Cada alma humana é uma projeção do grande Foco Eterno e é isso o
que consagra e assegura a fraternidade dos homens. Temos em nós os instintos
animais, mais ou menos comprimidos pelo trabalho longo e pelas provas das
existências passadas, e temos também a crisálida do anjo, do ser radioso e
puro, que podemos vir a ser pela impulsão moral, pelas aspirações do coração e
pelo sacrifício constante do “eu”.
Tocamos com os pés as profundezas sombrias do abismo e com a fronte
as alturas fulgurantes do céu, o império glorioso dos Espíritos. Quando
aplicamos o ouvido ao que se passa no fundo do nosso ser, ouvimos como o ruído
de águas ocultas e tumultuosas, o fluxo e refluxo do mar agitado da
personalidade que os vendavais da cólera, do egoísmo e do orgulho encapelam.
São as vozes da matéria, os chamamentos das baixas regiões, que
nos atraem e influenciam ainda as nossas ações; mas podemos dominar essas
influências com a vontade, podemos impor silêncio a essas vozes.
Quando em nós se faz a bonança, quando o murmúrio das paixões se
aplaca, eleva-se então a voz potente do Espírito Infinito, o cântico da vida
eterna, cuja harmonia enche a Imensidade. E quanto mais o Espírito se eleva,
purifica e ilustra, tanto mais o seu organismo fluídico se torna acessível às
vibrações, às vozes, ao influxo do Alto.
O Espírito Divino, que anima o universo, atua sobre todas as
almas; busca penetrá-las, esclarecê-las, fecundá-las; mas a maior parte se
deixa ficar na escuridão e no insulamento. Demasiado grosseiras ainda, não
podem sentir-lhe a influência nem ouvir os seus chamados.
Muitas vezes ele as cerca, as envolve, procura chegar às camadas
profundas das suas consciências, acordá-las para a vida espiritual. Muitas
resistem a essa ação, porque a alma é livre; outras somente a sentem nos
momentos solenes da vida, nas grandes provas, nas horas desoladas em que
experimentam a necessidade de um socorro do Alto e o pedem.
Para viver da vida superior a que se adaptam essas influências,
é necessário ter conhecido o sofrimento, praticado a abnegação, ter renunciado
às alegrias materiais, acendido e alimentado em si a chama, a luz interior que
se não apaga nunca e cujos reflexos iluminam, desde este mundo, as perspectivas
do Além.
Só múltiplas e penosas existências planetárias nos preparam para
essa vida. Assim se desvenda o mistério da Psique, a alma humana, filha do céu,
presa temporariamente na carne e que volta para sua pátria de origem ao longo
das milhares de mortes e renascimentos.
A tarefa é árdua e as subidas a escalar são difíceis; a espiral
assustadora a ser percorrida se desenrola sem um término aparente; mas nossas
forças não possuem limites, pois podemos renová-la incessantemente pela vontade
e pela comunhão universal.
E, depois, não estamos sozinhos para efetuar essa grande viagem.
Não apenas nos reuniremos, cedo ou tarde, com os seres amados, os companheiros
de nossas vidas passadas, aqueles que compartilharam nossas alegrias e nossos
tormentos, mas também com outros grandes seres, que também foram homens e que
agora são espíritos celestes e permanecem ao nosso lado nas passagens difíceis.
Aqueles que nos ultrapassaram no caminho sagrado não se
desinteressam de nossa sorte, e quando a tormenta maltrata nossa estrada, suas
mãos caridosas sustentam nossa caminhada.
Lenta e dolorosamente, amadurecemos para as tarefas cada vez
mais elevadas; participamos mais da execução de um plano cuja majestade enche
de uma admiração comovente aquele que nele entrevê as linhas imponentes.
À medida que nossa ascensão se acentua, maiores revelações nos
são feitas, novas formas de atividade, novos sentidos psíquicos nascem em nós,
coisas mais sublimes nos aparecem. O universo fluídico sempre se mostra mais
vasto para nosso desenvolvimento; ele se torna uma fonte inesgotável de
alegrias espirituais.
Posteriormente, chega a hora em que, após suas peregrinações
pelos mundos, a alma, das regiões da vida superior, contempla o conjunto de
suas existências, o longo cortejo dos sofrimentos por que passou. Esses
sofrimentos são o preço da sua felicidade, essas provas redundaram todas em seu
proveito, afinal ela o compreende.
Então, mudam-se os papéis. De protegida passa a protetora;
envolve com a sua influência os que lutam ainda nas terras do espaço, insufla-lhes
os conselhos da própria experiência; sustenta-os na via árdua, nas sendas
ásperas que ela própria percorreu.
Conseguirá a alma chegar um dia ao termo da sua viagem?
Avançando pelo caminho traçado, ela vê sempre se abrirem novos campos de
estudos e descobertas.
Semelhantes à corrente de um rio, as águas da Ciência suprema
descem para ela em torrente cada vez mais caudalosa. Chega a penetrar a santa Harmonia
das coisas, a compreender que não existe nenhuma discordância, nenhuma
contradição no universo; que por toda parte reinam a ordem, a sabedoria, a
providência, e a sua confiança e seu entusiasmo aumentam cada vez mais.
Com amor maior ao Poder Supremo, ela saboreia de maneira mais
intensa as felicidades da vida bem-aventurada.
Daí em diante está intimamente associada à obra divina; está
preparada para desempenhar as missões que cabem às almas superiores, à
hierarquia dos Espíritos que, por diversos títulos, governam e animam o Cosmo,
porque essas almas são os agentes de Deus na obra eterna da Criação, são os
livros maravilhosos em que Ele escreveu os seus mais belos mistérios, são como
as correntes que vão levar às terras do espaço as forças e as radiações da Alma
Infinita.
Deus conhece todas as almas, que formou com o seu pensamento e o
seu amor. Sabe o grande partido que delas há de tirar mais tarde para a
realização das suas vistas.
A princípio, deixa-as percorrer vagarosamente as vias sinuosas,
subir os sombrios desfiladeiros das vidas terrestres, acumular pouco a pouco em
si os tesouros de paciência, de virtude, de saber, que se adquirem na escola do
sofrimento.
Mais tarde, enternecidas pelas chuvas e pelas rajadas da
adversidade, amadurecidas pelos raios do sol divino, saem da sombra dos tempos,
da obscuridade das vidas inumeráveis, e eis que suas faculdades desabrocham em
feixes deslumbrantes; a sua inteligência revela-se em obras que são como que o
reflexo do Gênio Divino.
Texto do Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor
Autor: Leon Denis