A semeadura é livre, mas a colheita é compulsória.
Leda Maria Flaborea
“Ao que tem, se lhe dará, e terá em abundância, mas ao que não
tem, até o que tem lhe será tirado.”
Essa frase de Jesus aparece em vários momentos no Novo Testamento, mas tem destaque nas Parábolas do Semeador, dos Talentos (Mateus) ou das Minas (Lucas) e do Joio; e nos ensinamentos: “Buscai e achareis” e “Ajuda-te e o Céu te ajudará”.
Mas é,
sobretudo, nas três parábolas que encontramos o chamado que o Mestre faz para o entendimento
do livre-arbítrio e do seu uso. E dentre elas nosso destaque é a Parábola do
Semeador.
Assim,
vamos lembrar de uma passagem na qual o Sublime Benfeitor falava com o povo
quando sua mãe e seus irmãos chegaram, procurando-O, e alguém Lhe disse: “Tua mãe e teus
irmãos estão lá fora e querem falar-te”.
E Ele
respondeu a quem lhe trouxe o aviso: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?”
E estendendo a mão para os discípulos disse: “Eis minha mãe e meus irmãos, porque qualquer um
que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, minha irmã e minha
mãe”.
Jesus estabelece naquele
momento o parentesco divino entre todos, e destaca a necessidade de escolhermos o bem,
o amor e a verdade para estarmos em harmonia com Deus e com os ensinamentos que
derrama sobre nós.
Naquele
mesmo dia, saindo de casa, sentou-se à beira do mar e grande multidão reuniu-se
perto dele. Por causa disso, entrou em um barco, acomodou-se e falou a eles
muitas coisas por parábolas, e dizia: “Eis que um homem saiu a semear...”
O Mestre
descreve o que vai acontecendo com as sementes que, na verdade, são elementos
figurativos que bem representam a forma como a Palavra Divina chega ao
entendimento dos homens: a) Jogadas à beira do caminho, as aves as comem; b) Atiradas nas
pedras, até brotam, mas, como não têm raízes firmes, morrem; c) Lançadas no
meio dos espinhos, eles se encarregam de sufocar o crescimento, mesmo que
germinem; d) Mas, jogadas em terra fértil, brotam fortes, desenvolvem-se, dão
flores, frutos e cada fruto produz mais 30, 60 ou 100.
No
livro Parábolas e Ensinos de Jesus, Cairbar Schutel refere-se
à Parábola do Semeador, como a parábola das parábolas, porque sintetiza os
caracteres predominantes em todas as almas e, ao mesmo tempo, ensina a distingui-las pela
boa ou má vontade com que recebem as boas novas espirituais.
Dessa
forma, temos
as almas que são “beiras de caminho”, ou seja, onde passam todas as ideias
grandiosas, como pessoas nas estradas, sem gravarem nenhuma delas. São as
pedras impenetráveis às novas ideias, são os espinhos que sufocam as verdades,
como as plantas que não permitem o crescimento do que quer que seja ao seu
redor. São
homens e terras improdutivas.
Mas
também temos, ao lado dessas almas, aquelas de boa vontade, que recebem a palavra
de Deus e a colocam em
prática. Terra fértil que acolhe a semente bendita da qual resulta boa
produção.
No
momento evolutivo que vivemos, temos todas essas características em nós mesmos. Qualidades que já
podem produzir bons frutos, mas também dificuldades que não permitem a
germinação da boa semente.
Como
todo esse processo evolutivo é longo e demorado, exige de cada um de nós o exercício da
paciência, da perseverança e da coragem para lutar contra as próprias dificuldades, em
acertos e erros contínuos, até que aprendamos a escolher somente o bem.
Entendemos
que a
“semente” é a palavra de Deus, mas seu aproveitamento não é uniforme, em razão
da variedade de seres que habitam o planeta. Dessa forma temos uns mais propensos ao bem, à
caridade e à fraternidade, e outros mais inclinados ao mal, ao egoísmo e ao
orgulho. Uns mais atentos às coisas do Céu e outros mais apegados aos bens da
Terra, ao transitório e fugaz.
Portanto,
segundo Jesus, a terra que recebe a semente representa o estado intelectual e
moral de cada um: seja beira de caminho, pedregal, espinhal ou boa terra. Por
exemplo, o amor que se transforma em outro sentimento ou perde seu encanto e
poesia, ou simplesmente desaparece, é por negligência exclusiva do seu
“cultivador” e não de Deus.
Era
pouco e, após a transformação, ficou sem nada. Se fosse verdadeiro, teria sido
multiplicado. Podemos acrescentar, ainda, que nem todos que pregam a Palavra o
fazem tal qual ela é: Simples e despida de formas enganosas.
Encontramo-la
revestida de tantos mistérios, de dogmas, de retórica que, embora a Palavra
permaneça, fica
enclausurada na forma, sem que se possa ver o fundo, a essência.
Muitos a
pregam por interesse, por vaidade e grande parte por egoísmo. Não dissipam as
trevas, endurecem
corações ao invés de abrandá-los, não anunciam a Palavra, mas fazem dela um
instrumento para receberem ouro ou glória.
Como têm
pouco a dar, acabam por esvaziar a oportunidade que lhes foi dada, pelo Pai, de
espalhar o entendimento, a fraternidade, a solidariedade, enfim, o Amor ao
próximo.
A
Palavra não pode ser rebaixada. Ela deve estar acima de nós mesmos – nos
dizeres de Cairbar Schutel - “porque aquele que despreza a Palavra,
anunciando-a ou ouvindo-a, despreza seu Instituidor e, como disse Ele: “Quem me despreza e
não recebe as minhas palavras, tem quem o julgue; a Palavra que falei, esta o
julgará no último dia’”. (João, 12: 48.)
Voltemos
a Jesus: Assim que encerrou a narrativa sobre o Semeador, os discípulos
perguntaram ao Mestre por que falava através de parábolas. E Ele
respondeu: “Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do Reino dos
Céus, mas àqueles não lhes é concedido”. Pois ao que se tem se lhe dará, e terá em
abundância, mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. Por isso vos falo
por parábolas; porque vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem, nem entendem;
porque o coração deste povo está endurecido”.
Esta
afirmação de Jesus parece paradoxal. Como dar mais a quem já tem e tirar daquele
que pouco tem? O Mestre era incoerente? Vamos pensar em um exemplo, com valores
materiais, que pode ilustrar nosso tema: Um homem adquire boa posição
financeira. Se é imprevidente e malbarata os bens conquistados, perderá o que
já obtivera, confirmando a assertiva de Jesus.
Mas, se
esse homem toma providências, sensatamente, para estabilizar a boa posição, conservando-a
para o bem de todos, consolidará seu bem-estar. Com os tesouros do Espírito o problema
é o mesmo, mas é preciso que fique claro que o ensino de Jesus é figurado, pois
Deus jamais tirará o bem que lhe foi concedido.
É
preciso ver o ensinamento pelo espírito. Não é Deus quem retira daquele que
pouco havia recebido, mas é o próprio Espírito que, pródigo e descuidado, não sabe
conservar o que tem e aumentar, fecundando a migalha que caiu no seu coração.
O
Evangelho segundo o Espiritismo dá outro excelente exemplo: O filho que
não cultiva o campo que o trabalho do pai conquistou, para deixar-lhe de
herança, vê
esse campo cobrir-se de ervas daninhas.
As
perguntas que os Espíritos superiores fazem e que necessitamos responder a nós
mesmos são: a) foi seu pai que lhe tirou as colheitas que ele não preparou?; b)
se ele deixou a sementeira morrer nesse campo por falta de cuidado, deve acusar
o pai pela falta de produção? Evidente que não! Deve acusar, sim, a si próprio, que é
o verdadeiro responsável pela própria miséria.
Por
outro lado, terá, também, a chance de arrepender-se e retomar o trabalho e plantar
a boa semente escolhida entre as más. Cuidar, zelar, arrancando as ervas daninhas que
podem sufocar a nova sementeira. Isso dá trabalho? Dá e muito! Vale a pena?
Vale, porque a colheita será imensa. Estamos plantando para nós mesmos, hoje, com
vistas a um futuro de muita felicidade.
Mas o
ensinamento do Mestre ainda aparece na Parábola dos Talentos, que tem a
mesma significação da Parábola das Minas, e é importante lembrar-se disso
por causa da conclusão que Jesus dá à narrativa dessa parábola:
“Tirai,
pois, o talento, e dai-o ao que tem dez. Porque a todo que tem se lhe dará, e terá em
abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. E o servo inútil,
lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes”.
LEDA MARIA FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br