Doutrina Socrática e Platônica

É pelo fruto que se reconhece a árvore. É necessário
qualificar cada ação segundo o que ela produz: chamá-la de má quando der origem ao mal e boa quando originar o bem.
Sócrates  - (469 a 399 antes de Cristo)

O homem é uma alma encarnada. Antes de sua encarnação, ele existia unido aos tipos primordiais, às idéias da verdade, do bem e do belo. Disso ele se separa ao reencarnar e ao se lembrar do passado, fica mais ou menos atormentado pelo desejo de para lá voltar.

A alma se perde e se perturba quando se serve do corpo para considerar um objeto qualquer. Ele sofre vertigens como se estivesse ébria, pois se atém às coisas que são, por natureza, sujeitas a mudanças, ao passo que, quando contempla sua própria essência, ela se liga ao que é puro, eterno, imortal, e sendo da mesma natureza, mantém-se ligado o tempo que puder. Então, sua loucura cessa, pois está unida ao que é imutável, e este estado de alma é o que chamamos de sabedoria.

Enquanto tivermos nosso corpo e a alma se encontrar mergulhada nesta corrupção, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos: a verdade. De fato, o corpo nos suscita mil obstáculos, devido à necessidade que temos de cuidar dele. Além disso, ele nos enche de desejos, de apetites, de crenças, de mil quimeras e tolices, de forma que com ele é impossível ser sábio um instante sequer.

Mas, se não é possível nada conhecer que seja puro enquanto a alma está unida ao corpo, é necessário uma coisa entre duas: ou que não conheçamos jamais a verdade, ou que a conheçamos após a morte. Libertado da loucura do corpo, conversaremos então, é de esperar, com homens igualmente livres, e conhecermos por nós mesmos a essência das coisas. É por isso que os verdadeiros filósofos se exercitam para morrer, e a morte não os atemoriza.

A alma impura, em tal estado (o da morte), é atraída e arrastada novamente para o mundo visível pelo horror do que é invisível e imaterial. E lá vagueia, então, pode-se dizer, ao redor de monumentos e tumbas; próximos dos quais já foram vistos fantasmas tenebrosos, como devem ser as imagens das almas que deixaram o seu corpo sem estar inteiramente purificadas e que retém alguma coisa de forma material, o que faz com que os olhos possam divisá-las.

Não são as almas dos bons, mas as dos maus que são forçadas a vagar nesses lugares, onde carregam a pena da primeira vida e onde continuam a vagar até que os apetites inerentes à forma material, a qual se sentem atraídas, as conduzem a um corpo. Então, elas retomam sem dúvida os mesmos hábitos que, durante suas primeiras vidas, eram objeto de suas predileções.

Após a nossa morte, o gênio (daimon, demônio) que nos fará designado durante nossa vida, nos leva a um lugar onde se reúnem todos os que devem ser conduzidos ao Hades para serem julgados (Hades, na mitologia grega, é o deus do mundo inferior e dos mortos). As almas, após terem permanecido no Hades o tempo necessário, são levados a esta vida para numerosos e longos períodos.

Os “Demônios” ocupam o espaço que separa o céu da terra. Eles são o elo que liga o Grande Todo a si mesmo. A divindade não entra nunca em comunicação direta com o homem. É por intermédio dos Demônios que os deuses se relacionam e falam
com ele, esteja ele acordado ou dormindo.

Demônio (daimon, anjos ou espíritos) todos significando a mesma coisa, portanto um ente espiritual e intermediário entre os deuses e o homem, à visão da época. Veja entre as várias passagens dos princípios socráticos, a que mais chama à atenção é que se trocarmos a palavra “demônio por espírito” terá a Doutrina Espírita, se colocarmos a palavra “anjo” teremos a Doutrina Cristã.

A preocupação constante do filósofo (tal como entendiam Sócrates e Platão) é o de tomar o maior cuidado com a alma, tendo em vista não só a vida presente, que não passa de um instante, mas a eternidade. Desde que a alma é imortal, não é sábio viver tendo como paradigma a eternidade?

Se a alma é imaterial, deve se deslocar, após esta vida, para um mundo igualmente invisível e imaterial, da mesma forma que o corpo, que ao se decompor retorna à matéria. O que realmente importa é bem distinguir a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimenta, como Deus, de ciência e de pensamentos, da alma mais ou menos manchada de impurezas materiais que a impedem de se elevar em direção ao divino, e que a mantém nos lugares de sua estadia terrestre.

Se a morte fosse a dissolução completa do homem, isto seria um ganho enorme para os maus, após sua morte, eles se veriam livres ao mesmo tempo de seus corpos, de suas almas e de seus vícios. Aquele que prover a alma, não de ornamentos estranhos, mas com o que lhe é próprio, só se poderá aguardar tranquilamente a hora da sua partida para o outro mundo.

O corpo conserva os vestígios bem marcados dos cuidados que dele foram tomados ou dos acidentes que sofreu. O mesmo ocorre com a alma: quando se encontra livre do corpo, carrega os traços evidentes de seu caráter, de suas afeições e as marcas deixadas por cada ato realizado. Assim, a maior infelicidade que poderia ocorrer ao homem é ir a outro mundo com uma alma carregada de crimes.

Tu vês, Cálicles (diálogo entre Sócrates e seus discípulos na prisão) que nem tu, nem Pólus, nem Górgias, sabereis provar que se deve levar uma outra vida que nos será útil quando estivermos lá. Entre tantas opiniões diversas, a única que permanece inabalável é a que diz “melhor é receber do que cometer uma injustiça”, e que, antes de todas as coisas, devemos aplicar-nos, não a parecer, mas a ser um homem de bem.

De duas uma: ou a morte é uma destruição absoluta, ou é a passagem de uma alma para outro lugar. Se tudo deve desaparecer, a morte será como uma dessas noites raras em que passamos sem sonhar e sem nenhuma consciência de nós mesmos.

Mas se a morte é apenas uma mudança de moradia, a passagem a um lugar onde os mortos devem se reunir, que felicidade é a de lá reencontrar aqueles que conhecêramos na terra. Meu maior prazer seria o de examinar de perto os habitantes dessa moradia e distinguir, como aqui, aqueles que são sábios daqueles que crêem ser mas não são. Mas é hora de nos separarmos, eu para morrer, e vós para viver (Sócrates aos seus juízes).