02 - Visão Espírita da Bíblia

02 - Visão Espírita da Bíblia
José Herculano Pires

03 - Sentido Histórico da Bíblia e a sua Natureza Profética

Qual a posição do Espiritismo diante do problema bíblico? Os recentes debates na televisão entre espíritas, pastores protestantes e sacerdotes católicos, deram motivo a algumas incompreensões, de que se aproveitaram adversários pouco escrupulosos da Doutrina Espírita, para lhe desfecharem novos e injustos ataques.

Vamos procurar esclarecer, por estas colunas, a posição espírita, como já havíamos prometido. Kardec define essa posição, desde “O Livro dos Espíritos”, como a de estudo e esclarecimento do texto, à luz da História e na perspectiva da evolução espiritual da Humanidade.

No capítulo III deste livro, final do item 59, depois de analisar as contradições entre a Bíblia e as Ciências, no tocante à criação do mundo, ele declara: "Devemos concluir que a Bíblia é um erro? Não; mas que os homens se enganaram na sua interpretação".

Essas palavras de Kardec, sustentadas através de toda a Codificação, esclarecem a posição espírita. Devemos reconhecer na Bíblia a sua natureza profética (ou seja: mediúnica), encerrando a “l Revelação”, no ciclo histórico das revelações cristãs.

Esse ciclo começa com Moisés (l Revelação), define-se com Jesus (II Revelação) e encerra-se com o Espiritismo (III Revelação). Os leitores encontrarão explicações detalhadas a respeito em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, que é um manual de moral evangélica.

O conceito espírita de Revelação, porém, não é o mesmo das religiões em geral. Revelar é ensinar, e isso tanto pode ser feito pêlos Espíritos (revelação divina) quanto pêlos homens (revelação humana), mas não por Deus "em pessoa", porque Deus age através de suas leis e dos Espíritos.

A revelação bíblica, portanto, não pode ser chamada de "palavra de Deus". Ela é, apenas, a palavra dos Espíritos Reveladores, e essa palavra é sempre adequada ao tempo em que foi proferida. Isto é confirmado pela própria Bíblia, como veremos no decorrer deste estudo.

A expressão "a palavra de Deus" é de origem judaica. Foi naturalmente herdada pelo Cristianismo, que a empregou para o mesmo fim dos judeus: dar autoridade à Igreja.

A Bíblia, considerada "a palavra de Deus", reveste-se de um poder mágico: a sua simples leitura, ou simplesmente a audiência dessa leitura, pode espantar o Demônio de uma pessoa e convertê-la a Deus.

Claro que o Espiritismo não aceita nem prega essa velha crendice, mas não a condena. A cada um, segundo suas convicções, desde que haja boa intenção.

04 - Coisas Terríveis e Ingênuas figuram nos Livros Bíblicos

A palavra de Deus não está na Bíblia, mas na natureza, traduzida em suas leis. A Bíblia é simplesmente uma coletânea de livros hebraicos, que nos dão um panorama histórico do judaísmo primitivo.

Os cinco livros iniciais da Bíblia, que constituem o “Pentateuco mosaico”, referem-se à formação e organização do povo judeu, após a libertação do Egito e a conquista de Canaã.

Atribuídos a Moisés, esses livros não foram escritos por ele, pois relatam, inclusive, a sua própria morte. As pesquisas históricas revelam que os livros da Bíblia têm origem na literatura oral do povo judeu.

Só depois do exílio na Babilônia foi que Esdras (457 a.C.) conseguiu reunir e compilar os livros orais (guardados na memória) e proclamá-los em praça pública como a lei do judaísmo, ditada por Deus.

Os relatos históricos da Bíblia são ao mesmo tempo ingênuos e terríveis. Leia o estudante, por exemplo, o Deuteronômio, especialmente os capítulos 23 e 28 desse livro, e veja se Deus podia ditar aquelas regras de higiene simplória, aquelas impiedosas leis de guerra total, aquelas maldições horríveis contra os que não crêem na "sua palavra".

Essas maldições, até hoje, apavoram as criaturas simples que têm medo de duvidar da Bíblia. Muitos espertalhões se servem disso e do prestígio da Bíblia como "palavra de Deus", para arregimentar e tosquiar gostosamente vastos rebanhos.

As leis morais da Bíblia podem ser resumidas nos Dez Mandamentos. Mas esses mandamentos nada têm de transcendentes. São regras normais de vida para um povo de pastores e agricultores, com pormenores que fazem rir o homem de hoje. Por isso, os mandamentos são hoje apresentados em resumo.

O Espírito que ditou essas leis a Moisés, no Sinai, era o guia espiritual da família de Abrão, Isaac e Jacob, mais tarde transformado no Deus de Israel. Desempenhando uma elevada missão, esse Espírito preparava o povo judeu para o monoteísmo, a crença num só Deus, pois os deuses da antiguidade eram muitos.

O Espiritismo reconhece a ação de Deus na Bíblia, mas não pode admiti-la como a "palavra de Deus". Na verdade, como ensinou o apóstolo Paulo, foram os mensageiros de Deus, os Espíritos, que guiaram o povo de Israel, através dos médiuns, então chamados profetas.

O próprio Moisés era um médium, em constante ligação com lave ou Jeová, o deus bíblico, violento e irascível, tão diferente do deus-pai do Evangelho. Devemos respeitar a Bíblia no seu exato valor, mas nunca fazer dela um mito, um novo bezerro de ouro. Deus não ditou nem dita livros aos homens.

Harmonia espiritual vai publicar semanalmente os capítulos que compõem esta maravilhosa obra de J. Herculano Pires.