Bem aventurados os que padecem perseguição

Bem-aventurados os que padecem perseguição
por amor à justiça, porque deles é o reino dos céus
(Mateus, 5:10) - Rodolfo Calligaris

Se houve alguém, na Terra, que se devotasse inteiramente à causa da Justiça, a ponto de ser chamado "o justo dos justos", esse alguém foi Jesus, o Cristo. Não se encontra, em toda a sua vida, um só episódio, uma só oportunidade, em que houvesse capitulado na defesa do direito ou transigido com a impostura e a iniqüidade.

Que fizeram com ele, entretanto? Não podendo suportar sua superioridade moral, que os apequenava, nem aceitar sua doutrina fraternista, que lhes infirmava a situação de favorecimento,
os poderosos da época entraram a acossá-lo sem tréguas e não se deram por satisfeitos enquanto não o viram pregado ao madeiro, à conta de um celerado qualquer!

Exatamente porque sabia ser este um planeta dos menos evoluídos na hierarquia dos mundos, cuja Humanidade, salvo raras exceções, se ressentia, como ainda se ressente, de grande atraso espiritual, Jesus, longe de prometer aos seus discípulos uma vida gloriosa e livre de atribulações, preveniu-os, clara e reiteradamente, de que outra coisa não deveriam esperar, senão calúnias, injúrias e perseguições.

Eis, entre outras, algumas dessas advertências:
"Eu vos mando como ovelhas no meio de lobos"; "por me seguirdes, sereis açoitados nas sinagogas, assim como vos arrastarão à presença de governadores e de reis"; "por causa do meu nome, sereis odiados de todos, e chegará a hora em que todo aquele que vos matar julgará prestar um serviço a Deus"; "o servo não é mais do que seu senhor, e, se perseguiram a mim, hão de perseguir-vos também."

Nestes vinte séculos, outra não tem sido, realmente, a sorte dos que procuraram ou procuram implantar na Terra um estilo de vida baseado na justiça, tomado esse termo em sua mais profunda significação.

Assim é que, por não se conformarem com o erro, a opressão, as simonias, os privilégios de casta e de classe, a exploração do homem pelo homem, etc., e, corajosamente,
se terem empenhado em dar-lhes combate, muitos hão sido esmagados e eliminados, sob a pecha de apóstatas, hereges, traidores, infiéis, agitadores, e quejandos, quando, em verdade, eram autênticos construtores desse mundo melhor, mais livre e mais feliz, com que sonhamos.

Sim, todos os idealistas que têm procurado, à custa de ingentes sacrifícios, fazer que nosso mundo progrida: moral, política ou mesmo materialmente, sempre encontraram acérrimos e cruéis opositores, que não trepidaram em lançá-los às fogueiras, levantá-los em forcas, passá-los à espada, trucidá-los em instrumentos de suplício, encerrá-los em masmorras, espingardeá-los ou excomungá-los, para manterem regimes ou sistemas de que eram beneficiários.

Com o decorrer dos tempos, os processos de perseguições a esses idealistas têm-se modificado um pouco; todavia, a animosidade contra eles continua a fazer-se sentir.

Aquele, no entanto, que tão bem soubera prever as violências que seriam infligidas aos que lhe partilhassem os anseios de justiça, também os exortou, dizendo:
"Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma"; "porfiai até ao fim"; e, sob a mesma inspiração que levou os melhores homens do passado a lutarem pelo progresso das idéias e das instituições, outras criaturas continuam lutando por tão nobre causa, de sorte que, malgrado o desespero dos reacionários, o mundo marcha!

E quantos, a exemplo do Cristo, sofrem perseguição por amor à justiça, são, de fato, bem-aventurados, porque a consciência do dever bem cumprido comunica-lhes aquela doce paz e deleitosa alegria espiritual que constituem "o reino dos céus".