É uma
tarefa muito difícil prefaciar uma obra sobre a vida de Jesus Cristo. Aquele a que se
concede a honra de prefaciador é quase sempre um amigo mais experimentado e
mais ciente, que o autor, com respeito aos assuntos explanados no contexto de
um livro.
No
presente caso, porém, devo confessar a minha pobreza e a minha impotência.
Sobre
as pegadas luminosas do Divino Mestre, tentaram passar os cientistas, os
sociólogos, os sacerdotes, e os estudiosos de todos os tempos.
Desde
Flávio Josefo, na dinastia romana dos Flávios, e mesmo antes dele, a História quis
falar do Divino Missionário, que a humanidade havia visto. Todos os séculos estão
cheios de livros, de poemas e referências ao Cordeiro de Deus. Mas os homens
somente o têm visto, como vêem o Sol, através dos imperfeitos telescópios dos seus limitados
conhecimentos.
Distanciados
das criaturas no infinito do tempo, em cada novo século a sua figura é maior no
conceito dos povos e o seu ensinamento cada vez mais cheio de saborosa atualidade
para a vida dos homens. Sobre Ele passaram todas as heresias e todas as
guerras.
A
Igreja, que se diz depositária de sua palavra e de seu poder espiritual, semeou todas as
discórdias, inventou todos os sofismas religiosos, assenhoreou-se de todos os
poderes temporais, ao alcance de sua megalomania, em seu nome; entretanto, a sua
doutrina nada perdeu com a influência nefasta dos bispos audaciosos.
Em seu
nome criaram-se
organizações antifraternas, armaram-se coletividades para as campanhas
fratricidas, incendiou-se, destruiu-se não obstante todos esses atentados, a sua
palavra nada perdeu de sua antiga doçura, consolando os aflitos e edificando a
verdadeira paz.
A sombra
do seu apostolado de redenção e de amor, apareceram todas as mentiras e todas as mistificações
no transcurso dos séculos. Ainda agora, este trabalho é um documento de defesa do Evangelho,
estigmatizando os erros e os enganos aos quais se entregam certos estudiosos
mal avisados de um assunto tão grave; no entanto, Jesus é sempre a verdade consoladora
no coração dos homens.
Ele é a
claridade que as criaturas humanas ainda não puderam fitar e nem conseguiram
compreender. Guiadas, em todas as épocas, pela sua infinita misericórdia, elas não sabem
apreender-lhe a grandeza espiritual e, se muito já se disse no mundo a respeito de
sua vida na Terra e de sua personalidade, muito ainda se terá a dizer até que
os homens lhe compreendem a excelsitude do ensinamento.
Embora
se procura resolver os problemas transcendentes com respeito à personalidade do
Divino Mestre, Preciosa contribuição ao estudo do Evangelho, sua obra, cheia de
teses, as mais elevadas possíveis; todavia é necessário que saibamos, em todas as
questões, considerar o problema da zona de compreensão de cada criatura.
Um dos
grandes estudiosos dos assuntos espíritas, na atualidade, denominou essa
posição evolutiva do homem de "zona lúcida" (Paul Gibier).
É
considerando tudo isso, dentro das realidades do "natura non facit
saltus", que não escondo a minha predileção pelos estudos do Evangelho, pela atualidade da
plena aplicação de suas leis, única medida que poderá salvar a civilização
agonizante,
dentro de atividades em todos os programas e que se reduzem a dois objetivos
essenciais: instrução e conforto, sem o propósito de discutir a individualidade
d'Aquele que "no princípio era o Verbo".
Os
homens devem saber que o Missionário Divino não viveu a mesma lama de suas
existências de inquietações e de amarguras, mas, para que discutirmos semelhantes
assuntos, tão profundos e tão delicados na sua essência íntima, se mesmo nos Espaços,
vizinhos da Terra, onde me encontro, sobras as polêmicas e as vacilações dos
Espíritos? Semelhante fenômeno deve a sua origem à ausência de compreensão.
A
morte não constitui uma renovação milagrosa do ser, e os desencarnados
prosseguem lutando no complexo de suas próprias iniciativas, para a obtenção da
amplitude dos conhecimentos superiores do Universo e do mecanismo divino de
suas leis.
Tentemos
exumar
o Cristianismo dos escombros tenebrosos a que foi conduzido pelos desvios das
correntes religiosas, sem discutirmos a questão do corpo do seu Divino Fundador. Fora
redículo proibir-se a elucidação. O que será de evitar-se, zelosamente, é a
azedia da polêmica.
Os
homens ainda
não atingiram o estado de renúncia pessoal para lucrarem, espiritualmente, com
as discussões acaloradas, nas quais, inúmeras vezes, sem fazerem nenhuma luz para as suas
almas, criam trevas para os seus corações.
Que a
família genuinamente cristã, guardando o respeito e a amorosa veneração pelo
seu Mestre, pratique largamente a sua doutrina, esperando, com a humildade requerida,
o tempo propício à compreensão de determinadas verdades. Quem se integra no
Cristianismo, que o sente com profundeza d'alma, apreende-lhe muitas grandezas
e excelsitudes ignoradas do homem comum.
Infenso,
pois, a qualquer dissensão, nesse sentido, venho falar d'Ele, no limiar desta
obra, como os astrônomos que vão estudar no livro imenso da natureza celeste.
Perquirindo
os seus grandiosos mistérios, extáticos ante a obra admirável das leis ocultas
do Universo, que os seus olhos finitos contemplam no ilimitado da criação sabem que Deus
existe e vive em sua obra, sem contudo poderem individualizá-lo.
Falo,
assim, da
necessidade de se compreender e aplicar os princípios evangélicos, único
recurso que poderá salvar da ruína a civilização decadente da época atual, mas, tentando
aprofundar a questão da personalidade do Divino Mestre, sinto meus pobres olhos
confundidos numa vaga imensa de relâmpagos ofuscadores.
Sei que Ele
se encontra localizado na História, conheço todos os fatos políticos que
caracterizam a sua época, peregrinei nas estradas escuras do orbe ao tempo de sua
passagem pelo planeta, não ignoro a sua biografia, mas... muitas vezes os Espíritos
eleitos, que foram os seus apóstolos, não se confessaram indignos de lhe atarem
o cordão das sandálias?
Diante
do Cristo, sinto a extensão de minha fraqueza e de minha insignificância
irrecusáveis. A questão preponderante na atualidade do mundo é a compreensão da
magnitude da sua mensagem permanente, expressa na sua profunda e eterna palavra no
Evangelho.
Enquanto
os políticos, os financistas e os sociólogos dos tempos modernos preconizam os
grandes movimentos nacionalistas para diminuírem as crises que assoberbam todos
os povos, eu
proporia, se pudesse, aos homens de todas as nações, de todas as cores, de
todas as raças e de todas as crenças uma ação mundial de cristianidade.
Bastaria
essa cristianização para o renovamento das energias do mundo. Até que
consigamos, porém, a realização do nosso ideal, que se elucide, que se ensine e,
sobretudo, que se ame muito, dentro do Evangelho.
Da sua
prática depende o sentimento de compreensão acerca do Divino Mestre. Todos estamos a
caminho do conhecimento integral, no círculo de nossas possibilidades relativas e, por aqui, onde não
me faltam dificuldade e trabalhos espirituais, bem que consolo eu, ao dizer
confirmando-lhe que grande coisa já representa a nossa certeza de que o Senhor
é a luz do mundo e a misericórdia para todos os corações.
Emmanuel (espírito) e Francisco Cândido Xavier