Barrada em Nosso Lar

Ricardo de Lima – Compilado
do Blog Kardeciano.blogspot.com.br

Inúmeras vezes e em diversos Centros Espíritas em diferentes Estados do Brasil, vez por outra vi e ouvi alguém dizer que uma senhora fora barrada a entrada de Nosso Lar por ter cometido abortos e que estes manchavam seu perispírito de forma que apresentavam manchas pretas, que eram crianças que tinha abortado, ou assassinadas, já que era uma profissional de saúde.

Nosso Lar desde o inicio de minha caminhada espírita foi o livro que mais chamou-me a atenção pois André Luiz é muito profundo e com uma alta capacidade de síntese, e uma leitura apressada de André Luiz pode levar o Divulgador Espírita a cometer alguns erros que podem gerar,  até mesmo no estudioso um pré-conceito.

Tenho um amigo que muito estimo e amo como irmão, que degusta a leitura de forma que ele sente linha a linha, proporcionando extrair o melhor de cada livro (conheço poucas pessoas assim). E ele ligou para mim um tanto chateado com a falta de caridade em virar as costas de quem pede ajuda.

Brinquei com ele e disse: Você não! Pois sabia do cuidado ao ler e das perguntas geradas pelo degustar da leitura. E convidei-o a ler para mim o trecho. Uma senhora encontrava-se a porta de Nosso Lar e pedira ajuda, um dos vigilantes pede a intervenção da enfermeira, e a enfermeira pede auxilio do responsável da vigilância para analisar a pessoa que pedia ajuda.

E o responsável pela vigilância destaca: “Está mulher, por enquanto, não pode receber nosso socorro. Trata-se de um dos mais fortes vampiros que tenho visto até hoje. É preciso entregá-la à própria sorte”. Senti-me escandalizado.

Não seria faltar aos deveres cristãos abandonar aquela sofredora ao azar do caminho? Narcisa, que me pareceu compartilhar da mesma impressão, adiantou-se suplicante: “Mas, Irmão Paulo, não há um meio de acolhermos essa miserável criatura nas Câmaras?”.


Permitir essa providência, esclareceu ele, seria trair minha função de vigilante. E indicando a mendiga que esperava a decisão, a gritar impaciente, exclamou para a enfermeira: Já notou, Narcisa, alguma coisa além dos pontos negros? Agora, era minha instrutora de serviço que respondia negativamente.

Pois vejo mais, respondeu o Vigilante-Chefe. Baixando o tom de voz, recomendou: Conte as manchas pretas. Narcisa fixou o olhar na infeliz e respondeu, após alguns instantes: Cinqüenta e oito. O Irmão Paulo, com a paciência dos que sabem esclarecer com amor, explicou:

Esses pontos escuros representam 58 crianças assassinadas ao nascerem. Em cada mancha vejo a imagem mental de uma criancinha aniquilada, umas por golpes esmagadores, outras por asfixia.

Essa desventurada criatura foi profissional de ginecologia. A pretexto de aliviar consciências alheias, entregava-se a crimes nefandos, explorando a infelicidade de jovens inexperientes. A situação dela é pior que a dos suicidas e homicidas, que, por vezes, apresentam atenuantes de vulto.

Não falo aqui de providências legítimas, que constituem aspectos das provações redentoras, refiro-me ao crime de assassinar os que começam a trajetória na experiência terrestre, com o direito sublime da vida. Demonstrando a sensibilidade das almas nobres, Narcisa rogou: Irmão Paulo, também eu já errei muito no passado. Atendamos a esta desventurada. Se me permite, eu lhe dispensarei cuidados especiais.

Reconheço, minha amiga, respondeu o diretor da vigilância, impressionando pela sinceridade, que todos somos espíritos endividados; entretanto, temos a nosso favor o reconhecimento das próprias fraquezas e a boa-vontade de resgatar nossos débitos; mas esta criatura, por agora, nada deseja senão perturbar quem trabalha.

Os que trazem os sentimentos calejados na hipocrisia emitem forças destrutivas. Para que nos serve aqui um serviço de vigilância? E, sorrindo expressivamente, exclamou: Busquemos a prova. O Vigilante-Chefe aproximou-se, então, da pedinte e perguntou:

Que deseja a irmã, do nosso concurso fraterno? Socorro! socorro! socorro!, respondeu lacrimosa. Mas, minha amiga, ponderou acertadamente, é preciso sabermos aceitar, o sofrimento retifica a dor. Por que razão tantas vezes cortou a vida a entezinhos frágeis, que iam à luta com a permissão de Deus?

Ouvindo-o, inquieta, ela exibiu terrível carantonha de ódio e bradou: Quem me atribui essa infâmia? Minha consciência está tranquila, canalha! Empreguei a existência auxiliando a maternidade na Terra. Fui caridosa e crente, boa e pura. Não é isso que se observa na fotografia viva dos seus pensamentos e atos. Creio que a irmã ainda não recebeu, nem mesmo o benefício do remorso.

Quando abrir sua alma às bênçãos de Deus, reconhecendo as necessidades próprias, então, volte até aqui. Irada, respondeu a interlocutora: Demônio! Feiticeiro! Sequaz de Satã! Não voltarei jamais! Estou esperando o céu que me prometeram e que espero encontrar.

O primeiro passo para a cura é se reconhecer doente. E o segundo é querer ajuda para tratar sua doença. E o terceiro é a vontade de curar-se. E a senhora em pauta não reconhecia seus erros. Cobrava por direitos que não possuía e além de tudo demonstrava a hipocrisia.

Em nosso planeta a materialidade e a obstrução de nossos sentidos e percepções espirituais permite que nos mascaremos, e sejamos o fulano no trabalho, o fulano da família e o fulano do centro espírita, e o fulano da corrente religiosa ao qual pertenço, já no mundo espiritual somos o que somos.

Por isso estamos sempre onde nossa sintonia espiritual impulsionada pelos nossos pensamentos nos situa, ou seja, onde devemos estar. Convido a reflexão sobre tudo que se lê e sobretudo pondere sobre toda a informação, busque a fonte, reflita sobre ela desapaixonadamente e até duvidando. Temos visto ao longo dos dias espíritas, simpatizantes mudarem somente os nomes de Céu e Inferno para Nosso Lar e Umbral, mas o conceito não é o mesmo.

O nosso tempo de sofrimento e expiação está atrelado ao reconhecimento de nossos erros, o desejo de acertar e a vontade de fazer diferente, e esse conjunto de pensamentos e atitudes determinam nossa vida, se adicionarmos o amor ainda, vamos ao encontro da afirmativa de Pedro: "O amor cobre a multidão de pecados."