André, irmão de Pedro, também de Betsaida,
era pescador de profissão, como seu irmão. Nascera naquela aldeia sob o
beneplácito estrutural da religião judaica, modelada pelo famoso profeta
judeu-egípcio Moisés, escolhido entre milhões para compor o livro mais
conhecido do mundo, no qual todas as religiões, ou quase todas, se baseiam.
Todos os escritores consultam esse livro, ou
quase todos. Todas as nações o respeitam, ou quase todas. Todas as leis da
Terra nele se assentam, ou quase todas. O próprio Moisés talvez não imaginasse
a fama que esse livro sagrado poderia dar a seu nome, nem que as escrituras fossem
servir de ponto indicativo das pregações do grande Messias.
André de Betsaida tinha um caráter formado
nesse ambiente que tinha como lei central os dez mandamentos, para que todos
pudessem disciplinar seus impulsos por eles, amando a Deus para amar ao
próximo. André, quando conheceu Jesus, já era discípulo de João, o Batista.
Convidado pelo seu primeiro Mestre, passara
com ele aquela noite no deserto, conversando sobre as coisas de Deus, sobre a
vida futura, sobre o dever do homem para com a vida na terra, o caminho do
arrependimento, no sentido de alcançar melhor e mais profundo entendimento
sobre os preceitos de Deus.
Ali, certa hora da madrugada, André, já
cochilando, é tocado por João que, com os olhos fitos no infinito, como se
estivesse conversando com as estrelas, fala, sorrindo:
André, meu filho, queres saber realmente
quando o Messias terá de vir para salvar a humanidade? Eu te falo como se fosse
a boca do Senhor que está nos céus. Ele já se encontra na Terra, e eu, em
primeiro lugar, já o conheço há muito tempo, sem, contudo, ter a ciência de que
Ele era o salvador do mundo. E se queres saber mesmo, esse de que te falo é Jesus
de Nazaré, filho de Maria, que tem por companheiro José, o carpinteiro.
André estremeceu nos seus alicerces! Pensara
muitas vezes que o Salvador era João Batista. E João fala ao irmão de Pedro com
segurança:
Eu, André, vim primeiro abrir as veredas, dar
o sinal, abrir as portas dos corações pelo arrependimento, para que o amor
encontre acesso na alma faminta das gerações. Esse Messias de que te falo tem a
assistência de grande movimento de anjos nos céus, que tomam providências no
sentido de que sua palavra seja cumprida.
Não sou digno de ser seu servo. Tudo o que
foi dito dele há de se cumprir, para que reconheçamos a sua missão na Terra. André
perdeu totalmente a vontade de dormir naquela noite. Não tirava os olhos dos
céus, para ver se via alguma coisa, relacionada com o que ouvira de João
Batista, acerca de Jesus.
André foi visitar o novo profeta e
cientificou-se da verdade, tendo feito todo o empenho para levar Pedro a Jesus.
Quem guiou os dois ao Mestre foi Filipe. Foi o guia dos dois irmãos de
Betsaida, para depois ser um dos convidados do grande Mestre.
André conversava bastante, mas com pessoas da
sua amizade. Logo que começasse a juntar mais gente, calava-se, era
introvertido. O acanhamento era uma barreira que o impedia, às vezes, de realizar
muitas coisas. Em meio à multidão, mesmo que dominasse um assunto, perdia
totalmente a inspiração e corava com facilidade. O seu estado emocional
tirava-o de muitas alegrias.
Conversara com João sobre isso e o homem do
deserto o aconselhara que esperasse, dizendo que poderia ser uma porta fechada
por Deus, para que ele, André, pudesse crescer em determinadas virtudes e saber
controlar, mais tarde, suas próprias emoções.
O irmão de Pedro já se encontrava em Betsaida
há semanas, em casa de parentes. Não quisera sair dali enquanto se processavam
as reuniões com o Divino Mestre e era o primeiro a chegar todas as noites ao
casarão.
Suas andanças se limitavam ao trabalho da
pesca, no Lago de Genesaré. Enquanto as estrelas piscavam no infinito,
emprestando suas claridades à lua, André coloca o seu pé direito dentro do
grande rancho dos pescadores, saudando-os com a frase: “A paz seja nesta casa”.
Daí a pouco, todos tomavam assento em torno
do Mestre de Nazaré. A visão do Cristo envolve de cheio a Tiago, que logo
compreende e ergue aos céus fervorosa oração.
André já havia conversado com Pedro acerca de
suas dúvidas na maneira pela qual entendia a igualdade e, na hora, sentiu que
alguém que ele não via pedia-lhe para perguntar a Jesus sobre esse tema que tanto
fascina os humildes e pequeninos, quanto é desprezado pelos latifundiários. E
foi o que fez, com constrangimento, assim discorrendo:
— Mestre! Tomo a liberdade, nesta noite que
melhor poderia ser aproveitada por irmãos mais conscientes da verdade, de
perguntar ao Senhor qual o papel da Igualdade no seio da comunidade humana e,
por assim dizer, no nosso meio, tendo a Tua presença como se fosse o próprio
Deus.
Abaixa a cabeça e espera escutar a verdade.
Olha várias vezes para Pedro, sorridente, e o discípulo da fé aprova seu gesto
e senta-se tranquilo. Jesus, com a ternura peculiar, responde, compreensivo:
— André, meu filho! Sendo Deus todo amor e
justiça, não poderíamos acreditar em desigualdade no mundo e no grande rebanho
do seu coração. Contudo, assim como tu não és capaz de encontrar uma folha
igualzinha à outra, na imensidão da floresta, nem árvores, nem animais, nem
insetos, também não encontraste nunca um rosto, chorando, sorrindo ou em estado
normal, igual ao outro na sua estrutura física.
E no caráter, na disposição do bem? No fundo,
todos somos feitos iguais, como, certamente, as coisas que nos cercam. Porém, cada
um de nós e cada coisa está como expressa no sonho de Jacó, em forma de escada:
cada um e cada coisa vive em um degrau da vida, expressando o mundo em que
vive.
Jesus fez uma pausa, esperando a assimilação
dos companheiros, com serenidade. André procurava gravar tudo o que ouvira, mas
pouco entendia das comparações do Mestre. Olhava muito para o irmão, que era
mais avançado no entendimento. Este, devagarinho, muda de lugar, assentando- se
junto a ele e falando ao seu ouvido:
— Não te desesperes, André. Deixa primeiro
cozinhar para que tu tenhas maior sabor na comida. Ainda não temos capacidade
de entender o Cristo com a mesma facilidade com que perguntamos sobre os nossos
problemas. Por vezes, eu tenho dificuldade até de formular as perguntas, e,
muito pior, entender o que Ele fala. Não te aflijas, espera.
André sentiu-se consolado. Jesus retoma a
palavra, com sabedoria e discrição:
— André, será que quando alimentas o ideal de
Igualdade, não pensas somente em seres igual aos que se encontram bem situados
no mundo da riqueza e no domínio dos poderes da Terra? Já pensaste na Igualdade
daqueles que se encontram nos vales dos leprosos, sem esperança, para que
possas, com a fé que tens, consolá-los?
Será que já passou pela tua cabeça seres
igual, na posição em que te encontras, aos andarilhos sem destino e, às vezes,
sem pátria, passando as maiores necessidades que o destino lhes impõe, para
que, junto a eles, possas idealizar meios e movimentar recursos, pelo que já
sabes, para aliviá-los dos seus sofrimentos?
Será que pretendes igualar-te aos velhos sem
teto e às crianças órfãs, para que, junto a eles, venhas a colocar a tua
inteligência a serviço da segurança desses que sofrem o desprezo na carne e no
coração? Por certo que não.
A Igualdade que todos, ou quase todos,
pretendem, meu filho, tem algo de egoísmo, tem muito de bem-estar próprio. Todo
homem revoltado na vida o é porque não conseguiu atingir o lugar que outros
desfrutam nos píncaros dos poderes de César.
Seria muito mais justo e humano, se ele
quisesse beneficiar os outros, desfrutando também, que ele trabalhasse em
silêncio, em qualquer labor em que a dignidade fosse a meta, em que a
sinceridade fosse o comando, em que o amor fosse o interesse. Mesmo assim, não
serias igual aos teus semelhantes, por existirem detalhes que não percebes,
impedindo essa possibilidade.
Faiscava a expectativa nos corações dos
apóstolos. Fervia a ansiedade de todos pelo desfecho de Jesus acerca de
Igualdade. André tocara em um assunto que não sabia tão complicado. Pedro
esfregava as mãos, por saber que o Mestre colocaria o tema às claras, ao fim da
conversa. O Nazareno dá continuidade, com mansuetude:
— Quando o impulso de desigualdade ascende no
coração de um homem, é para ser desigual aos pobres, aos párias, aos incultos,
mesmo pertencendo a essa faixa de testemunhos.
Devemos lutar com todas as nossas forças no
sentido de que todas as camadas da vida, ao se aproximarem de nós, sintam no
coração que estamos nos apresentando como se fôssemos eles, em benefício deles,
esquecendo posições, caso haja; esquecendo sabedoria, caso a tenhamos;
esquecendo fortuna, caso desfrutemos dela.
E sendo igual por amor, pois a caridade se
estende sem barreiras. Na verdade, vos digo que todos somos iguais em Deus, mas
diversificamo-nos ao infinito, para que possamos fazer parte da criação, na
melodia harmoniosa e universal. E Cristo finaliza, com ênfase:
André, procura o amor e ama a Deus sobre
todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo, e não queiras modificar as coisas
feitas por Deus, porque, por ora, não te é dado entender.
Simão! Abraça teu irmão com entusiasmo e
conversa com ele mais longamente. Muito bem, meu amigo, pergunta, pergunta, que
todos nós aprendemos com os teus problemas mais urgentes. O colóquio estava
encerrado. Os dois irmãos saem confabulando sobre o assunto da reunião
inesquecível.
Compilado do livro Ave Luz
Autor: Shaolin (espírito) e João
Nunes Maia