José Herculano Pires
Grandes Vultos do Espiritismo
25/09/1914 a 09/03/1979
José
Herculano Pires (o apóstolo de Kardec) nasceu em 25 de setembro de 1914 na
cidade de Avaré (SP) filho do farmacêutico José Pires Corrêa e de sua esposa, a
pianista Bonina Amaral Simonetti Pires.
Fez os seus primeiros
estudos em Avaré, Itaí e Cerqueira. Desde cedo revelou
vocação literária, tendo composto aos 9 anos de idade, o seu primeiro soneto, um decassílabo sobre o Largo São João,
da sua cidade natal. Aos 16 anos publicou o seu primeiro livro, “Sonhos azuis” (contos) e, aos 18 anos, o segundo, “Coração” (poemas livres e sonetos).
Em 1940 transferiu-se
para Marília, onde adquiriu o “Jornal Diário Paulista”, que dirigiu por seis anos. Com José
Geraldo Vieira, Zoroastro Gouveia, Osório Alves de Castro, Nichemja
Sigal, Anthol Rosenfeld e outros promoveu, através do jornal, um movimento
literário na cidade e publicou “Estradas
e ruas” (poemas) que Érico Veríssimo e Sergio
Milliet comentaram favoravelmente.
Em 1946 mudou-se
para São Paulo onde lançou o seu primeiro romance “O caminho do meio”, que mereceu críticas elogiosas de Afonso
Schmidt, Geraldo Vieira e Wilson Martins. Em sua carreira, foi
ainda repórter, redator, secretário, cronista parlamentar e crítico literário
dos Diários Associados, tendo exercido essas
funções por cerca de trinta anos. Graduado em filosofia pela Universidade
de São Paulo, publicou uma tese existencial: “O ser e a serenidade”.
José
Herculano Pires, o maior escritor espírita brasileiro, decididamente não se conformava
com o que via: de um lado o Espiritismo sendo duramente atacado, e por outro,
apaixonadamente defendido.
O
problema estava num aspecto comum entre os atacantes e defensores: em sua maioria
desconheciam o próprio Espiritismo. “Os adversários partem do preconceito e agem
por precipitação. Os espíritas formularam uma idéia pessoal da Doutrina, um
estereótipo mental a que se apegaram”.
Guardo
comigo a convicção de que se baseie nessa análise (que podemos também desfrutar
no Curso Dinâmico de Espiritismo) a sua maior motivação para o extenso e
vigoroso trabalho que desenvolveu.
Herculano
escreveu muito, num trabalho extenso e intenso. Abarcou os mais variados temas relacionados ao
Espiritismo. Filosofia, educação, ciência, religião e movimento espírita eram
seus temas prediletos. Este último foi motivo de muitas e fundadas polêmicas (nunca fugiu
delas).
No
movimento espírita e fora dele, Herculano defendeu o Espiritismo com a energia
de um Don Quixote. Os livros e artigos que escreveu, além dos debates do
qual participou, construíram uma estampa única de defesa pública e destemida do
Espiritismo,
marcada pelo compromisso com a verdade e a lógica, mais do que com pessoas e
instituições.
Os
“padres mágicos” (que chegavam a inventar experiências televisivas para “provar
as fraudes dos espíritas”) e os pastores dedicados a atacar o Espiritismo tiveram cada um de
seus argumentos ou simples acusações respondidos, na imprensa escrita, no
rádio, na televisão. A sintaxe utilizada era a da exposição objetiva de fatos e
argumentos. A semântica preferida era a do desenvolvimento lógico e racional.
No
âmbito interno do movimento espírita foram igualmente combatidos as práticas
espíritas que condenava (como as aplicações inadequadas da mediunidade) e
conceitos espíritas equivocados (como o da reforma íntima). Inconformado com as
inúmeras distorções que se aplicavam ao Espiritismo no próprio meio espírita,
sobretudo pela Federação Espírita Brasileira, com sua inexplicável defesa de
teses de Roustaing, Herculano não se fazia calar. Chegava mesmo a ferir
susceptibilidades: o amor só tinha sentido e lugar se amparado na verdade.
Não
tenho dúvidas de que Herculano era apaixonado pelo Espiritismo. Os seus estudos
científicos, por exemplo, sempre recheados com uma infinidade de informações
levantadas à exaustão junto a pesquisadores do mundo inteiro, e fortemente calcados
na base e na metodologia kardequiana, chegavam a conclusões profundamente
otimistas sobre os resultados conseguidos pela pesquisa espírita.
Em
Mediunidade chega a afirmar que a tese espírita da existência de energias
espirituais típicas já havia sido comprovada cientificamente. A conclusão
talvez seja discutível, haja vista a relutância ainda vigente nos dias atuais
aos métodos e conclusões da pesquisa espírita, mas o que mais chama a atenção
nesses estudos é a profunda capacidade de correlacionar informações diversas de
maneira a cercar um problema e suas causas potenciais, lembrando e
complementando o que faziam Bozzano e Kardec:
“a razão nos diz que não basta encontrar uma
causa para um fenômeno, é necessário buscar a causa de um conjunto consistente
de fenômenos”.
Na
discussão científica, o defensor também mostrou sua face. Em “A Pedra e o Joio”
dedicou-se a combater as teorias científicas que se constroem entre os
espíritas sem base sólida. Para Herculano, Kardec é a base fundamental.
O método
kardequiano, apoiado na razão e na universalidade de informações, e os conceitos
fundamentais do Espiritismo, seriam para ele a estrutura sólida para o desenvolvimento
das pesquisas espíritas. A destruição gratuita dessa base poderia colocar em risco todo o
conjunto.
Na
questão científica é também fundamental notar uma outra contribuição importante
de Herculano: ele estabelecia em seus estudos a discussão explícita entre o
Espiritismo e os diversos segmentos da pesquisa psíquica, do americano Rhine ao
russo Vassiliev, do psicanalista Freud ao engenheiro Bozzano. Ao contrário de
muitos, que timidamente preferem dogmatizar a Doutrina, discutindo apenas a sua
lógica interna, Herculano expunha e desta forma mostrava a força da visão e do
método espírita.
No que
se refere ao tema educação, o seu trabalho foi, e continua sendo, ímpar. Numa
única frase: “o educando é um espírito encarnado”, resumiu filosoficamente a contribuição
do Espiritismo à educação. Propôs e estruturou a Pedagogia Espírita, fortemente
calcada nos princípios da imortalidade e da evolução do espírito.
Criou e
dirigiu a revista Educação Espírita, que a despeito do pequeno número de
edições (quantos realmente a apoiaram?), mantém-se ainda hoje como uma das mais
importantes contribuições ao tema na nossa literatura. Também nesta área
encontramos marcas de sua energia e seu entusiasmo.
Afinal,
quem além dele poderia se debruçar sobre um projeto de Faculdade de
Espiritismo, com processo pedagógico diferenciado e com detalhamento da
estrutura organizacional e do currículo? A educação espírita ganha identidade e corpo
nas mão de Herculano, mas a sua meta não é apenas influenciar os currículos escolares:
o alcance da Pedagogia Espírita transcende a esta vida.
Coerente
com a visão kardequiana de que a consciência da imortalidade, a proposta de
Herculano se resume atribuir transcendência aos atores e ao processo
educacional. Em “Educação para a Morte” fica claro que o papel educacional
do Espiritismo não está focalizado estritamente numa das duas facetas da vida
(a encarnada ou a desencarnada), mas sim na sua totalidade. Visa o espírito
integral.
Herculano
foi jornalista e trabalhou vários anos nos Diários Associados. Escrever foi
realmente a sua vida. O que chama mais a atenção, no entanto, é que seu estilo
não se pautou estritamente na objetividade jornalística. Era fundamental a
discussão, a análise, às vezes até a divagação por caminhos longos que no retorno
davam nova feição ao ponto original.
Não há
dúvida de que Herculano foi acima de tudo um filósofo do Espiritismo. Para seu
amigo argentino Humberto Mariotti, em Herculano Pires :
Filósofo e Poeta, ele era um filósofo e pensava sobre o mundo e o ser com
evidentes profundidades metafísicas.
Ao
publicar a sua “Introdução à Filosofia Espírita”, Herculano enfrentou o
problema da análise do Espiritismo como doutrina filosófica, discutiu a teoria
do conhecimento espírita, e propôs uma Filosofia Espírita da Existência, que chamou de “Existencialismo
Espírita”: a busca na realidade concreta da essência possível, partindo dela
para as induções metafísicas.
Ao invés
de partir da essência impalpável, e nela ficar, o Espiritismo parte dos fatos, dos
fenômenos, do real, da vida. A discussão da existência leva à essência, não o
contrário.
Ao propor uma concepção existencial, Herculano permite-nos também compreender o
processo dialético vivido pelo espírito ao nascer, viver, morrer e renascer.
Analisando mais especificamente o trabalho de Kardec percebemos que toda a
teoria espírita se construiu a partir da observação dos fatos.
A visão
existencialista permite ver o papel de Kardec e dos demais elaboradores do
Espiritismo na sua construção. O maior kardeciólogo que o mundo já viu também
buscou, a cada instante, compreender, interpretar e avaliar o papel de Kardec.
Talvez
seja possível resumir o que buscou continuamente Herculano: desvendar o grande
desconhecido, ou seja, compreender e discutir visão de mundo do Espiritismo,
analisar sua contribuição ao conhecimento humano, detalhar seu método, avaliar o papel de
Kardec e dos Espíritos na sua elaboração, e mostrar a todos tudo o que
descobriu.