A ovelha perdida

Leda Maria Flaborea

A humanidade conhece, admira e respeita, no campo religioso, vultos que, até entenderem e aceitarem o Cristo,
poderiam ser ainda que de forma equivocada, considerados inconvertíveis. A história de todos eles retrata uma luta íntima, caracterizada por um período de transição em que, ao despertarem para a verdade do Cristo, convertem-se em apaixonados pela Luz.

Figuras que buscam honrar a obra e o pensamento de Jesus, entender-lhe a divina vontade e viver-lhe os ensinamentos: Paulo de Tarso, Madalena ou Maria de Magdala, Zaqueu. Em cada um deles, vimos o despertar, a conscientização e a transformação através do Cristo.

Para cada um deles não bastou, como não basta para nenhum de nós, apenas o arrependimento dos atos praticados, porque este é só o primeiro passo. É preciso ir além, e eles foram. Regeneraram-se, transformaram-se e resgataram, até o último centavo, seus débitos com a lei divina. Foram salvos por Jesus, porque assim desejaram.

O tema em pauta fala de salvação, de amparo e da não desistência do Amado Mestre para nos acordar. A Parábola da Ovelha Perdida ou Desgarrada, base das nossas reflexões, é semelhante à Parábola da Dracma Perdida, e pode também ser entendida na Parábola do Filho Pródigo.

No Evangelho de Lucas, capítulo 15, versículos 4 a 7, Jesus coloca a seguinte pergunta aos discípulos e ao povo que o ouviam:

 “Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e vai atrás da perdida até que venha a achá-la? E achando-a, coloca-a sobre os ombros. E chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha perdida. Digo-vos que haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”.

Podemos compreender que, assim como um pastor se aflige e sai à procura de uma só de suas ovelhas que não tenha penetrado o redil, e por fim a encontra, e alegrando-se com isso a traz de volta, porque todas merecem o seu cuidado e por todas se sacrifica, também quando um homem se desvia do caminho certo, a palavra do Senhor o alcança, e se é ouvida, o fato é comemorado, porque há sempre alegria quando o evangelho atinge um coração e ele se redime.

Todos nós teremos esse momento glorioso. Para todos nós aplicam-se as palavras do dito popular de que o fruto só amadurece quando chega seu tempo, pois assim como o Mestre resgatou Madalena à beira do abismo, dos vícios e da vaidade, tirou Zaqueu no despenhadeiro da ganância, Judas Iscariotes sobre as escolhas perigosas que estava fazendo, os mensageiros do Cristo buscam todos aqueles em iminentes quedas nos vícios e na miséria moral.

Os enviados do Alto estão, constantemente, “advertindo todos os seres encarnados que se defrontam com problemas agudos do crime, da intemperança e da revolta”. Paulo de Tarso encontrou Jesus, já em Espírito, na estrada de Damasco, convidando-o a abandonar o fanatismo e a perseguição que fazia aos cristãos. Assim também os enviados do Cristo agem, constante e abnegadamente, para erradicar a fé cega e a intolerância religiosa em que os seres humanos estão mergulhados.

Sabemos que o corpo material denso, que abriga o Espírito, é um imenso obstáculo à assimilação desses conselhos. Todavia, é nos momentos de reflexão e repouso, em que os laços materiais que unem corpo e Espírito são afrouxados, que esses amigos dedicados ao bem têm condição de se fazerem sentir, hora em que suas influências benfazejas nos alcançam. O convite de Jesus a Paulo não foi, portanto, apenas para ele, mas para toda a humanidade.

A afirmação do Mestre de que há mais alegria no céu por um homem que se arrepende de seus atos, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento, joga por terra a crença inaceitável da condenação eterna e irremissível das almas.

O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo 27, itens 20 e 21, mostra que, segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, nem os remorsos e o arrependimento são considerados a favor do homem que errou nas suas escolhas. Para ele, todo o desejo de melhorar-se é inútil; está condenado a permanecer eternamente no mal.

Todavia, a lei divina é justa, equitativa e misericordiosa, e não fixa nenhuma duração para a pena, qualquer que seja ela. Assim, o Evangelho é claro quando afirma que:

1) O homem sofre as consequências de suas faltas; não há uma única infração à lei de Deus que não tenha efeitos dolorosos; 2) A severidade desses efeitos é proporcional à gravidade da falta; 3) A duração deles, para qualquer falta, é indeterminada, pois fica subordinada ao arrependimento e ao seu retorno ao bem; 4) É necessária, também, a reparação da infração à lei de Deus.

É por isso que nós nos vemos submetidos a novas provas, nas quais podemos sempre, pela nossa vontade de fazer o bem, reparar o mal anteriormente praticado. Como podemos perceber, não basta querer modificar-se. É imprescindível que haja vontade real e firme decisão de não mais abandonar o rebanho.

Deus é Pai de Amor, e Ele “não deseja a morte do ímpio, não quer a condenação do ingrato, do injusto, mas sim a sua regeneração, a sua salvação, a sua vida a sua felicidade”, ainda que para isso ele tenha que retornar à Terra, tantas vezes quantas forem necessárias, trazendo no seu corpo as marcas do seu débito com a lei divina.

Apesar de tudo isso, sua salvação é tão certa como a da ovelha perdida e lembrada na parábola, “porque todos que arrastam o peso da dor, os guias e protetores os assistem para conduzi-los ao porto seguro” do amor de Deus.

Em “O Livro dos Espíritos”, da questão 1007 a 1009, Allan Kardec coloca uma série de dúvidas aos Espíritos Superiores que merecem destaque, e uma delas é a seguinte: pergunta o codificador se existem Espíritos que jamais se arrependem.

Respondem os amigos dos planos espirituais mais elevados que muitas vezes o arrependimento é tardio, mas pretender que jamais melhorem seria negar a “Lei do Progresso” e dizer que a criança não pode se tornar adulta. Lembram-nos que Deus não deseja senão o bem de Suas criaturas, aceita sempre o arrependimento e o desejo de melhorar nunca é estéril.

Concluem os Espíritos Superiores que por isso as penas impostas jamais poderiam ser eternas. Que isso seria a negação da bondade de Deus, lembrando-nos, mais uma vez, que a eternidade das penas corresponde à eternidade do mal. Então, enquanto existir o mal entre os homens subsistirão também as penas. A eternidade é, portanto, relativa e não absoluta.

A Parábola da Ovelha Perdida dirige-se a todos nós: ao rico avarento e egoísta; ao pobre revoltado; ao pai que não educa; ao filho ingrato; ao homem preguiçoso e ao juiz parcial.

Dirige-se também aos que têm o dever de pregar as verdades divinas e não o fazem; aos cônjuges que traem, em todos os aspectos, os compromissos assumidos com os companheiros de jornada; aos falsários, sonegadores, ciumentos, invejosos, e a todos aqueles que enveredaram pela porta larga da devassidão e da falta de respeito pelos direitos alheios.

Mas dia virá, prosseguem os Espíritos Iluminados, orientando-nos a jornada, em que todos os homens se revestirão, pelo arrependimento, da roupagem da inocência, e nesse dia não haverá mais sofrimentos.