O reino de Deus, na visão do filósofo Herculano
A tese do reino - Maria Eny Rossetini Paiva
No
empenho de retomar o importante pensamento do filósofo, literato, escritor,
jornalista, professor universitário, espírita militante e esclarecido, estamos
comentando de forma pessoal, sua obra “O REINO”, onde Herculano Pires explicita o que
vem a ser a tese do Reino, que é a idéia central do pensamento de Jesus.
No
capítulo final do livro, mestre Herculano desenvolve a “Tese do Reino” – Capítulo
VIII. O início já vale um livro de história do Cristianismo. “A tese do Reino tem
permanecido oculta nos Evangelhos.”
Conforme
já dissemos no primeiro artigo sobre o poema de amor e justiça que é esse livro
de Herculano, os Evangelhos contêm mais de uma centena de referências ao Reino
de Deus,
ou Reino dos Céus.
Esse
Reino que devia ser implantado sobre a Terra, conforme Jesus previu e João
sonhou no Apocalipse, foi aos poucos sendo adiado para depois do “final dos tempos”,
quando Jesus voltasse para julgar-nos a todos e separar os bodes das ovelhas.
Até
mesmo no Espiritismo em que a alusão do Reino é tão clara, em que os Espíritos
angelicais prevêem que Novas eras no evoluir da história e novas gerações, em ciclos de
progresso, aproximarão a Terra cada vez mais do Reino de Deus, a idéia do Reino
de Deus está quase abandonada.
Herculano
nos diz o por quê. “Porque os homens insistem na tentativa de servir a dois
senhores.
Mas o anseio do Reino os arrasta cada vez mais à descoberta de sua tese.”
Na época
em que esse livro foi impresso e escrito, (1 a 15 de março de 1967), nosso literato
reconhece que, naqueles dias, todas as religiões redescobrem O Reino. Mesmo o Catolicismo
com a Teologia da Libertação, que dialeticamente se oporia à Teologia da
Salvação (que
reduz Jesus a um cordeiro imolado para nos salvar da queda a que nos condenou
Deus, pelo pecado de desobediência de Adão e Eva), reergue “o estandarte do
Reino, com novo entusiasmo”.
Nosso
autor declara que esse estandarte divide suas igrejas e lembra Mateus X; 34-36,
onde o Jovem Carpinteiro adverte que não veio trazer a paz, mas a espada. Lembra Jesus, que
previu que seu Evangelho separaria pais, filhos, mães, sogras: “E os inimigos
do homem serão os seus próprios domésticos”.
Isso
porque Jesus sabia que as exigências do Reino fariam os tradicionais, que se
apegam às vantagens passageiras do mundo, lutarem contra os que quereriam ser homens de
verdade, novos homens.
A guerra
e a espada resultam não da violência, mas do clima de luta que os filhos do Reino
iriam enfrentar e até hoje enfrentam para alijar do mundo a injustiça e a iniqüidade,
a mentira e o engodo dos que nos dominam, dos religiosos e dos diferentes narcisismos
pessoais e familiares.
O
sentimento de amor só floresce realmente em um clima de justiça. Por isso, a Lei Moral mais
importante de “O livro dos Espíritos”, a Lei de Justiça, Amor e Caridade,
começa com a Justiça. Em nossa ignorância e em nosso apego ao tradicional e ao
religiosismo piegas, que nos embala desde nossa colonização religiosa
portuguesa jesuítica, esquecemos a Justiça.
Nossas
instituições levam em geral o nome de Centro Espírita Amor e Caridade. Retiramos a Justiça
sem a qual o Amor e a Caridade são incompletos, porque ambos se embasam na Justiça.
Podemos acaso amar sem fazer justiça aos necessitados?
Sem lhes
atender, não apenas as necessidades de sobrevivência, mas as de uma boa
educação, cultura, equilíbrio interior, liberdade? As lutas que enfrentam
os que entendem a mensagem e a tese do Reino de Deus é a luta da
incompreensão daqueles cujo egoísmo sufoca a justiça.
Tenho
ouvido da boca de muitos, não poucos, confrades espíritas, que a campanha da fome
zero do Brasil cria pessoas vadias, que não querem mais trabalhar, vagabundos
que nem se incomodam mais em ir buscar a “sopa dos pobres”, porque igrejas, em
convênio com instituições do governo, recebem as verbas governamentais para
servir almoço e janta, feitos por cozinheiros, nutricionistas, em cozinhas
construídas como cozinhas industriais, planejadas e fiscalizadas.
Fico
pensando, às vezes sem poder expressar, se estas pessoas já passaram fome quando
crianças, já tiveram pais alcoolistas que, doentes e dependentes, apenas se
preocupavam com o vício, enquanto o lume estava sem panelas e os pratos vazios.
Mesmo
privando-as de receber o que pretendem, são acolhidas, alimentadas e aguarda-se que
se engajem no trabalho produtivo com o tempo e a persuasão dos Espíritos
dirigentes da comunidade espiritual.
Outros
confrades se revoltam com a bolsa família, que é uma forma de distribuir renda e consome
apenas um por cento de nosso orçamento federal, alegando que cria uma geração de
mulheres vagabundas que vivem explorando os filhos.
Esquecem-se
de que esta bolsa tem uma série de exigências para ser recebida, mantida, e é
controlada por assistentes sociais. As crianças devem estar o tempo todo na
Escola,
ser atendidas pelos postos de saúde e outras contrapartes das mães que recebem
esse auxílio.
Quando a
Justiça apenas
esboça de maneira ainda muito imperfeita o mínimo para que todos
possam sobreviver sem fome e tentar aprender pelo menos a ler, eis que nossos
próprios companheiros se revoltam.
Por isso
Herculano diz que os “cristãos sociais”, os que não pensam apenas no Juízo Final, os que não aguardam
tão somente que Espíritos superiores auxiliem as mudanças, são “atacados pelos
materialistas e pelos seus próprios companheiros de fé”. Não apenas entre os
espíritas.
Leonardo
Boff, o Espírito de escol, que honra o Catolicismo com seu pensamento, sentou-se na cadeira
de Galileu, interrogado pelo cardeal responsável pela defesa da Doutrina da
Igreja (o
chefe do que é modernamente a Inquisição) e foi obrigado a se reduzir ao
silêncio, proibido de escrever e, depois, suspenso das ordens clericais.
Afastado
pela mãe Igreja, que o formou, hoje tem um trabalho magnífico de educação de carentes, é
ativista de movimentos diversos, escreve, se casou e ainda impressiona os
Congressos sociais aos quais comparece, já na terceira idade, com sua cultura e
suas teses.
A ação
dos “cristãos sociais”, às vezes extrapola, explica Herculano, pretendendo
envolver suas Igrejas na política mundana. Querem criar partidos cristãos, partidos
espíritas, transformando a religião em instrumento de luta ideológica. Herculano nos adverte:
“Mas a tese do Reino não é essa”. Jesus, em João XVIII : 36, já
esclarece isso.
1. Questão
648: Os Espíritos se referem à Lei de Justiça, amor e caridade dizendo: “A
última lei é a mais importante: é por ela que o homem pode avançar mais na vida
espiritual, porque ela resume todas as outras”.
2.
Questão 889: Não há homens reduzidos à mendicância por suas faltas? “Sem
dúvida, mas se uma boa educação moral os houvesse ensinado a praticar a lei de
Deus, eles não cairiam nos excessos que causam sua perda: é disso,
sobretudo, que depende o melhoramento do vosso globo.”