O reino de Deus, na visão do filósofo Herculano
Maria Eny Rossetini Paiva
O Capítulo VIII do Livro “O Reino” é denso e profundo. Comentá-lo, transpondo suas conclusões para o século XXI, exigiria muito mais do que esse simples artigo. No entanto, vamos nos ater apenas aos itens fundamentais, sem esquecer que é preciso retomar o estudo de Herculano Pires, em nosso movimento espírita.
É ele o
único autor que tem o conhecimento histórico, filosófico e a vivência especial dos homens que faziam
jornalismo nos meados do século XX, época de grandes mudanças culturais e
liberdade.
Por isso seu pensamento é fundamental para a compreensão da Doutrina Espírita.
Ouçamos
Herculano: Kardec, em “A Gênese”, afirma que as religiões sempre serviram “como
instrumento de dominação”, em virtude da maneira por que apresentam os
problemas da sobrevivência espiritual do Homem. Essa é uma das razões por que ele
sempre se negou a considerar o Espiritismo simplesmente como religião, pois
Espiritismo não se confunde com esses “instrumentos de dominação”. (pág. 148,
149 da obra em estudo.)
Ao
recusar a violência como forma de renovação social, o Espiritismo não o faz por
temor das consequências no “Outro Mundo”, mas por compreender que as consequências
funestas se verificam neste Mundo e de maneira imediata. A educação pela
violência foi substituída em toda parte pela educação persuasiva.
O ser
humano é uma consciência que repele as ofensas à sua dignidade. A Criminologia
moderna e contemporânea condena as penas máximas e os métodos de violência. As leis arbitrárias e
os regimes de força levam à fraude, ao crime e à revolta. Só no plano do
desenvolvimento social dos povos devemos então aceitar a violência como um meio
para chegar à Justiça e ao Amor?”
Allan
Kardec comentando a questão 783 esclarece a necessidade das revoluções sociais:
“As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram pouco a
pouco nas ideias, germinam ao longo dos séculos e depois explodem subitamente fazendo
ruir o edifício carcomido do passado que não mais corresponde às necessidades novas
e às novas aspirações”.
Esse
momento de explosão pode se transformar em luta, em guerra civil. Pois não
estamos em nossos dias vendo os países árabes lutando contra a Injustiça e o
Desamor, exigindo
mudanças e denunciando privilégios à custa de muitas vidas jovens que, no
desespero dos protestos pacíficos inúteis, estão dispostos a tudo? A Síria ainda perde
hoje milhares de vidas jovens, por insistir na liberdade, na justiça e no
bem-estar de seu povo.
Talvez
estejam achando que é chegada a hora, ainda inexperientes de que o momento pode
não ter ainda chegado, como chegou para outros países. Sem apoio de potências
estrangeiras, que os vêem perecer sem interferir, para não perder suas
vantagens econômicas, a carnificina persistirá. Seus próprios irmãos em fé parecem
ter-se esquecido deles.
Ao longo
da História, porém, as Revoluções sociais se processarão cada vez menos por
esses meios violentos, as leis se abrandarão e teremos mais equilíbrio e
harmonia. As disputas, as lutas ferrenhas, alimentando ódio e paixões não
mudarão estruturas sociais.
Mesmo
revoluções de povos, conduzidas com brandura e amor, como a do povo hindu,
com Gandhi, foram incapazes de em curto prazo fazer com que a Índia deixasse de
alimentar o espírito de exclusão, de desamor, de desigualdade das castas
sociais.
Ainda hoje funcionam as castas na Índia, de modo repugnante e revoltante,
mantendo os homens escravos de outros homens e com os ritos das castas
bramânicas auxiliando a exclusão e a mentira, mesmo com a Constituição na Índia
estabelecendo a igualdade.
No
entanto, fica mais fácil para o processo se as leis estabelecidas pelos que
“estão à frente”, no sentido moral, já existirem. O povo aprenderá a exigir o
cumprimento delas de modo adequado ao longo do processo. O processo evolutivo
exige que ao lado das leis justas sejamos capazes de vivê-las em nós e
trabalhar, para
esclarecer e mudar as mentes mantidas na ignorância dos adoentadas pelo orgulho,
ganância, desonestidade.
No dizer
dos Espíritos Superiores, no mundo o mal avança porque os bons são tímidos, e
esclarecem: “Os maus são intrigantes e audaciosos, mas os bons são tímidos (no sentido de
medrosos, covardes). Quando estes o quiserem, preponderarão. (questão 932)”.
Que a
nossa vida seja toda dedicada a viver diariamente o Reino dentro de nós e lutar
para impedir que a maldade triunfe fora de nós, com todo o nosso esforço. Os espíritas deveriam
ter por lema nunca deixar a maldade avançar, se tiverem meios para impedir esse
avanço nas pequenas, como nas grandes coisas, utilizando formas de ação
honestas e sem maldade.
O
mensageiro angelical e metafórico que inspira as partes principais do livro “O
Reino” dá ao autor, no final, um Decálogo para que ele o transmitisse “a todos os que
quiserem entrar para as fileiras dos Trabalhadores do Reino”:
1) Ao
acordar pense no Reino, antes de pensar nas coisas terrenas. E ore. Peça ao Jovem
Carpinteiro que lhe dê forças para não se deixar fascinar pelos pequenos reinos dos
homens e para amar a todos;
2) Antes
de iniciar o seu dia lembre-se e grave na sua mente que tudo o que você fizer
deve ser feito a favor do Reino, mesmo no seu trabalho e nas suas mínimas obrigações
rotineiras;
3)
Afaste do seu coração qualquer ressentimento contra quem quer que seja. Comece o dia com um
sentimento de gratidão a Deus pela bênção da vida e pela bênção maior da compreensão do
Reino;
4) Faça
ou renove o seu voto de humildade, prometendo a você mesmo não ceder ao orgulho,
à vaidade, à cólera, à arrogância, à ambição, à prepotência, à violência, pois todas essas
coisas conduzem aos reinos dos homens, desviando-nos do Reino de Deus;
5)
Prometa manter-se
calmo e buscar a serenidade em todas as circunstâncias;
6) Tenha
confiança na verdade. Só assim você não perderá a razão quando o injuriarem,
caluniarem, disserem mentiras a seu respeito, pois compreenderá que só a verdade
prevalece e que ela não necessita da força, da astúcia ou de qualquer manobra para se
impor;
7) Busque
a pureza; todas as coisas são puras quando as encaramos com amor, compreensão e
pureza. Não
há atos impuros para o homem que mantém o seu coração puro. É a nossa malícia
que faz impuras as coisas de Deus. Evite sempre os excessos que são provenientes
do egoísmo, fonte da impureza;
8) Não
se esqueça de que o pior dos homens é seu semelhante, seu irmão. Trate a todos com
amor e justiça. Mas cuidado na justiça, que nosso egoísmo facilmente transforma
em injustiça. E seja
abundante no amor, em que somos sempre tão pobres e avaros;
9) Não
roube; não aprove o roubo; não elogie o roubo; não queira possuir mais do que o
necessário; porque para isso é preciso tirar dos outros e aumentar a miséria
do Mundo, em prejuízo da Riqueza do Reino; afaste-se da corrupção do século e dê o
exemplo do Amor e Justiça do Reino;
10) Não
se apresse nem se iluda, pois o Reino não vem por sinais exteriores; precisamos
construí-lo paciente e corajosamente no coração dos homens, pelo nosso exemplo.
Amor,
Desapego e Pureza são os instrumentos de construção do Reino de Deus na Terra.
Aprenda a trabalhar com esses instrumentos e você ajudará a
construir o Reino.
Adverte
Herculano que esse Decálogo tem segredos que só a prática revelará.
Praticando-o iremos percebendo que nossa visão vai se ampliar e que nossa
compreensão se esclarecerá. Que tal começar agora?