Entre os povos de iniciativa, nenhum há cuja
missão se manifeste com maior brilho do que o da Hélade. A Grécia iniciou a
Europa em todos os esplendores do belo. De sua mão aberta saiu a, civilização
ocidental, e o seu gênio de vinte séculos atrás ainda hoje se irradia sobre as
nações.
Por isso é que, apesar de seus
desmembramentos, de suas lutas intestinas, de sua queda final, ela tem sido
admirada em todas as épocas. A Grécia soube traduzir, em linguagem clara, as
belezas obscuras da sabedoria oriental. Exprimiu-as a princípio com o adjutório
dessas duas harmonias celestes que tornou humanas: a Música e a Poesia.
Orfeu e Homero foram os primeiros que fizeram
ouvir seus acordes à terra embevecida. Mais tarde, esse ritmo, essa harmonia
que o gênio nascente da Grécia havia introduzido na palavra e no canto,
Pitágoras, o iniciado dos templos egípcios, observou-os por toda parte do
Universo, na marcha dos astros que se movem, futuras moradas da Humanidade, no
seio dos espaços, na concordância dos três mundos, natural, humano e divino,
que se sustentam, se equilibram, se completam, para produzirem a vida em sua
corrente ascensional e em sua espiral infinita.
Dessa visão estupenda decorria para ele a
idéia de uma tríplice iniciação, pela qual o homem, conhecedor dos princípios
eternos, aprendia, depurando-se, a libertar-se dos males terrestres e a
elevar-se para a perfeição. Daí um sistema de educação e de reforma a que
Pitágoras deixou o seu nome, e que tantos sábios e heróis produziu.
Enfim, Sócrates e Platão, popularizando os
mesmos princípios, derramando os em círculo mais lato, inauguraram o reinado da
ciência franca, que veio substituir o ensino secreto. Tal foi o papel
representado pela Grécia na história da evolução do pensamento.
Em todos os tempos, a iniciação exerceu uma influência
capital sobre os destinos desse país. Não é nas flutuações políticas, agitadas
nessa raça inconstante e impressionável, que se devem procurar as mais altas manifestações
do gênio helênico.
A iniciação não tinha seu foco na sombria e brutal
Esparta, nem na brilhante e frivola Atenas, mas, sim, em Delfos, em Olímpia, em
Elêusis, refúgios sagrados da pura doutrina. Era ali que, pela celebração dos
mistérios, ela se revelava em toda a sua pujança. Ali, pensadores, poetas e
artistas iam colher o ensino oculto, que depois traduziam à multidão em imagens
vivas e em versos inflamados.
Acima das cidades turbulentas, sempre prontos
a se dilacerarem, acima das oscilações políticas, passando alternativamente da
aristocracia à democracia e ao reinado dos tiranos, um poder supremo dominava a
Grécia: o tribunal dos Anfitriões, que tinha Delfos por sede, e que se compunha
de iniciados de grau superior.
Por si só, ele salvara a Hélade nas horas de
perigo, impondo silêncio às rivalidades de Esparta e de Atenas. Já no tempo de
Orfeu os templos possuíam a ciência secreta.
“Escuta, dizia o mestre ao neófito, escuta as
verdades que convém ocultar à multidão, e que fazem a força dos santuários.
Deus é um, e sempre semelhante a si mesmo; porém, os deuses são inumeráveis e
diversos, porque a divindade é eterna e infinita. Os maiores são as aluías dos
astros, etc.
“Entraste com o coração puro no seio dos
Mistérios. Chegou a hora suprema em que te vou fazer penetrar até às fontes da
vida e da luz. Os que não levantam o véu espesso que esconde aos olhos dos
homens as maravilhas invisíveis não se tornarão filhos dos Deuses”.
Aos místicos e aos iniciados: “Vinde gozar,
vós que tendes sofrido; vinde repousar, vós que tendes lutado. Pelos sofrimentos
passados, pelo esforço que vos conduz, vencereis, e, se acreditais nas palavras
divinas, já vencestes, porque, depois do longo circuito das existências
tenebrosas, saireis, enfim, do círculo doloroso das gerações, e, como uma só
alma, vos encontrareis na luz de Dionisos”.
“Amai, porque tudo ama; amai, porém, a luz e
não as trevas. Durante a vossa viagem tende sempre em mira esse alvo. Quando as
almas voltam ao espaço, trazem, como hediondas manchas, todas as faltas da sua
vida estampadas no corpo etéreo... E, para apagá-las, cumpre que expiem e
voltem à Terra. Entretanto, os puros, os fortes, vão para o sol de Dionisos”.
Domina o grupo dos filósofos gregos uma
imponente figura. É Pitágoras, esse filho de Iônia que melhor soube coordenar e
pôr em evidência as doutrinas secretas do Oriente, e melhor soube fazer delas
uma vasta síntese, que ao mesmo tempo abraçasse a moral, a ciência e a
religião.
A sua Academia de Crotona foi uma escola
admirável de iniciação laica, e sua obra, o prelúdio desse grande movimento de
idéias que, com Platão e Jesus, iam agitar as camadas profundas da sociedade
antiga, impelindo suas torrentes até às extremidades do continente.
Pitágoras havia estudado durante trinta anos
no Egito. Aos seus vastos conhecimentos juntava uma intuição maravilhosa, sem a
qual nem sempre bastam a observação e o raciocínio para descobrir a verdade.
Graças a tais qualidades, pôde levantar o magnífico monumento da ciência
esotérica, cujas linhas essenciais não podemos deixar de aqui traçar:
“A essência em si escapa ao homem, dizia a
doutrina pitagórica, pois ele só pode conhecer as coisas deste mundo, em que o
finito se combina com o infinito. Como conhecê-las? Há entre ele e as coisas
uma harmonia, uma relação, um princípio comum, e esse princípio é dado a tudo
pelo Uno que, com a essência, fornece também a sua medida e inteligibilidade”.
“Vosso ser, vossa alma é um pequeno universo,
mas está cheio de tempestades e de discórdias. Trata-se de realizar aí a
unidade na harmonia. Somente então descerá Deus até vossa consciência,
participareis assim do seu poder, e da vossa vontade fareis a pedra da ladeira,
o altar de Hestia, o trono de Júpiter”.
Os pitagóricos chamavam Espírito ou
inteligência à parte ativa e imortal do ser humano. A alma era para eles o Espírito
envolvido em seu corpo fluídico e etéreo. O destino da Psique, a alma humana,
sua queda e cativeiro na carne, seus sofrimentos e lutas, sua reascensão
gradual, seu triunfo sobre as paixões e sua volta final à luz, tudo isto
constituía o drama da vida, representado nos Mistérios de Elêusis como sendo o ensino por
excelência.
Segundo Pitágoras, a evolução material dos
mundos e a evolução espiritual das almas são paralelas, concordantes, e
explicam-se uma pela outra. A grande alma, espalhada na Natureza, anima a
substância que vibra sob seu impulso, e produz todas as formas e todos os
seres.
Os seres conscientes, por seus longos
esforços, desprendem-se da matéria, que dominam e governam a seu turno,
libertam-se e aperfeiçoam-se através de existências inumeráveis. Assim, o
invisível explica o visível, e o desenvolvimento das criações materiais é a
manifestação do Espírito Divino.
Procurando-se nos tratados de Física dos
antigos a opinião deles sobre a estrutura do Universo, enfrentam-se dados grosseiros
e atrasados; esses não são, porém, mais que alegorias. O ensino secreto dava,
sobre as leis do Universo, noções muito mais elevadas.
Diz-nos Aristóteles que os pitagóricos conheciam
o movimento da Terra em torno do Sol. A idéia da rotação terrestre veio a
Copérnico pela leitura de uma passagem de Cícero, que lhe ensinou ter Hicetas,
discípulo de Pitágoras, falado do movimento diurno do globo. No terceiro grau
de iniciação aprendia-se o duplo movimento da Terra.
Como os sacerdotes do Egito, seus mestres,
Pitágoras sabia que os planetas nasceram do Sol, em torno do qual giram, e que
cada estrela é um sol iluminando outros mundos, e que compõe, com seu cortejo
de esferas, outros tantos sistemas siderais, outros tantos universos regidos
pelas mesmas leis que o nosso.
Essas noções, porém, jamais eram confiadas ao
papel; constituíam o ensino oral comunicado sob sigilo. O vulgo não as compreenderia;
considerá-las-ia como contrárias à mitologia, e, por conseguinte, sacrílegas.
A ciência secreta também ensinava que um
fluído imponderável se estende por toda parte, e tudo penetra. Agente sutil,
sob a ação da vontade ele se modifica, se transforma, se rarefaz e se condensa
segundo a potência e elevação das almas que o empregam, tecendo com essa
substância o seu vestuário astral.
É o traço de união entre o Espírito e a
matéria, tudo gravando se nele, refletindo-se como imagens em um espelho, sejam
pensamentos ou acontecimentos. Pelas propriedades deste fluído, pela ação que a
vontade sobre ele exerce, explicam-se os fenômenos da sugestão e da transmissão
do pensamento.
Os antigos chamavam-lhe, por alegoria, véu
misterioso de Ísis ou manto de Cibele, que envolve tudo o que existe. Esse
mesmo fluído serve de veículo de comunicação entre o visível e o invisível, entre
os homens e as almas desencarnadas.
A ciência do mundo invisível constituía um
dos ramos mais importantes do ensino reservado. Por ela se havia sabido
deduzir, do conjunto dos fenômenos, a lei das relações que unem o mundo
terrestre ao mundo dos Espíritos; desenvolviam-se com método as faculdades
transcendentais da alma humana, tornando possível a leitura do pensamento e a
vista a distância.
Os fatos de clarividência e de adivinhação,
produzidos pelas sibilas e pitonisas, oráculos dos templos gregos, são
atestados pela História. Muitos espíritos fortes os consideram apócrifos.
Sem dúvida, cumpre levar em conta a
exageração e a lenda; mas, as recentes descobertas da psicologia experimental
têm-nos demonstrado que nesse domínio havia alguma coisa mais do que vã superstição,
e convidam-nos a estudar mais atentamente um conjunto de fatos que, na
antigüidade, repousava sobre princípios fixos e fazia parte de uma ciência
profunda e grandiosa.
Em geral, não se encontram essas faculdades
senão em seres de pureza e elevação de sentimento extraordinária; exigem
preparo longo e minucioso. Os oráculos referidos por Heródoto, a propósito de
Creso e da batalha de Salamina, provam que Delfos possuiu pessoas assim
dotadas. Mais tarde, imiscuíram-se abusos nessa prática.
A raridade das pessoas assim felizmente dotadas
tornou os sacerdotes menos escrupulosos na sua escolha. Corrompeu-se e caiu em
desuso a ciência adivinhatória. Segundo Plutarco, a desaparição dessa ciência
foi considerada por toda a sociedade antiga como uma grande desgraça.
Toda a Grécia acreditava na intervenção dos
Espíritos em coisas humanas. Sócrates tinha o seu Daimon ou Gênio familiar.
Exaltados pela convicção de que potências invisíveis animavam seus esforços, os
gregos, em Maratona e Salanina, repeliram pelas armas a terrível invasão dos
persas.
Em Maratona, os atenienses acreditaram ver
dois guerreiros, brilhantes de luz, combaterem em suas fileiras. Dez anos mais
tarde, Pítia, sacerdotisa de Apolo, sob a inspiração dum Espírito, indicou a
Temístocles, do alto da sua trípode, os meios de salvar a Grécia. Se Xerxes
caísse vencedor, os asiáticos bárbaros apoderar-se-iam de toda a Hélade,
abafando o seu gênio criador, fazendo recuar, dois mil anos talvez, o
desabrochar da ideal beleza do pensamento.
Os gregos, com um punhado de homens,
derrotaram o imenso exército asiático, e, conscientes do socorro oculto que os
assistia, rendiam suas homenagens a Palas-Ateneu, divindade tutelar, símbolo da
potência espiritual, nessa sublime rocha da Acrópole, moldurada pelo mar brilhante
e pelas linhas grandiosas do Pentéllco e do Himeto.
Para a difusão dessas idéias muito havia
contribuído a participação nos Mistérios, pois desenvolvia nos iniciados o
sentimento do invisível, que, então, sob formas diversas, se espalhava entre o
povo. Na Grécia, no Egito e na Índia, consistiam os Mistérios em uma mesma
coisa: o conhecimento do segredo da morte, a revelação das vidas sucessivas e a
comunicação com o mundo oculto.
Esse ensino, essas práticas, produziam nas
almas impressões profundas; infundiam-lhes uma paz, uma serenidade, uma força moral
incomparável. Sófocles chama aos Mistérios “esperança da morte”, e Aristófanes
diz que passavam uma vida mais santa e pura os que neles tomavam parte.
Recusava-se a admitir os conspiradores, os perjuros e os debochados.
Porfiro escreveu: “Nossa alma, no momento da
morte, deve achar-se como durante os Mistérios, isto é, isenta de paixão, de
cólera e de ócio”. Pelos seguintes termos, Plutarco afirma que, nesse mesmo
estado, conversava-se com as almas dos defuntos: “Na maior parte das vezes, intervinham
nos Mistérios excelentes Espíritos, embora, em algumas outras, procurassem os
perversos ali se introduzirem”.
Proclo também acrescenta: “Em todos os
Mistérios, os deuses (aqui, significa esta palavra todas as ordens de
espíritos) mostram-se de muitas maneiras, aparecem sob grande variedade de
figuras e revestem a forma humana”.
A doutrina esotérica era um laço de união
entre o filósofo e o padre. Eis o que explica a sua harmonia em comum e a ação
medíocre que o sacerdócio teve na civilização helênica. Essa doutrina ensinava
os homens a dominarem as suas paixões, e desenvolvia neles a vontade e a
intuição.
Por um exercício progressivo, os adeptos de
grau superior conseguiam penetrar todos os segredos da Natureza, dirigir à
vontade as forças em ação no mundo, produzir fenômenos de aparição
sobrenatural, mas que, entretanto, eram simplesmente a manifestação natural das
leis desconhecidas pelo vulgo.
Sócrates e, mais tarde, Platão continuaram na
Atica a obra de Pitágoras. Sócrates não quis jamais fazer-se iniciar, porque
preferia a liberdade de ensinar a toda gente as verdades que a sua razão lhe
havia feito descobrir. Depois da morte deste, Platão transportou-se ao Egito e
ali foi admitido nos Mistérios. Voltando a conferenciar com os pitagóricos,
fundou, então, a sua academia. Mas, a sua qualidade de iniciado não mais lhe
permitia falar livremente, e, nas suas obras, a grande doutrina aparece um
tanto velada.
Não obstante isso, encontram-se no Fedon e no
Banquete a teoria das emigrações da alma e suas reencarnações, assim como a das
relações entre os vivos e os mortos. Conhece-se, igualmente, a cena alegórica
que Platão colocou no fim da sua República.
Um gênio tira, de sobre os joelhos das
Parcas, os destinos, as diversas condições humanas, e exclama: “Almas divinas! Entrai
em corpos mortais; ide começar uma nova carreira. Eis aqui todos os destinos da
vida. Escolhei livremente; a escolha é irrevogável. Se for má, não acuseis por
isso a Deus”.
Essas crenças tinham penetrado no mundo
romano, pois Cícero a elas se refere, no Sonho de Cipião (capítulo III), bem
como Ovídio, nas suas Metamorfoses (capítulo XV). No sexto livro da Eneida, de
Virgílio, vê-se que Enéias encontra nos Campos Elíseos seu pai Anquises, e
aprende deste a lei dos renascimentos. Todos os grandes autores latinos dizem
que os Gênios familiares assistem e inspiram os homens de talento.
Lucano, Tácito, Apuleio, e bem assim
Filóstrato, o grego, em suas obras falam freqüentemente de sonhos, aparições e
evocações de mortos. Em resumo, a doutrina secreta, mãe das religiões e das
filosofias, reveste aparências diversas no correr das idades, mas sua base
permanece imutável em toda parte.
Nascida simultaneamente na Índia e no Egito,
passa daí para o Ocidente com a onda das migrações. Encontramo-la em todos os
países ocupados pelos celtas. Oculta na Grécia pelos Mistérios, ela se revela
no ensino de mestres tais como Pitágoras e Platão, debaixo de formas cheias de sedução
e poesia. Os mitos pagãos são como um véu de ouro que esconde em suas dobras as
linhas puras da sabedoria délfica.
A escola de Alexandria recolhe os seus
princípios e infunde-os no sangue jovem e impetuoso do Cristianismo. Já o
Evangelho, como a abóbada das florestas sob um sol brilhante, era iluminado
pela ciência esotérica dos essênios, outro ramo dos iniciados. A palavra do
Cristo havia bebido nessa fonte de água viva e inesgotável as suas imagens
variadas e os seus encantos poderosos.
Assim é que, por toda parte, através da
sucessão dos tempos e do rasto dos povos, se afirmam a existência e a
perpetuidade de um ensino secreto que se encontra idêntico no fundo de todas as
grandes concepções religiosas ou filosóficas.
Os sábios, os pensadores, os profetas dos
templos e dos países mais diversos, nele acharam a inspiração e a energia que
fazem empreender grandes coisas e transformar almas e sociedades, impelindo-as
para a frente na estrada evolutiva do progresso.
Há aí como que uma grande corrente espiritual
que se desenrola misteriosamente nas profundezas da História, e parece sair
desse mundo invisível que nos domina, nos envolve, e onde vivem e atuam ainda
os grandes Espíritos que têm servido de guias à Humanidade, e que jamais
cessaram de com ela comunicar-se.
Compilado do livro: Depois da Morte
Autor: Leon Denis