam, o último elo da longa cadeia de vidas inferiores
que se desenrola através dos tempos.
Mas isso é apenas o aspecto exterior do problema das origens, ao
passo que amplo e imponente é o aspecto interior. Assim como cada nascimento se
explica pela descida à carne de uma alma que vem do espaço, assim também o
primeiro aparecimento do homem no Planeta deve ser atribuído a uma intervenção
das Potências invisíveis que geram a vida.
A essência psíquica vem comunicar às formas animais evoluídas o
sopro de uma nova vida; vai criar, para a manifestação da inteligência, um
órgão até então desconhecido: a palavra. Elemento poderoso de toda a vida
social, o verbo aparecerá e, ao mesmo tempo, a alma encarnada conservará,
mediante seu invólucro fluídico, a possibilidade de entrar em relações com o
meio donde saiu.
A evolução dos mundos e das almas é regida pela vontade divina,
que penetra e dirige toda a Natureza, mas a evolução física é uma simples
preparação para a evolução psíquica e a ascensão das almas prossegue muito além
da cadeia dos mundos materiais.
O que impera nas baixas regiões da vida é a luta ardente, o
combate sem tréguas de todos contra todos, a guerra perpétua em que cada ser
faz esforço para conquistar um lugar ao Sol, quase sempre em detrimento dos outros.
Essa peleja furiosa arrasta e dizima todos os seres inferiores nos seus
turbilhões.
O nosso Globo é como uma arena onde se travam batalhas
incessantes. A Natureza renova continuamente esses exércitos de combatentes. Na
sua prodigiosa fecundidade, gera novos seres; mas logo a morte ceifa em suas
fileiras cerradas.
Essa luta, horrenda à primeira vista, é necessária para o
desenvolvimento do princípio de vida, dura até o dia em que um raio de
inteligência vem iluminar as consciências adormecidas.
É na luta que a vontade se apura e afirma; é da dor que nasce a
sensibilidade. A evolução material, a destruição dos organismos é temporária;
representa a fase primária da epopéia da vida. As realidades imperecíveis estão
no Espírito; só ele sobrevive a esses conflitos.
Todos esses invólucros efêmeros não são mais do que vestuários
que vêm ajustar-se à sua forma fluídica permanente. Cobre-os com vestuários
para representar os numerosos atos do drama da evolução no vasto palco do
universo.
Emergir grau a grau do abismo da vida para tornar-se Espírito,
gênio superior, e isto por seus próprios méritos e esforços, conquistar o
futuro hora a hora, ir-se libertando dia a dia um pouco mais da ganga das
paixões, libertar-se das sugestões do egoísmo, da preguiça, do desânimo,
resgatar-se pouco a pouco das suas fraquezas, da sua ignorância, ajudando os
seus semelhantes a se resgatarem por sua vez, arrastando todo o meio humano
para um estado superior, tal é o papel distribuído a cada alma.
Para desempenhá-lo, tem ela à sua disposição toda a série de
existências inumeráveis na escala magnífica dos mundos. Tudo o que vem da
matéria é instável; tudo passa, tudo foge.
Os montes se vão pouco a pouco abatendo sob a ação dos
elementos; as maiores cidades convertem-se em ruínas, os astros acendem-se,
resplandecem, depois apagam-se e morrem; só a alma imperecível paira na duração
eterna.
O círculo das coisas terrestres aperta-nos e limita as nossas
percepções; mas quando o pensamento se separa das formas mutáveis e abarca a extensão
dos tempos, vê o passado e o futuro se juntarem, fremirem e viverem o presente.
O canto de glória, o hino da vida infinita enche os espaços,
sobe do âmago das ruínas e dos túmulos. Sobre os destroços das civilizações
extintas rebentam florescências novas. Efetua-se a união entre as duas
humanidades, visível e invisível, entre aqueles que povoam a Terra e os que
percorrem o espaço.
As suas vozes chamam, respondem umas às outras, e esses rumores,
esses murmúrios, vagos e confusos ainda para muitos, tornam-se para nós a
mensagem, a palavra vibrante que afirma a comunhão de amor universal.
Tal é o caráter complexo do ser humano – espírito, força e
matéria, em que se resumem todos os elementos constitutivos, todas as potências
do universo. Tudo o que está em nós está no universo e tudo o que está no
universo encontra-se em nós.
Pelo corpo fluídico e pelo corpo material o homem acha-se ligado
à imensa teia da vida universal; pela alma, a todos os mundos invisíveis e
divinos. Somos feitos de sombra e luz; somos a carne com todas as suas
fraquezas e o espírito com as suas riquezas latentes, as suas esperanças
radiosas, os seus surtos grandiosos, e o que está em nós em todos os seres se
encontra.
Texto do Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor
Autor: Leon Denis