O reino de Deus, na visão do filósofo Herculano
O Exemplo – Maria Eny Rossetini Paiva
No
Capítulo IV, “O Exemplo”, mestre Herculano ensina que “O Reino” não é
privativo de ninguém e que, certa vez, para quebrar a dura cerviz dos fariseus, diante
do centurião romano que lhe rogara a cura para seu servo, e a conseguira, Jesus
declarou: “Em
verdade vos afirmo que não achei tamanha fé em Israel, e que virão muitos do
Oriente e do Ocidente para assentar-se à Mesa com Abraão, Isaac e Jacó, no
Reino dos Céus”.
Herculano
prossegue: “E acrescentou com a dureza de uma martelada na oficina de Nazaré: Mas os “Filhos do
Reino” serão lançados nas trevas exteriores em que haverá choro e ranger de dentes!”.
Assim se
chamavam os hipócritas de Israel: “Filhos do Reino”, porque se
consideravam mais puros que todos os outros e escolhidos por Deus para julgarem
os “goyn”, os estrangeiros impuros. O Jovem Carpinteiro os ameaçava com as
trevas exteriores, com a cegueira da alma que sucede à cegueira da mente,
produzida pelo orgulho.
E tomava
o centurião romano, odiado pelos “Filhos do Reino”, como exemplo de fé, como
tomara o “Bom Samaritano”, em cuja presença os fariseus cuspiam e viravam o
rosto com desprezo, como exemplo de amor.
Quantos
ensinos esse simples trecho nos traz. Herculano sabe e o mostra à exaustão em
outros interessantes livros sobre a época de Jesus, como Barrabás, Madalena e
Lázaro, como sentiam os judeus, e com que orgulhosa pretensão se julgavam
superiores.
Não como adoradores do Verdadeiro e único Deus, mas com relação aos que eram o
SEU POVO, OS QUE ELE ESCOLHERA PARA PROTEGER.
Povo
escolhido que, embora sob o tacão romano, receberia o Messias, que viria trazer-lhes
de volta a liberdade e o domínio, dos tempos do Rei David e Salomão. Essa crença, fruto do
orgulho da raça e do povo, tem sustentado o povo de Israel por milênios e ainda
hoje mantém viva no seio das sinagogas a esperança da vinda de um Messias
político ou apocalíptico, não importa, mas que lhes devolverá o domínio e implantará “O
Reino” onde eles reinarão para sempre sobre todos os demais povos.
Podemos
repudiar essas idéias, mas seria interessante que, antes disso, analisássemos
se não temos a mesma postura fruto do orgulho. Os que se julgam donos de uma verdade
maior assumem, na maioria das vezes, a mesma postura.
Podem
não se achar escolhidos de Deus, por serem israelitas, podem não esperar
“reinar com Deus” sobre os gentios, mas julgam-se melhores por possuírem mais
conhecimento, ou a fé em Cristo, ou em uma Igreja cristã ou não cristã. Não ouvimos nossos
irmãos se chamarem de “povo de Deus”?
Não
ouvimos no movimento espírita as pessoas dizerem que o conhecimento
espírita é superior a todos os outros, que nada têm a aprender com outros
estudiosos,
teólogos, exegetas, estudiosos das Escrituras, ou mesmo da Ciência?
Não
encontramos a mesma doença do orgulho, quando nós mesmos sorrimos com
superioridade diante da ignorância ou mesmo nos revoltamos com os avanços da
Ciência, tão
somente porque contrariam “revelações” feitas por médiuns confiáveis?
Fico
admirado, muitas vezes, que eminentes oradores e líderes da evangelização
infantil continuem ensinando a parábola do Bom Samaritano, como se nela Jesus
apenas nos ensinasse a sermos caridosos para com os necessitados e exprobasse a hipocrisia
dos religiosos que não socorreram o samaritano assaltado e caído.
A
parábola é muito mais do que isso: nela Jesus ensina a nos livrarmos do
preconceito. O judeu, quando via um samaritano, cuspia e dizia “Racca”. Dessa
expressão de desprezo vem a expressão brasileira “raque tchu” e a cuspida com que
as crianças se enfrentavam em pequenas querelas na infância e que em alguns
municípios brasileiros ainda é usada.
Os
judeus, que se achavam superiores aos galileus, e desprezavam com nojo manifesto os samaritanos, foram, nessa parábola,
reduzidos à sua verdadeira dimensão.
Se toda
a Lei e os Profetas se resumem na máxima “ama a Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a ti mesmo”, quem assim procede não ama a ninguém. O orgulho o domina.
É essa a
principal lição da Parábola do Samaritano, não divulgada pelos diferentes
credos religiosos, porque, à semelhança do farisaísmo, cada grupo se julga melhor do
que o outro.
Embora
não o demonstremos de modo tão evidente, cuspindo diante de outro cidadão que
por algum motivo julgamos inferior a nós, sentimos por ele o mesmo sentimento de
superioridade que caracteriza o orgulho. E a diferença entre Judeus e Samaritanos se
assentava, ao menos exteriormente, no fato de que os Samaritanos não
iam ao Templo de Jerusalém, mas adoravam a Deus no monte.
Ou, em
palavras modernas, não concordavam em engordar com seus sacrifícios e oferendas de
dinheiro e animais as famílias dos fariseus e sacerdotes, que faziam pior do que
os dominadores romanos que viviam dos impostos recolhidos dos povos que
oprimiam.
Os
fariseus e sacerdotes viviam enganando seu próprio povo. A título de salvação
e purificação, obrigavam-no a pagar caro seus rituais, e comprar animais
sagrados para a oferenda, com o dinheiro do templo, que deviam trocar pelo
dinheiro dos romanos, às mesas dos cambistas. Só com tal dinheiro do Templo
podiam comprar os animais sagrados para o sacrifício.
Por
isso, as mesas dos cambistas que Jesus derruba, e daí, o estabelecimento de uma
nova forma de adoração sem sacrifícios sangrentos, por Jesus. Na verdade, os
animais sacrificados ficavam em parte para os sacerdotes e fariseus, que assim locupletavam
suas mesas à custa da miséria e do sacrifício de seu próprio povo.
Esse é
um dos motivos porque Jesus os tratava com tanta dureza e dizia que eram “malditos”. Veja em “A Gênese” o
item “maldição aos fariseus”, que Kardec coloca sem comentários. Claro que
Jesus não amaldiçoava, nem bendizia, apenas colocava quem era maldito e quem
era bem-aventurado, diante da lei de Deus.
Não
podemos à moda de feiticeiros medievais ou atuais lançar bênçãos e maldições.
Cada um de nós está sujeito a recolher bênçãos e maldições por sua conduta na
Vida regida pela Lei Natural.
A
tradução adocicada
feita pela Igreja e pelos tradutores evangélicos, substituindo a palavra “malditos”
por “ai de vós”, tem mantido gerações na ignorância do significado do “Reino de
Deus na Terra”, e de como nossa conduta diante das Leis Universais nos torna
felizes (bem-aventurados) ou infelizes (mal-aventurados ou malditos).
O
Capítulo IV traz preciosos ensinos de Herculano, e nos fala da pequena
comunidade messiânica que vivia segundo os preceitos do Reino, ao lado de
Jesus. Fato
ignorado pelos que nos ensinam sobre a vida de JESUS.