Hermínio C. Miranda
5) A fraude e o automatismo.: Entendo, à vista da experiência
pessoal em cerca de duas décadas no trato constante com a prática mediúnica, que é possível
realizar um bom trabalho saneador nas possíveis interferências, não porém pela
condenação sumária e áspera do médium. Se ele for, comprovadamente, um médium
fraudador, precisará ser tratado com certa energia, nunca, porém, com rudeza ou
agressividade.
A história do espiritismo registra episódios em que médiuns dotados de
excepcionais e comprovadas faculdades mediúnicas recorreram também a fraudes,
como a legendária Eusapia Paladino, que produziu fenômenos incontestáveis sob as
mais severas condições de controle, perante cientistas atentos e geniais, mas
que também produzia, por fraude, ridículas imitações, facilmente detectáveis.
Atenção, porém, para um pormenor importante que tem sido muito
negligenciado nas discussões acerca da mediunidade. O fenômeno
fraudulento nada tem a ver com animismo, mesmo quando inconsciente. Não é o
espírito do médium que o está produzindo através do seu próprio corpo
mediunizado, para usar uma expressão dos próprios espíritos, mas o médium, como
ser encarnado, como pessoa humana, que não está sendo honesto nem com os
assistentes, nem consigo mesmo.
O médium que produz uma página por psicografia automática, com os recursos do
seu próprio inconsciente, não está necessariamente fraudando e sim gerando um
fenômeno anímico. É seu espírito que se manifesta. Só estará sendo desonesto e fraudando
se desejar fazer passar sua comunicação por outra, acrescentando-lhe uma
assinatura que não for a sua ou atribuindo-a, deliberadamente, a algum espírito
desencontrado.
Sem nenhum receio infundado ou temor de estar oferecendo argumentos aos
negadores contumazes da sobrevivência e comunicabilidade dos espíritos, Delanne
lembra claramente que: (...) nas sessões espíritas, ao lado de médiuns
verdadeiros, há também automatistas que escrevem mecanicamente e sem
consciência aparente do conteúdo intelectual da mensagem.
Durante muito tempo tem faltado aos espíritos um critério que lhes
permita proceder a uma triagem entre as comunicações verdadeiras e as produções
subconscientes do médium. (Delanne, Gabriel, 1909.) O critério
recomendado pelo pesquisador francês é o mesmo de sempre: submeter a atento
exame crítico os textos produzidos a fim de separar o joio do trigo. Sem isto, acabam sendo
aceitas como revelações do mundo espiritual tolas fantasias subliminares
produzidas pelo próprio médium.
Convém observar, contudo, e isto vai por minha conta, que a mensagem não é
tola somente porque emerge do inconsciente do médium, nem é boa e autêntica
porque há segura evidência de ser de origem espiritual. O que vale de fato é
seu conteúdo, sua coerência, a elevação de seus conceitos éticos ou
filosóficos, ainda que a linguagem possa apresentar-se, aqui e ali, com algumas
incorreções.
Como o espírito do médium também pode comunicar-se, e o faz como
espírito segundo nos assegura a codificação e não como ser humano, é bem
possível que ele tenha uma bagagem espiritual respeitável e uma experiência
consolidada por inúmeras vidas que o autorizem a produzir uma comunicação de
elevado teor, perfeitamente aceitável do ponto de vista doutrinário e moral e
tão autêntica quanto as de origem espiritual, de responsabilidade de seres
desencarnados.
Após sensatos e oportunas observações de quem sabe do que fala, Delanne
acrescenta: Parece-nos, portanto, indispensável lembrar que somos mais ricos
do que geralmente julgamos. Abaixo da consciência jaz um maravilhoso depósito de
documentos inexplorados que têm algo a ensinar-nos sobre o próprio substrato da
individualidade, da qual depende nosso caráter.
Com o que estamos de pleno acordo. Ainda hoje, no meio espírita, são
muitos os que supervalorizam a palavra dos espíritos e consideram com certa
desconfiança, hostilidade mesmo ou, ainda, menor dose de confiança o que provém
do ser encarnado.
Suponhamos, para argumentar, que, reencarnado em futura existência, um espírito
da competência de Erasto ou de Timóteo, de Delanne ou de Kardec produza textos
anímicos por psicografia automática, sem nenhuma interferência de seres
desencarnados. Certamente teremos a aprender com eles, ante a riqueza de seus
conhecimentos e experiência a que se refere Delanne no trecho há pouco
transcrito.
Seria desastroso rejeitar suas produções apenas porque não se
consegue detectar nelas quaisquer sinais de origem rigorosamente espírita. Mais adiante,
prossegue Delanne:
A escrita automática poderá trazer ao nosso conhecimento textos perfeitamente
coordenados, soluções de problemas considerados insolúveis pelo sensitivo ou
ensinamentos que nos parecerão inéditos, sem que atribuamos, necessariamente,
tais produções a espíritos desencarnados.
O julgamento de textos, portanto, não deve ser conduzido à base de
impulsos e desconfianças apriorísticas e, sim, após criterioso exame crítico de
forma e fundo, de conteúdo ideológico e doutrinário. A mensagem é boa? Não
importa o nome que a subscreve ou deixa de subscrevê-la. É inaceitável? Por
mais importante que seja o declarado autor, deve ser rejeitada sem remorsos.
O que é preciso evitar, em tais circunstâncias, é criar uma atmosfera de
suspeição em tomo do médium. Por duas válidas e significativas razões. Se a
mensagem não está bem, ainda assim não significa, indiscutivelmente, que ele
esteja fraudando. Embora isso possa ocorrer, é também possível que ele tenha
acolhido um espírito despreparado que não tenha muito que dar de si, nesse
campo.
Se, por outro lado, a mensagem é aceitável e até boa ou excelente,
também não quer dizer que não possa ter sido produzida pelo próprio espírito do
médium, como estamos vendo.
Continua Delanne: Agora que sabemos da extraordinária riqueza da memória
latente, povoada
de lembranças de tudo quanto estudamos, vimos, ouvimos e pensamos em nossa
vida, que sabemos que a atividade do espírito durante a noite é preservada (na
memória),
que impressões sensoriais, das quais não temos consciência, podem revelar-se
aura dado momento, devemos ser bem circunspectos para afana que o conteúdo de
uma mensagem não provém do subconsciente.
As mensagens devem, por conseguinte, ser examinadas e aceitas (ou
rejeitadas) pelo que são em si mesmas e não por serem de origem espiritual ou
anímica.
Tanto há mensagens boas de origem anímica como mensagens inaceitáveis de origem
espiritual. Não estamos autorizados a colocar o médium sob suspeita apenas
porque produziu uma mensagem ou manifestação anímica.
Propõe Delanne critério semelhante ao de Boddington para testar a origem da
comunicação. Se ela estiver acima da capacidade do médium, poderá ser
considerada como provinda de espíritos desencarnados.
De minha parte, com todo o respeito que me merecem esses dois eminentes
autores, não
acho que o critério, embora válido sob certos aspectos, seja ainda o
definitivo,
quando sabemos, pela palavra do próprio Delanne, da insuspeitada riqueza
cultural que trazemos nos vastos armazéns da memória inconsciente.
Sempre que esse material tiver condições de emergir pelo
processo da psicografia automática, será compatível com os conhecimentos que o
médium traz como espírito encarnado, dono que ele é de vasto material acumulado ao
longo de inúmeras existências pregressas.
Jamais nos esqueçamos, contudo, do princípio ordenador da
mediunidade, ou seja, o de que ela é um processo de intercâmbio entre as duas
faces da vida inteligente e que, portanto, participa de uma e de outra.
Do que se depreende que toda comunicação ou fenômeno mediúnico terá sempre um
componente maior ou menor de cada uma dessas duas faces da realidade. Há, pois, nas
manifestações mediúnicas, um componente espiritual (do desencarnado) e um
componente anímico (do encarnado).
Como também poderá provir apenas do ser encarnado, sem participação de espíritos
desencarnados, pois o espírito encarnado também se manifesta como espírito. Em suma: o espírito
desencarnado precisa do médium encarnado para comunicar-se conosco, mas este
pode prescindir, sob condições especiais, da participação dos companheiros desencarnados
para transmitir seus próprios pensamentos, armados como material que se
encontra depositado nos seus arquivos inconscientes.
Voltamos, para concluir, reiterando o ensinamento de Ernesto
Bozzano sobre a interação animismo/espiritismo: Nem um, nem outro logra,
separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais. Ambos são
indispensáveis a tal e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa
única e esta causa única é o espírito humano que, quando se manifesta, em momentos fugazes
durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e quando se manifesta
mediunicamente, durante a existência desencarnada, determina os fenômenos
espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)
6) Aspectos provacionais do fenômeno anímico.: O fenômeno anímico exige, por
conseguinte, experiência e atenção de quem trabalha com médiuns regularmente
ou ocasionalmente testemunha manifestações mediúnicas. Não constitui,
contudo, um tabu, nem se apresenta como fantasma aterrador que é preciso
exorcizar.
Escreve André Luiz, em
Nos Domínios da Mediunidade: Muitos companheiros matriculados
no serviço de implantação da Nova Era, sob a égide do espiritismo, vêm convertendo a
teoria anímica num travão injustificável a lhes congelar preciosas
oportunidades de realização do bem; portanto, não nos cabe adotar como justas as
palavras "mistificação inconsciente ou subconsciente" para batizar o
fenômeno. (Xavier, Francisco C./André Luiz, 1973)
Refere-se o instrutor Áulus, nesta passagem, a uma senhora que
embora com as usuais características de uma incorporação obsessiva de espírito
perseguidor, estava apenas deixando emergir do seu próprio inconsciente
memórias desagradáveis de uma existência anterior que nem mesmo o choque
biológico da nova encarnação conseguira "apagar". Tratava-se de uma
doente mental, cujos passados conflitos ainda a atormentavam e se
exteriorizavam naquela torrente de palavras e gestos sonidos como se estivesse
possuída por um espírito desarmonizado.
No caso, havia, sim, um espírito em tais condições, era o seu próprio e,
portanto, ela estava ali funcionando como médium de si mesma, produzindo uma
manifestação anímica. Mais que ignorância, seria uma crueldade deixar de socorrê-la com
atenção e amor fraterno somente porque a manifestação era anímica. Continua
Áulus, mais adiante: Um doutrinador sem tato fraterno apenas lhe agravaria o
problema, porque, a pretexto de servir à verdade, talvez lhe impusesse
corretivo inoportuno em vez de socorro providencial.
Em Mecanismos da mediunidade, encontramos observação semelhante,
colocada nestes termos: Freqüentemente pessoas encarnadas nessa modalidade de
provação regeneradora são encontráveis nas reuniões mediúnicas, mergulhadas nos
mais complexos estados emotivos, quais se personificassem entidades outras,
quando, na realidade, exprimem a si mesmas, a emergirem da subconsciência nos trajes
mentais em que se externavam noutras épocas sob o fascínio dos desencarnados
que as subjugavam. (Xavier, Francisco C. / André Luiz, 1986.)
Lembra esse autor espiritual, a seguir, que se fôssemos levados,
pelo processo da regressão da memória, a uma situação qualquer em uma de nossas
vidas anteriores e lá deixados por algumas semanas, apresentaríamos o
mesmo fenômeno de aparente alienação mental, complicada com características facilmente
interpretadas como de possessão, pelo observador despreparado. Ou, então, a pessoa
seria tida como mistificadora inconsciente. Em ambas as hipóteses, o
diagnóstico estaria errado e, por conseguinte, qualquer forma de tratamento
porventura proposto ou tentado.
Escreve ainda André Luiz: Nenhuma justificativa existe para qualquer recusa no
trato generoso de personalidades medianímicas provisoriamente estacionadas em
semelhantes provações, de vez que são, em si próprias, espíritos sofredores ou conturbados
quanto quaisquer outros que se manifestem, exigindo esclarecimento e socorro.
Podemos concluir, pois, que muitos médiuns com excelente potencial
de realizações e serviços ao próximo podem ser desastradamente rejeitados pela
simples e dolorosa razão de que não foram atendidos com amor e competência na fase em que viviam
conflitos emocionais mal compreendidos.
Diversidades dos Carismas. Teoria e Prática da Mediunidade - Lachatrê
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