Bem-aventurados os pobres de espírito, porque
deles é o reino dos céus (Mateus, 5:3) - Rodolfo Calligaris
Bem-aventurados
os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus, disse Jesus, iniciando
o Sermão da Montanha. Situou assim, a humildade espiritual em primeiro lugar
entre as virtudes que precisamos adquirir para merecermos a glória das almas redimidas.
Exegetas do Evangelho, adulterando por completo o sentido dessa máxima, pretendem que ela proclame bem-aventurados os apoucados de inteligência, os retardados mentais, os idiotas e imbecis.
Tal
interpretação, todavia, é insustentável, pois, a ser verdadeira, não haveria lugar nos
céus para os ricos de espírito, e o próprio Mestre, o expoente máximo da
riqueza espiritual que a Terra já conheceu, ficaria de fora.
Por "pobres de espírito", na acepção em que Jesus empregou essas
palavras, devem-se entender aqueles que, aspirando à perfeição e, comparando com o
ideal a ser atingido e o pequenino grau de adiantamento a que chegaram,
reconhecem quanto ainda são carentes de espiritualidade.
São bem-aventurados porque a noção que têm de suas fraquezas e mazelas fá-los lutar por aquilo que lhes falta, e esse redobrar de esforços leva-os realmente a conseguirem maior progresso espiritual.
Já
aqueles que se acomodam a ínfimos padrões de moralidade, ou se mostram
satisfeitos com seu estado, considerando-se suficientemente bons, ao contrário dos
primeiros, não se incluem entre os bem-aventurados porque, seja por
ignorância, seja por orgulho, permanecem estacionários, quando a vida
espiritual, assim como tudo na Natureza, rege-se por um impulso constante para
a frente e para o alto.
Igualmente, os que entendem não ser preciso cultivar um caráter nobre e reto, porque (segundo julgam) "o sangue do Cristo foi derramado para remir os pecados da Humanidade", também não são incluídos entre aqueles cuja atitude de espírito foi exaltada pelo Nazareno.
Malgrado a respeitabilidade de seus princípios religiosos, só vislumbrarão o reino celestial quando venham a reconhecer a pobreza de suas virtudes, e se empenhem com afinco pelas conquistas, pois todo aquele a quem o Cristo haja redimido, de fato, terá de deixar as más obras, para "apresentar-se santo e imaculado e irrepreensível diante dele". (Colossenses, 1:22)
A
colocação da humildade de espírito, como a primeira das beatitudes, parece-nos,
pois, não ser meramente fortuita, mas sim proposital, visto que a felicidade
futura de cada indivíduo depende muito do conceito que ele faça de si mesmo.
Quem se
imagina com perfeita saúde não se preocupa com ela, nem procura um médico para
tratá-la. Também aquele que se presume sem defeitos, ou já se considera salvo,
descuida da higidez de sua alma, e, quando menos espera, a morte o surpreenderá
sem que tenha avançado um passo sequer no sentido da realização espiritual.