Animismo – parte 1

Hermínio C. Miranda

1) A teoria e a experiência.: Por ocasião dos preparativos ao Congresso Espírita Internacional, programado para Glasgow em setembro de 1937,
o comitê organizador escreveu ao cientista italiano Enesto Bozzano convidando-o a participar dos trabalhos na honrosa (e merecida) condição de seu vice-presidente.

Pedia ainda o comitê que Bozzano preparasse um resumo de sua obra, já bastante volumosa àquela época,
destacando como tema básico a questão do animismo, de forma a encaminhar uma solução conclusiva para o problema que se colocava na seguinte pergunta-título sugerida para seu ensaio: Animism or spiritualism - Which explains the facts ? (Animismo ou espiritismo - Qual deles explica os fatos?).

O eminente pesquisador italiano alcançara, em 1937, a respeitável idade de 75 anos, viveria mais seis anos, pois morreu em 1943, e o tema proposto pelos organizadores do congresso significava, como ele próprio o caracterizou, "formidável encargo", dado que se datava de "resumir a maior parte da minha obra de 40 anos". A despeito disso, o idoso cientista entusiasmou-se pelo assunto, que se apresentava como "teoricamente muito importante".

Foi assim que os estudiosos dos fenômenos psíquicos se viram presenteados com mais um de seus notáveis e competentes estudos,
que a Federação Espírita Brasileira vem publicando, em sucessivas edições, sob o título Animismo ou Espiritismo? Não foi difícil para ele responder o que lhe fora perguntado, mesmo porque a resposta estava implícita em sua obra.

Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais.
Ambos são indispensáveis a tal fim e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única, e esta causa é o espírito humano que, quando se manifesta, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta mediúnicamente, durante a “existência desencarnada”, determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987)

O tema já fora tratado, aliás, em outra importante obra a de Alexandre Aksakof, igualmente publicada pela FEB, sob o título Animismo e Espiritismo (2 volumes). Tanto a obra de Bozzano quanto a de Aksakof são enriquecidas como relato de inúmeros fatos colhidos e examinados com atento critério seletivo.

A de Bozzano, como vimos, foi motivada pela solicitação dos organizadores do Congresso de 1937; a de Aksakof resultou de sua corajosa decisão de responder à altura as veementes criticas do filósofo Eduard von Hartmann, intitulada O Espiritismo, que alcançara certa repercussão pelo prestígio de que gozava seu brilhante autor.

Somos levados a crer, hoje, que o fator importante no êxito do livro de Hartmann foi o fato de que era o primeiro ataque maciço e inegavelmente inteligente às teses doutrinárias do espiritismo, ao oferecer explicações alternativas aceitáveis, em princípio, ou seja, a de que os fenômenos, nos quais o espiritismo via manifestações de seres desencarnados sobreviventes, deveriam ser considerados como produzidos pelas faculdades normais da mente humana.

O vigoroso estudo de Hartmann como que atendia a uma ansiada expectativa de parte de inúmeros cépticos e negativistas irredutíveis, desesperados por uma teoria inteligente que demolisse, de uma vez para sempre, as estruturas do espiritismo nascente.

Para estes a obra de Hartmann foi um alívio. Afinal surgia alguém que conseguia demonstrar ser uma glande tolice essa história da sobrevivência do ser que os espíritas estavam a disseminar por toda a parte, conseguindo até envolver figuras da maior projeção na sociedade, nas artes e, principalmente, na ciência.

Era uma loucura, a que alguém precisava mesmo por um ponto final. Acharam que Hartmann havia conseguido essa proeza histórica, a de deter com argumentos tidos como irrespondíveis a maré crescente do espiritismo.

Na verdade
Hartmann era um pensador de considerável prestígio e montou seu sistema metafísico sobre o conceito do inconsciente, doutrina que expôs com brilhantismo e competência em Die Philosophie des Unbewussten (A Filosofia do inconsciente), publicada em três volumes, em 1869, em Berlim. Era seu segundo Livro e foi acolhido com respeito. Ele morreu em 1906, aos 64 anos de idade, e deixou vasta obra como pensador.

Obviamente, suas biografias não abordam o assunto, mas sabemos que ele também sobreviveu como espírito imortal. É certo que voltará um dia para colocar sua brilhante inteligência a serviço de causa menos ingrata do que a de dar combate à doutrina dos espíritos.

O maior impacto da obra de Hartmann sobre o espiritismo, contudo,
provem do fato de que ele tinha razão, em parte, pois trabalhou com os recursos da meia-verdade. Não, certamente, por desonestidade artificiosa, mas porque estava convicto de suas posturas teóricas e apresentava fatos observados que lhes pareciam dar sustentação.

E, realmente, davam-na, porque fenômenos semelhantes ou idênticos aos mediúnicos ocorrem sem que seja necessário convocar a interferência dos desencarnados. Aksakof concordou com ele neste ponto, como Bozzano também iria concordar mais tarde. Nenhum dos dois estava excluindo ou escamoteando a realidade dos fenômenos anímicos, ou seja, produzidos pela alma dos encarnados.

A divergência entre Aksakof e Bozzano, de um lado, e Hartmann, de outro, estava em que este deixou de considerar em seu estudo os fatos que não se acomodavam à doutrina animista, ou seja, fenômenos que precisavam, irremediavelmente, da doutrina espírita para serem compreendidos e explicados, pois nada tinham que os justificasse como manifestações anímicas.

Escreveu Aksakof: Para maior brevidade,
proponho designar pela palavra “animismo” todos os fenômenos intelectuais e micos que deixam supor uma atividade extracorpórea ou à distância do organismo humano e mais especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por uma ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo. (Aksakof, Alexandre, 1983,)

Em nota de rodapé, ele acrescenta que a palavra psiquismo também serviria a esse propósito, mas
por uma questão de uniformidade preferiu ficar com radicais e estruturas latinos (anima = alma), dado que o termo destinava-se a ser utilizado em estreita conexão com a palavra espiritismo, de origem latina.

Reservava para esta última palavra “espiritismo”,
somente os "fenômenos que, após exame, não podem ser explicados por nenhuma da teorias precedentes e oferecem bases serias para a admissão da hipótese de uma comunicação com os mortos.

Observe-se que ele não deseja impor, a qualquer preço, a doutrina da sobrevivência. Embora convicto dela, quer apenas mostrar que há fenômenos muito bem observados e documentados que não se enquadram no rígido esquema de Von Hartmann.

O eminente cientista russo propõe para os fenômenos anímicos uma classificação em quatro categorias distintas,
todos eles, contudo, resultantes do que ele chama de "ação extracorpórea do homem vivo", isto é, fenômenos produzidos pelo ser encarnado para os quais não há necessidade de recorrer-se à interferência de desencarnados.

Nesse quadro ele colocou: 1) efeitos psíquicos (telepatia, impressões transmitidas à distância); 2) efeitos físicos (fenômenos telecinéticos, isto é, movimento à distância); 3) projeção da imagem (fenômenos telefânicos, ou seja, desdobramento); 4) projeção de imagens "com certos atributos de corporeidade", isto é, formação de corpos materializados.

Estou convencido de que teríamos hoje outras categorias a acrescentar e outros fenômenos a enquadrar,
bem como fenômenos mistos, nos quais podemos identificar características nitidamente animistas e também interferências ou participação de seres desencarnados. Isto, porém, veremos no momento próprio, neste livro.

É das mais importantes, por conseguinte, a contribuição desses dois eminentes cientistas ao melhor entendimento das faculdades mediúnicas,
o russo Alexandre Aksakof e o italiano Ernesto Bozzano, sem nenhum desdouro para o filósofo alemão von Hartmann, que a despeito de seu brilhantismo não conseguiu demolir a realidade da sobrevivência do espírito.


Sei que muitos consideram o problema ainda por resolver, mas essa é a verdade e o tempo irá demonstrá-la fatalmente e de maneira incontestável, sem mais deixar espaços abertos para os profissionais da negação.