As portas do deserto erguem-se os templos, os pilonos e as
pirâmides, florestas de pedra debaixo de um céu de fogo. As esfinges, retraídas
e sonhadoras, contemplam a planície, e as necrópoles, talhadas na rocha, abrem seus
sólios profundos à margem do rio silencioso. É o Egito, terra estranha, livro
venerável, no qual o homem moderno apenas começa a soletrar o mistério das
idades, dos povos e das religiões.
A Índia, diz a maior parte dos orientalistas, comunicou ao Egito
a sua civilização e a sua fé; outros, não menos eruditos, afirmam que, em época
remota, já a terra de Ísis possuia suas próprias tradições. Estas são a herança
de uma raça extinta, a vermelha, que ocupava todo o Continente austral, e que
foi aniquilada por lutas formidáveis contra os brancos e por cataclismos
geológicos.
A Esfinge de Gizé, anterior em vários milhares de anos à grande
pirâmide, e levantada pelos vermelhos no ponto em que o Nilo se juntava então
ao mar, é um dos raros monumentos que esses tempos remotos nos legaram.
A leitura das estrelas, a dos papiros encontrados nos túmulos,
permite reconstituir a história do Egito, ao mesmo tempo que essa antiga
doutrina do Verbo-Luz, divindade de tríplice natureza, simultaneamente
inteligência, força e matéria: espírito, alma e corpo, que oferece uma analogia
perfeita com a filosofia da Índia.
Aqui, como lá, encontra-se, debaixo da grosseira forma cultual,
o mesmo pensamento oculto. A alma do Egito, o segredo da sua vitalidade, o do
seu papel histórico, é a doutrina oculta dos seus sacerdotes, cuidadosamente
velada sob os mistérios de Ísis e Osíris, e experimentalmente analisada, no
fundo dos templos, por Iniciados de todas as classes e de todos os países.
Sob formas austeras, os princípios dessa doutrina eram expressos
pelos livros sagrados de Hermes, que constituíam uma vasta enciclopédia. Ali se
encontravam classificados os conhecimentos humanos, mas nem todos os livros
chegaram até nós.
A ciência religiosa do Egito foi-nos restituída sobretudo pela
leitura dos hieróglifos. Os templos são igualmente livros, e pode dizer-se que
na terra dos faraós as pedras têm voz. Um dos grandes sábios modernos,
Champollion, descobriu três espécies de escrita nos manuscritos e sobre os
templos egípcios.
Por aí ficou confirmada a opinião dos antigos, isto é, que os
sacerdotes empregavam três classes de caracteres: os primeiros, demóticos, eram
simples e claros; os segundos, hieráticos, tinham um sentido simbólico e
figurado; os outros eram hieróglifos. É o que Heráclito exprimia pelos termos
de falante, significante e ocultante.
Os hieróglifos tinham um triplo sentido e não podiam ser
decifrados sem chave. A esses sinais aplicava-se a lei da analogia que rege os
mundos: natural, humano e divino, e que permite exprimir os três aspectos de
todas as coisas por combinações de números e figuras, que reproduzem a simetria
harmoniosa e a unidade do Universo.
É assim que, num mesmo sinal, o adepto lia, ao mesmo tempo, os
princípios, as causas e os efeitos, e essa linguagem tinha para ele
extraordinário valor. Saído de todas as classes da sociedade, mesmo das mais
ínfimas, o sacerdote era o verdadeiro senhor do Egito; os reis, por ele
escolhidos e iniciados, só governavam a nação a título de mandatários.
Altas concepções, uma profunda sabedoria, presidiam aos destinos
desse país. No meio do mundo bárbaro, entre a Assíria feroz, apaixonada, e a
África selvagem, a terra dos faraós era como uma ilha açoitada pelas ondas em
que se conservavam as puras doutrinas, a ciência secreta do mundo antigo. Os
sábios, os pensadores, os diretores de povos, gregos, hebreus, fenícios, etruscos,
iam beber nessa fonte.
Por Intermédio deles, o pensamento religioso derramava-se dos
santuários de Ísis sobre todas as praias do Mediterrâneo, fazendo despontar civilizações
diversas, dessemelhantes mesmo, conforme o caráter dos povos que as recebiam,
tornando-se monoteísta, na Judéia, com Moisés, politeísta, na Grécia, com
Orfeu, porém uniforme em seu princípio oculto, em sua essência misteriosa.
O culto popular de Ísis e de Osíris não era senão uma brilhante
miragem oferecida à multidão. Debaixo da pompa dos espetáculos e das cerimônias
públicas, ocultava-se o verdadeiro ensino dos pequenos e grandes mistérios. A iniciação
era cercada de numerosos obstáculos e de reais perigos.
As provas físicas e morais eram longas e múltiplas. Exigia-se o
juramento de sigilo, e a menor indiscrição era punida com a morte. Essa temível
disciplina dava forma e autoridade incomparáveis à religião secreta e à
iniciação. À medida que o adepto avançava em seu curso, descortinavam-se lhe os
véus, fazia-se mais brilhante a luz, tornavam-se vivos e animados os símbolos.
A Esfinge, cabeça de mulher em corpo de touro, com garras de
leão e asas de águia, era a Imagem do ser humano emergindo das profundezas da animalidade
para atingir a sua nova condição. O grande enigma era o homem, trazendo em si
os traços sensíveis da sua origem, resumindo todos os elementos e todas as
forças da natureza inferior.
Deuses extravagantes com cabeça de pássaros, de mamíferos, de serpentes,
eram outros símbolos da Vida, em suas múltiplas manifestações. Osíris, o deus
solar, e Ísis, a grande Natureza, eram celebrados por toda parte; mas, acima
deles, havia um Deus inominado, de que só se falava em voz baixa e com timidez.
Antes de tudo, o neófito aprendia a conhecer-se. O hierofante
falava-lhe assim: “Oh! Alma cega, arma-te com o facho dos mistérios, e, na
noite terrestre, descobrirás teu dúplice luminoso, tua alma celeste. Segue esse
gênio divino e que ele seja teu guia, porque tem a chave das tuas existências
passadas e futuras”.
No fim de suas provas, fatigado pelas emoções, tendo dez vezes
encarado a morte, o iniciado via aproximar-se dele uma imagem de mulher,
trazendo um rolo de papiros. “Sou tua irmã invisível, dizia ela, sou tua alma
divina, e isto é o livro da tua vida. Ele encerra as páginas cheias das tuas
existências passadas e as páginas brancas das tuas vidas futuras.
Um dia as desenrolarei todas diante de ti. Agora me conheces.
Chama-me e eu virei”. Enfim, na varanda do templo, debaixo do céu estrelado,
diante de Mênfis ou Tebas adormecidas, o sacerdote contava ao adepto a visão de
Hermes, transmitida vocalmente de pontífice a pontífice e gravada em sinais hieroglíficos
nas abóbadas das criptas subterrâneas.
Um dia, Hermes viu o espaço, os mundos e a vida, que em todos os
lugares se expandia. A voz da luz que enchia o infinito revelou-lhe o divino
mistério: “A luz que viste é a Inteligência Divina que contêm todas as coisas
sob seu poder e encerra os moldes de todos os seres.
“As trevas são o mundo material em que vivem os homens da Terra.
“O fogo que brota das profundezas é o Verbo Divino: Deus é o Pai, o Verbo é o
Filho, sua união faz a Vida. “O destino do Espírito humano tem duas fases:
cativeiro na matéria, ascensão na luz. As almas são filhas do céu, e a viagem
que fazem é uma prova.
Na encarnação perdem a reminiscência de sua origem celeste.
Cativas pela matéria, embriagadas pela vida, elas se precipitam como uma chuva
de fogo com estremecimentos de volúpia, através da região do sofrimento, do amor
e da morte, até à prisão terrestre em que tu mesmo gemes, e em que a vida
divina parece-te um sonho vão.
“As almas inferiores e más ficam presas à Terra por múltiplos renascimentos,
porém as almas virtuosas sobem voando para as esferas superiores, onde recobram
a vista das coisas divinas. Impregnam-Se com a lucidez da consciência
esclarecida pela dor, com a energia da vontade adquirida pela luta.
Tornam-se luminosas, porque possuem o divino em si próprias e
irradiam-no em seus atos. Reanima, pois, teu coração, ó Hermes, e tranqüiliza
teu espírito obscurecido pela contemplação desses vôos de almas subindo a
escala das esferas que conduz ao Pai, onde tudo se acaba, onde tudo começa
eternamente.
E as sete esferas disseram juntas: Sabedoria! Amor! Justiça!
Beleza! Esplendor! Ciência! Imortalidade!
O pontífice acrescentava: “Medita sobre esta visão. Ela encerra
o segredo de todas as coisas. Quanto mais souberes compreendê-la, tanto mais
verás se alargarem os seus limites, porque governa a mesma lei orgânica os
mundos todos. Entretanto, o véu do mistério cobre a grande verdade, pois o
conhecimento total desta só pode ser revelado àqueles que atravessarem as
mesmas provas que nós.
É preciso medir a verdade segundo as inteligências, velá-la aos
fracos porque os tornaria loucos, ocultá-la aos maus que dela fariam arma de
destruição. A ciência será tua força, a fé tua espada, o silêncio teu escudo”.
A ciência dos sacerdotes do Egito ultrapassava em bastantes
pontos a ciência atual. Conheciam o Magnetismo, o Sonambulismo, curavam pelo
sono provocado e praticavam largamente a sugestão. É o que eles chamavam — Magia.
O alvo mais elevado a que um iniciado podia aspirar era a conquista desses poderes,
cujo emblema era a coroa dos magos.
“Sabei, diziam-lhe, o que significa esta coroa. Tua vontade, que
se une a Deus para manifestar a verdade e operar a justiça, participa, já nesta
vida, da potência divina sobre os seres e sobre as coisas, recompensa eterna
dos espíritos livres”.
“O gênio do Egito foi prostrado pela onda das Invasões. A escola
de Alexandria colheu algumas das suas parcelas, que transmitiu ao Cristianismo nascente.
Antes disto, porém, os iniciados gregos tinham feito penetrar as doutrinas
herméticas na Hélade. É aí que vamos encontrá-las.
Compilado do livro: Depois da Morte
Autor: Leon Denis