Animismo – parte 3

Hermínio C. Miranda

5) A fraude e o automatismo.: Entendo, à vista da experiência pessoal em cerca de duas décadas no trato constante com a prática mediúnica, que é possível realizar um bom trabalho saneador nas possíveis interferências, não porém pela condenação sumária e áspera do médium. Se ele for, comprovadamente, um médium fraudador, precisará ser tratado com certa energia, nunca, porém, com rudeza ou agressividade.

Está realmente fraudando? Por quê? Exibicionismo? Vaidade? Desejo de agradar as pessoas? A despeito de fraudes eventuais ou costumeiras, tem ou não faculdades mediúnicas autênticas? Como ajudá-lo a livrar-se dos seus defeitos e fraquezas, a fim de tornar-se um médium confiável?

A história do espiritismo registra episódios em que médiuns dotados de excepcionais e comprovadas faculdades mediúnicas recorreram também a fraudes, como a legendária Eusapia Paladino, que produziu fenômenos incontestáveis sob as mais severas condições de controle, perante cientistas atentos e geniais, mas que também produzia, por fraude, ridículas imitações, facilmente detectáveis.

Atenção, porém, para um pormenor importante que tem sido muito negligenciado nas discussões acerca da mediunidade. O fenômeno fraudulento nada tem a ver com animismo, mesmo quando inconsciente. Não é o espírito do médium que o está produzindo através do seu próprio corpo mediunizado, para usar uma expressão dos próprios espíritos, mas o médium, como ser encarnado, como pessoa humana, que não está sendo honesto nem com os assistentes, nem consigo mesmo.

O médium que produz uma página por psicografia automática, com os recursos do seu próprio inconsciente, não está necessariamente fraudando e sim gerando um fenômeno anímico. É seu espírito que se manifesta. Só estará sendo desonesto e fraudando se desejar fazer passar sua comunicação por outra, acrescentando-lhe uma assinatura que não for a sua ou atribuindo-a, deliberadamente, a algum espírito desencontrado.



Sem nenhum receio infundado ou temor de estar oferecendo argumentos aos negadores contumazes da sobrevivência e comunicabilidade dos espíritos, Delanne lembra claramente que: (...) nas sessões espíritas, ao lado de médiuns verdadeiros, há também automatistas que escrevem mecanicamente e sem consciência aparente do conteúdo intelectual da mensagem.

Durante muito tempo tem faltado aos espíritos um critério que lhes permita proceder a uma triagem entre as comunicações verdadeiras e as produções subconscientes do médium. (Delanne, Gabriel, 1909.) O critério recomendado pelo pesquisador francês é o mesmo de sempre: submeter a atento exame crítico os textos produzidos a fim de separar o joio do trigo. Sem isto, acabam sendo aceitas como revelações do mundo espiritual tolas fantasias subliminares produzidas pelo próprio médium.



Convém observar, contudo, e isto vai por minha conta, que a mensagem não é tola somente porque emerge do inconsciente do médium, nem é boa e autêntica porque há segura evidência de ser de origem espiritual. O que vale de fato é seu conteúdo, sua coerência, a elevação de seus conceitos éticos ou filosóficos, ainda que a linguagem possa apresentar-se, aqui e ali, com algumas incorreções.

Como o espírito do médium também pode comunicar-se, e o faz como espírito segundo nos assegura a codificação e não como ser humano, é bem possível que ele tenha uma bagagem espiritual respeitável e uma experiência consolidada por inúmeras vidas que o autorizem a produzir uma comunicação de elevado teor, perfeitamente aceitável do ponto de vista doutrinário e moral e tão autêntica quanto as de origem espiritual, de responsabilidade de seres desencarnados.



Após sensatos e oportunas observações de quem sabe do que fala, Delanne acrescenta: Parece-nos, portanto, indispensável lembrar que somos mais ricos do que geralmente julgamos. Abaixo da consciência jaz um maravilhoso depósito de documentos inexplorados que têm algo a ensinar-nos sobre o próprio substrato da individualidade, da qual depende nosso caráter.

Com o que estamos de pleno acordo. Ainda hoje, no meio espírita, são muitos os que supervalorizam a palavra dos espíritos e consideram com certa desconfiança, hostilidade mesmo ou, ainda, menor dose de confiança o que provém do ser encarnado.



Suponhamos, para argumentar, que, reencarnado em futura existência, um espírito da competência de Erasto ou de Timóteo, de Delanne ou de Kardec produza textos anímicos por psicografia automática, sem nenhuma interferência de seres desencarnados. Certamente teremos a aprender com eles, ante a riqueza de seus conhecimentos e experiência a que se refere Delanne no trecho há pouco transcrito.


Seria desastroso rejeitar suas produções apenas porque não se consegue detectar nelas quaisquer sinais de origem rigorosamente espírita. Mais adiante, prossegue Delanne:

A escrita automática poderá trazer ao nosso conhecimento textos perfeitamente coordenados, soluções de problemas considerados insolúveis pelo sensitivo ou ensinamentos que nos parecerão inéditos, sem que atribuamos, necessariamente, tais produções a espíritos desencarnados.

O julgamento de textos, portanto, não deve ser conduzido à base de impulsos e desconfianças apriorísticas e, sim, após criterioso exame crítico de forma e fundo, de conteúdo ideológico e doutrinário. A mensagem é boa? Não importa o nome que a subscreve ou deixa de subscrevê-la. É inaceitável? Por mais importante que seja o declarado autor, deve ser rejeitada sem remorsos.



O que é preciso evitar, em tais circunstâncias, é criar uma atmosfera de suspeição em tomo do médium. Por duas válidas e significativas razões. Se a mensagem não está bem, ainda assim não significa, indiscutivelmente, que ele esteja fraudando. Embora isso possa ocorrer, é também possível que ele tenha acolhido um espírito despreparado que não tenha muito que dar de si, nesse campo.

Se, por outro lado, a mensagem é aceitável e até boa ou excelente, também não quer dizer que não possa ter sido produzida pelo próprio espírito do médium, como estamos vendo.



Continua Delanne: Agora que sabemos da extraordinária riqueza da memória latente, povoada de lembranças de tudo quanto estudamos, vimos, ouvimos e pensamos em nossa vida, que sabemos que a atividade do espírito durante a noite é preservada (na memória), que impressões sensoriais, das quais não temos consciência, podem revelar-se aura dado momento, devemos ser bem circunspectos para afana que o conteúdo de uma mensagem não provém do subconsciente.

As mensagens devem, por conseguinte, ser examinadas e aceitas (ou rejeitadas) pelo que são em si mesmas e não por serem de origem espiritual ou anímica. Tanto há mensagens boas de origem anímica como mensagens inaceitáveis de origem espiritual. Não estamos autorizados a colocar o médium sob suspeita apenas porque produziu uma mensagem ou manifestação anímica.



Propõe Delanne critério semelhante ao de Boddington para testar a origem da comunicação. Se ela estiver acima da capacidade do médium, poderá ser considerada como provinda de espíritos desencarnados.



De minha parte, com todo o respeito que me merecem esses dois eminentes autores, não acho que o critério, embora válido sob certos aspectos, seja ainda o definitivo, quando sabemos, pela palavra do próprio Delanne, da insuspeitada riqueza cultural que trazemos nos vastos armazéns da memória inconsciente.

Sempre que esse material tiver condições de emergir pelo processo da psicografia automática, será compatível com os conhecimentos que o médium traz como espírito encarnado, dono que ele é de vasto material acumulado ao longo de inúmeras existências pregressas.

Jamais nos esqueçamos, contudo, do princípio ordenador da mediunidade, ou seja, o de que ela é um processo de intercâmbio entre as duas faces da vida inteligente e que, portanto, participa de uma e de outra.

Do que se depreende que toda comunicação ou fenômeno mediúnico terá sempre um componente maior ou menor de cada uma dessas duas faces da realidade. Há, pois, nas manifestações mediúnicas, um componente espiritual (do desencarnado) e um componente anímico (do encarnado).

Como também poderá provir apenas do ser encarnado, sem participação de espíritos desencarnados, pois o espírito encarnado também se manifesta como espírito. Em suma: o espírito desencarnado precisa do médium encarnado para comunicar-se conosco, mas este pode prescindir, sob condições especiais, da participação dos companheiros desencarnados para transmitir seus próprios pensamentos, armados como material que se encontra depositado nos seus arquivos inconscientes.

Voltamos, para concluir, reiterando o ensinamento de Ernesto Bozzano sobre a interação animismo/espiritismo: Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais. Ambos são indispensáveis a tal e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única e esta causa única é o espírito humano que, quando se manifesta, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e quando se manifesta mediunicamente, durante a existência desencarnada, determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)



6) Aspectos provacionais do fenômeno anímico.: O fenômeno anímico exige, por conseguinte, experiência e atenção de quem trabalha com médiuns regularmente ou ocasionalmente testemunha manifestações mediúnicas. Não constitui, contudo, um tabu, nem se apresenta como fantasma aterrador que é preciso exorcizar.



Escreve André Luiz, em Nos Domínios da Mediunidade: Muitos companheiros matriculados no serviço de implantação da Nova Era, sob a égide do espiritismo, vêm convertendo a teoria anímica num travão injustificável a lhes congelar preciosas oportunidades de realização do bem; portanto, não nos cabe adotar como justas as palavras "mistificação inconsciente ou subconsciente" para batizar o fenômeno. (Xavier, Francisco C./André Luiz, 1973)

Refere-se o instrutor Áulus, nesta passagem, a uma senhora que embora com as usuais características de uma incorporação obsessiva de espírito perseguidor, estava apenas deixando emergir do seu próprio inconsciente memórias desagradáveis de uma existência anterior que nem mesmo o choque biológico da nova encarnação conseguira "apagar". Tratava-se de uma doente mental, cujos passados conflitos ainda a atormentavam e se exteriorizavam naquela torrente de palavras e gestos sonidos como se estivesse possuída por um espírito desarmonizado.

No caso, havia, sim, um espírito em tais condições, era o seu próprio e, portanto, ela estava ali funcionando como médium de si mesma, produzindo uma manifestação anímica. Mais que ignorância, seria uma crueldade deixar de socorrê-la com atenção e amor fraterno somente porque a manifestação era anímica. Continua Áulus, mais adiante: Um doutrinador sem tato fraterno apenas lhe agravaria o problema, porque, a pretexto de servir à verdade, talvez lhe impusesse corretivo inoportuno em vez de socorro providencial.

Em Mecanismos da mediunidade, encontramos observação semelhante, colocada nestes termos: Freqüentemente pessoas encarnadas nessa modalidade de provação regeneradora são encontráveis nas reuniões mediúnicas, mergulhadas nos mais complexos estados emotivos, quais se personificassem entidades outras, quando, na realidade, exprimem a si mesmas, a emergirem da subconsciência nos trajes mentais em que se externavam noutras épocas sob o fascínio dos desencarnados que as subjugavam. (Xavier, Francisco C. / André Luiz, 1986.)

Lembra esse autor espiritual, a seguir, que se fôssemos levados, pelo processo da regressão da memória, a uma situação qualquer em uma de nossas vidas anteriores e lá deixados por algumas semanas, apresentaríamos o mesmo fenômeno de aparente alienação mental, complicada com características facilmente interpretadas como de possessão, pelo observador despreparado. Ou, então, a pessoa seria tida como mistificadora inconsciente. Em ambas as hipóteses, o diagnóstico estaria errado e, por conseguinte, qualquer forma de tratamento porventura proposto ou tentado.



Escreve ainda André Luiz: Nenhuma justificativa existe para qualquer recusa no trato generoso de personalidades medianímicas provisoriamente estacionadas em semelhantes provações, de vez que são, em si próprias, espíritos sofredores ou conturbados quanto quaisquer outros que se manifestem, exigindo esclarecimento e socorro.

Podemos concluir, pois, que muitos médiuns com excelente potencial de realizações e serviços ao próximo podem ser desastradamente rejeitados pela simples e dolorosa razão de que não foram atendidos com amor e competência na fase em que viviam conflitos emocionais mal compreendidos.




Diversidades dos Carismas. Teoria e Prática da Mediunidade - Lachatrê Publicações.