O que será que devemos fazer para entrar
no reino dos céus? – Por Renato Costa
Disse-nos
Jesus que o
reino dos céus está dentro de nós, logo, ele é um estado interior e não algum lugar para
onde iremos ao desencarnar. Disse ainda que ele é para os que são brandos, humildes e
caridosos.
O estado interior dos brandos está sempre em paz, o dos humildes sempre
desejoso de aprender e dos caridosos sempre tomado pelo amor ao próximo.
Quem
segue Jesus tem que imitar o Mestre ou, pelo menos, empreender seus melhores
esforços para tal. Será bem sucedido nesse intento se esforçar-se para ser um pouco
melhor a cada dia, aprimorando em si as virtudes da brandura,
da humildade e da caridade. À medida que essas virtudes forem crescendo em seu
coração, mais e mais ele estará no reino dos céus e nada que venha a lhe
ocorrer poderá tirá-lo de lá. Falemos, pois, dessas virtudes:
E que
brandura mostrou Jesus em todo seu apostolado! Perseguido, ofendido, agredido, jamais
se alterou a sua paz interior. Há uma passagem nos evangelhos, no entanto, que nos soa
dissonante, a passagem da expulsão dos vendilhões do templo. Será que ela é
prova de que Jesus perdeu sua brandura em algum momento? Vejamos:
O relato
de Mateus diz: “Então Jesus entrou no templo, expulsou todos os que ali vendiam
e compravam, e derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam
pombas; e disse-lhes: Está escrito: “A minha casa será chamada casa de oração;
vós, porém, a fazeis covil de salteadores”. (Mateus 21, 12 e 13).
Mateus
não diz que o Mestre fez isso com violência. Raciocinemos, portanto. Era Jesus um homem
violento? Diante do desprezo, das ofensas e agressões há algum relato de ele
ter revidado de forma agressiva? Não, não há. Quando Pedro cortou a orelha do
soldado que tinha vindo prender seu Mestre, Jesus apoiou sua atitude ou o
reprovou?
Era
Jesus um homem de porte hercúleo ou equipado com pesado armamento para sozinho
pôr a correr diversos homens que ali estavam por interesse comercial? Ou terá
sido o caso, bem mais provável, de ter Jesus feito os homens se retirarem
dali com a força moral com que expôs a eles o tremendo crime contra as Leis de
Deus que eles estavam praticando? Não foi com a sua sabedoria e força moral que
ele fez se retirarem um a um aqueles que queriam apedrejar a mulher adúltera?
É
evidente que os vendilhões se retiraram de vergonha diante da autoridade moral
de quem os criticava e não por um hipotético ato de violência que não encontra
respaldo naquilo que se sabe do comportamento de Jesus segundo os demais
relatos das escrituras. Da mesma forma, não tem cabimento achar que Jesus tenha derrubado
as mesas com violência, apesar de ter sido possível que o tenha feito com
firmeza,
mas sem ódio ou qualquer perturbação emocional.
Dissipada,
com bom senso, qualquer dúvida sobre ser Jesus um exemplo maior de brandura,
resta tirarmos outra dúvida. Brandura não é frouxidão. Jesus foi sempre brando, mas
jamais deixou de denunciar com severidade e sua imensa autoridade moral os
erros dos poderosos de sua época. Quem é brando não se omite diante dos erros e
das injustiças. Apenas se coloca nessas situações com firmeza, mas mantendo-se
sereno e sem perturbação emocional. Ser brando é a primeira condição para se
entrar no reino dos céus.
Humildade: Quando Francisco de Assis ouviu
mediunicamente Jesus pedir a ele que reformasse a sua Igreja, ele não se envaideceu
e foi ter com o Papa dizendo-se um enviado de Jesus para reformar a estrutura
hierárquica da Igreja. Pelo contrário, a humildade do irmão da pobreza foi tamanha que
ele pensou que o Mestre queria apenas que ele consertasse a sua igrejinha, a
Porciúncula, e lá se foi ele a procurar material para cumprir o que julgava
ser sua missão.
No
entanto, apesar de tamanha humildade, quanto fez Francisco pela Igreja, fazendo-a voltar sua
atenção para os pobres e enfermos, a se despojar do luxo e das riquezas! Muitas pessoas, ainda
com pouco entendimento sobre as leis de Deus, pensam que pessoas evoluídas
podem ser orgulhosas de sua condição. O que a história nos mostra, entretanto,
é exatamente o oposto.
Se
alguns cientistas famosos demonstraram vaidade, eles também demonstraram com isso que
apenas tinham avançado em conhecimento e não em virtudes morais. Eram grandes
sabedores de algum assunto, mas não eram sábios. Os verdadeiros sábios de todos
os tempos sempre demonstraram ter suas mentes totalmente voltadas para a busca
do saber, humildemente conscientes de quanto ainda ignoravam.
Ninguém
descreveu tal realidade com mais clareza do que Sócrates, quando disse que o
verdadeiro sábio é aquele que sabe que nada sabe. No sermão das bem-aventuranças,
segundo a tradução revisada de João Ferreira de Almeida ,
Jesus disse: “Bem aventurados os humildes de espírito porque deles é o reino
dos céus”.
Tradução feliz, essa que melhor reflete os ensinamentos do Mestre.
Caridade: A terceira condição para entrarmos no
reino dos céus é a caridade, a mais excelsa das virtudes, segundo Paulo ensinou
em sua Primeira
Epístola aos Coríntios. O lema do Espiritismo é “Fora da Caridade não
há Salvação”. A Caridade é o amor incondicional posto em ação. E o que é o amor
incondicional? Recorramos a Paulo para saber.
No
original em grego da epístola acima mencionada, o apóstolo dos gentios teria se
referido à “ágape” como a virtude maior. No grego antigo havia três palavras
que podem ser traduzidas em português como amor. São elas: “eros, fília e ágape”.
Elas, na verdade, como veremos, são estágios evolutivos do amor. Ao galgarmos para o
estágio seguinte, não abandonamos o anterior, guardando dele, no entanto,
apenas o que tem de melhor.
Eros é
o amor apaixonado, o desejo intenso por alguma coisa ou alguém. Ele é,
comumente, associado ao amor sexual, mas, na realidade, é mais que isso. Eros é o estágio
primitivo, irracional do amor, correspondendo às paixões que sentimos, seja por
pessoas, coisas ou idéias. Eros está relacionado à satisfação pessoal, ao sentimento
de realização, como, também, ao orgulho e à vaidade. Se estacionarmos nesse
estágio, nosso amor se tornará apenas egoísmo tudo querendo para
nosso próprio prazer, nossa própria satisfação.
No
entanto, se o possuirmos de forma controlada e o utilizarmos como um motor para
as nobres realizações em benefício do próximo, ele será instrumento importante à
nossa disposição, pois nos manterá vibrantes e empolgados, não nos permitindo
desanimar jamais. É Eros, também, que nos faz amar a nós mesmos de forma equilibrada
quando já estamos evoluídos, sabendo cuidar de nossa saúde física e mental, de
nossa aparência, de nossa apresentação no meio em que vivemos. Ser evoluído não
é andar em andrajos, desdentado e sujo. Para quem tem condições de se cuidar,
isso é indício apenas de relaxamento.
Estritamente, Fília se
refere ao amor existente entre pais e filhos, entre familiares e entre entes
próximos. Por extensão, porém, pode ser entendido como amizade. Ao contrário de Eros,
Fília ocorre como resultado da apreciação que temos por aqueles que nos são
próximos. É
amor emocional, mas, também, racional. Como Fília se entendem, também, as lealdades
que temos na família, no trabalho e na sociedade em geral. Se nos
satisfazemos com Fília e restringimos nossas ações do bem àqueles que nos são
queridos, permaneceremos no amor possessivo, pois, ao limitarmos
nossa ajuda aos entes que nos são mais próximos, forçosamente esperaremos deles
fidelidade a nós, julgando-os nossos devedores.
Estacionados
nesse estágio, somente amaremos nossos familiares, nossos colegas, nossa raça,
nossa cor de pele, nossa religião, formando, com quem se encontra no mesmo
estágio que nós, as diversas comunidades exclusivistas e sectárias que se
espalham pelo mundo afora. Entretanto, Fília pode ser usado, também, com equilíbrio e sabedoria,
da mesma forma que Eros.
Basta
que saibamos que todos são filhos de Deus e, portanto, nossos irmãos e irmãs,
constituindo toda a humanidade uma imensa família. Para os Espíritos
evoluídos é filia que os faz lembrarem-se da responsabilidade que têm para com
seus familiares. Ser evoluído não é dedicar todo o tempo ao Centro Espírita e
deixar os filhos aos cuidados de terceiros. Quando Joana de Cusa quis seguir a
Jesus em suas caminhadas, o Mestre lhe disse que fosse, primeiro, cuidar de seu
marido e de seu filho, que haviam sido confiados aos seus cuidados por Deus.
Ágape se
refere estritamente ao amor de Deus pelos homens e dos homens por Deus, mas
pode ser entendido como o amor incondicional, o estágio final da evolução
do amor.
Quem tem ágape no coração faz o bem sem ostentação, serve a todos com igual
dedicação, percebe os infortúnios ocultos e age para minorá-los, assim como se
empenha nas grandes desgraças com bravura e determinação.
Ensina a
todos à sua volta, não tanto por palavras, mas, mormente, pelo exemplo
constante. É
alegre e sereno, estando sempre pronto para o serviço do bem e a cada um se
dirigindo conforme suas necessidades. O amor ágape é paciente, bondoso. Não tem
inveja, não é orgulhoso. Não é arrogante, nem escandaloso. Não busca os seus
próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a
injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta.
O amor
Ágape possui, portanto, todas as características da Caridade conforme a define
o apóstolo Paulo. Como só alcança o amor Ágape alguém que já superou todos os seus
defeitos,
podemos dizer que alcançá-lo é a característica necessária e suficiente para
entrarmos no reino dos céus ou, no dizer espírita, nos tornarmos Espíritos
Puros.
Disse
Jesus: “Nem
todos os que me dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus”. Para aqueles que crêem
termos uma única existência, milhões de seres humanos, homens e mulheres, foram
impedidos de entrar no reino dos céus no passado e milhões mais ainda ficarão.
A boa
notícia que a Doutrina nos traz é que, quando Jesus disse que o Bom Pastor não perde
nenhuma de suas ovelhas, ele estava nos assegurando aquilo que já deveríamos
saber, isto é, que todos estamos fadados à perfeição. Ora, a única
possibilidade de isso ocorrer é se tivermos múltiplas existências, pois, se não
desenvolvermos em nós a brandura, a humildade ou a caridade na presente
existência, outras mais nos serão oferecidas até que sejamos bem-sucedidos.