Karma é
uma palavra em sânscrito que significa, simplesmente, ação. Para um hindu, a
reação já faz parte da própria ação, as coisas são uma só. Não há, portanto,
contexto de pecado, punição ou recompensa, como um ocidental traduz.
A
causa e sua conseqüência são o mesmo ato, o karma. Se você semeia vento, colhe
tempestade, não porque Deus castiga, não por expiação e provas, não por
moralismo divino, mas apenas porque não se colhe morangos dos espinheiros.
Se fiz o
"mal", colho o "mal", não por haver códigos divinos de certo e
errado, mas por simples causa e efeito. E tudo isso é Karma. Mas se recebo presentes
bacanas no meu aniversário, por ter sido uma pessoa bacana também, isso também é
Karma, no sentido hindu.
Se
alguém busca a Deus através do serviço filantrópico desinteressado, se sua
espiritualidade e "união" com o divino se faz através mais de ações do que
de conhecimento ou devoção, isto é chamado de “karma yoga”, ou seja união através
das ações (karma). Note que a maneira com que o senso-comum ocidental se
apropria da palavra é completamente diferente, e equivocado.
Já o Dharma tem dois sentidos principais, no hinduísmo e no budismo. Dharma pode ser sua missão no mundo, o papel que ocupa, a proéxis da conscienciologia, o "sonho de morte" de Winnicott, o seu papel sócio-existencial, a sua possibilidade de auto-realização, o que seu inconsciente deve cumprir para se individuar. Para cumprir seu dharma, é preciso karma (o que não parece nem um pouco com o uso equivocado da palavra).
Não precisa ser algo estereotipadamente espiritual; para muitos, cumprir seu dharma é ser uma boa mãe e avó. Para outros, ser um bom policial, mesmo se cético, evangélico ou ateu! Meu dharma tem sido divulgar a espiritualidade e discernimento, levar senso crítico às pessoas, eu ficaria sem ar se não fizesse isso.
Meu
dharma hoje é dar aulas de filosofia (inclusive em escolas do estado, que não
pagam nada) e atender pessoas na clínica, não faço isso por
"profissão" ou dinheiro, ao contrário, mudei minha vida para poder fazer
isso, porque faz sentido para mim, e me dá sentido também.
Às
vezes, após fazer os olhos de adolescentes pobres brilharem por perceberem que podem
pensar e questionar, ou após uma sessão de psicanálise em que realmente fiz diferença
na vida de uma pessoa, costumo pensar, em silêncio, sem reconhecimento ou
publicidade alguma por isso (já tive mais em outros dharmas), que se eu tivesse
nascido naquele dia pela manhã e morrido no final da noite, ainda assim minha
passagem pelo planeta teria feito sentido - e mudança - por ter levado evolução e
transformação.
O mundo
não será mais o mesmo após aquele meu dia. Isso é cumprir o dharma. O que o Donald
Winnicott chama de "sonhar o sonho que nos permite morrer".
O conceito de dharma no hinduísmo nos remete a Arjuna, o arqueiro do Baghavad Gitá, que interpela Krishna com suas dúvidas existenciais, uma vez que para cumprir seu papel de guerreiro na sociedade precisará matar pessoas que antes eram amigas, em uma guerra que não é necessariamente sua.
Como
conciliar a espiritualidade com o assassinato? Naquela bela metáfora, Krishna lhe explica
sobre o cumprimento de seu dharma, o de ser guerreiro (a sociedade hindu era
dividida em castas rígidas), e de como qualquer trabalhador, poder oferecer o
fruto de seu trabalho a Deus.
Nenhuma
flecha mataria o espírito imortal daquelas pessoas, e as mortes não viriam da
maldade de Arjuna (o que lhe geraria o karma disso, ação e reação). Por outro lado,
Arjuna tinha um Dharma nessa vida, por mais estranho que pareça: o de ser
guerreiro.
Então que fosse um bom guerreiro, executasse o seu papel na sociedade,
oferecendo o fruto de seu trabalho para Deus.
Se isso
soa estranho para os valores ocidentais (um avatar divino aconselhando um
discípulo a matar as pessoas como sendo a coisa mais espiritual a fazer), ilustra de maneira
intensa a necessidade de se cumprir o dharma, seja qual for.
A
situação extrema é proposital, para dizer que, por mais difícil que pareça, não
podemos nem devemos nos furtar a cumprir o nosso dharma - e que o façamos bem,
oferecendo o fruto desse trabalho para o criador. Belíssimo.
Já em alguns contextos budistas, a palavra Dharma é usada como sinônimo de uma benção do Buda. Fala-se mais em "receber" o dharma (benção) do que em "cumprir" o dharma (missão de vida).
Embora
seja uma apropriação lingüística, uma evolução e extensão metafórica da palavra
em outro contexto, como ocorre em qualquer idioma, ainda assim é coerente.
Ora,
como alguém poderia receber o dharma, a benção, em um contexto espiritual? Simples, cumprindo
sua missão de vida (dharma), e executando boas ações (karma). No fundo, os três
conceitos estão completamente interligados, embora tenham significados
diferentes. Não há dharma sem karma, e a benção ou sintonia que encontramos é
produto direto de nossos pensamentos, sentimentos, energias e ações.
Compilado de Lázaro Freire