Fundamentos do Reino

Os Fundamentos do Reino, na visão do filósofo Herculano
Maria Eny Rossetini Paiva

Neste estudo que fazemos sobre o filósofo, literato e jornalista, José Herculano Pires, cuja militância espírita nos deixou obras admiráveis, estamos analisando o livreto “O Reino”, poema feito de beleza e alta filosofia.

No capítulo II, OS FUNDAMENTOS, Herculano nos mostra quais são os fundamentos do Reino de Deus. O renomado escritor afirma: “Daquele momento em diante o Reino do Carpinteiro estava implantado na Terra. E nada mais, nenhuma violência e nenhuma manobra escusa conseguiram fazê-lo desaparecer”.

Depois considera que “há milênios uma luta conjugada contra o Reino tenta destruir os seus fundamentos e a sua realização. Mas esse Reino permanece e se alarga, “como uma flor teimosa, que desabrocha lentamente, apesar das tempestades, das secas, das pragas, do sol inclemente e da inclemência maior do coração humano”.

Quais são, então, os fundamentos desse estranho Reino? O Carpinteiro os coloca na proclamação de Isaías, quando o cita na sinagoga de Nazaré. O primeiro fundamento é o Espírito do Senhor. O Espírito divino é muito vasto, mas podemos afirmar que, antes de mais nada, ele é “amor e justiça”.

São assim os três fundamentos do Reino de Deus, (Deus, Amor e Justiça), consoante Jesus proclamou. Os Espíritos confirmam essa visão do Reino de Deus, em várias colocações de “O Livro dos Espíritos” e de outros livros de Allan Kardec.

Como a nossa Justiça é muito falha, Jesus, ao proclamar a instauração do Reino, proclama que foi ungido, para trazer a Boa Nova (evangelho) aos pobres. Herculano é brilhante e profundo quando explica porque o Reino é anunciado aos pobres. Vejamos:

“Que Justiça é essa? Então nós, os ricos, não merecemos a Boa Nova? Claro que merecem, como todos os demais filhos de Deus, mas, para isso, precisam fazer o que o Jovem Carpinteiro ensinou ao moço rico que desejava entrar no Reino: Vai, vende o que tens e dá-o aos pobres; depois, vem e segue-me.

“Então, esse é o Reino da Pobreza e da Miséria? Seria um Reino de vagabundos e mendigos? Não, pois dividir a riqueza não é destruí-la, mas multiplicá-la. É abrir-lhe outras possibilidades de crescimento, não mais entre as garras do egoísmo, mas entre as mãos do altruísmo. Os ricos que não têm entrada no Reino são os que construíram o seu próprio reino na Terra.”

Herculano prossegue justo e claro: “Os ricos que não têm entrada no Reino são os que construíram o seu próprio reino na Terra. Esses reinozinhos egoístas, fechados em si mesmos, alimentando a vaidade, a ganância, a impiedade, a arrogância, são os mais ferozes inimigos do Reino. Por isso é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um desses reizinhos, que a morte despojará de suas basófias e pretensões, entrar no Reino”.

“Os pobres são os injustiçados da Terra. Os ricos são os que amealharam os bens da Terra e fizeram a sua própria justiça. O Reino é do Céu, mas o Jovem Carpinteiro o trouxe para a Terra, a fim de que a Justiça se faça através do Amor.”
      
Fica difícil para nós desvendarmos o significado das inteligentes colocações de Herculano se não pensarmos nas mudanças econômicas que no final do Século XX começaram a se esboçar.

Muitas empresas em nosso sistema capitalista passaram, além de pagar os salários dos trabalhadores e os direitos que possuem, a torná-los partícipes, estabelecendo “participação nos lucros”, ou seja, divisão no final do semestre ou do ano de um percentual dos lucros obtidos, para os trabalhadores.

Apenas atendem a lei que estabelece no Brasil esse direito ao trabalhador. Conhecemos uma Escola particular, onde os professores recebiam uma parte da mensalidade de seus alunos, um percentual que permitia à Escola pagar seus salários que, no Estado de São Paulo, tem um piso de dois ou três salários mínimos, conforme as horas de trabalho, além de receber esse percentual.

Após um semestre, houve uma reclamação que as classes mais adiantadas da Escola tinham uma matrícula menor, portanto, os professores das séries mais avançadas sempre recebiam menos. Todos os professores se prontificaram em alterar as regras estabelecidas pela empresa, e dividir o número de alunos pelo número de professores, para que o esforço de todos fosse igualmente recompensado.

Outro dia, tomando uma deliciosa e gelada água de coco, num quiosque de minha cidade, iniciei uma conversa com o dono e empresário desse pequeno negócio, que estava indignado com a corrupção dos nossos políticos. E acrescentou:

“Precisamos de leis mais humanas e mais severas. Tenho uma irmã que se casou com um empresário russo. Acredita que ele não pode pelas leis do país nem pagar a passagem dela quando vem a negócios ao Brasil, e tem que comprar a passagem da esposa de seu próprio pro labore, ou seja, de sua retirada mensal da empresa, que é fixa?

E tem mais... As leis ali não permitem a ele que abra ou feche a empresa porque resolveu que a coisa não vai bem e a empresa não vai sobreviver. Há uns três anos atrás, ele estava tendo prejuízo. Pelas leis do país, ele deve preservar os empregos dos trabalhadores.

Então, foi obrigado a reduzir seu “salário” e os salários dos técnicos e diretores ao salário mínimo, e todos se empenharam em gerenciar melhor a empresa, para que desse lucros. Apenas dois anos depois, o governo permitiu, pela situação da empresa, que eles voltassem a ganhar diferenciado... Lá, a função social da propriedade dos meios da produção de riqueza é o mais importante e é essa função que é protegida por severas leis”.

Pensei comigo, realmente a propriedade e a riqueza têm, acima de tudo, função social. Não existem apenas para possibilitar aos mais capazes, mais diligentes, mais inteligentes, mais trabalhadores, um salário melhor, ou uma imensa riqueza pessoal. Existem para que a Justiça se faça e todos possam usufruir dos Bens da Terra. É isso que o filósofo espírita, Herculano Pires, explica com beleza literária até o final do Capítulo OS FUNDAMENTOS.

Depois de nos deliciar com um relato (claro que metafórico) de um encontro com um angelical mensageiro do Reino, que responde a perguntas de um descrente, como: Por que Deus deixou que os homens se “embichassem” desse jeito?, Por que permitiu isso e agora condena os ricos?, as suas respostas nos encantam, mas irritam o descrente.

Encerra magistralmente: “A proclamação de Nazaré estabelece os fundamentos do Reino, sem nada esquecer. Em breves linhas, em poucas palavras, o Código de Amor e Justiça é oferecido ao mundo”.

Se os homens não quiserem entender, se continuarem seus reinozinhos de ganância e egoísmo, o “Reino continuará a expandir-se nos corações e nas consciências capazes de senti-lo e compreendê-lo”. 

“O espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me para proclamar a libertação dos cativos e a restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o Ano Aceitável ao Senhor” (Lucas, 4: 18)