Ninguém pode ver o Reino de Deus
se não nascer de novo – Por Ângela Moraes
“Disse-lhe
Nicodemos: “Como pode nascer um homem já velho? Pode retornar a entrar no
ventre de sua mãe, para nascer segunda vez? Retorquiu-lhe Jesus: “Em verdade,
em verdade, digo-te: Se um homem não renasce da água e do Espírito, não pode
entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do
Espírito é Espírito”. (João, cap. III.)
Fred
aguardava, na Espiritualidade, oportunidade de voltar a integrar sua família
espiritual, agora imersa na carne. Ana Cristina , irmã muito amada de Fred de outras
vidas, seria nesta encarnação sua mãe, para que ele pudesse continuar o
trabalho de auxílio a ela iniciado na vivência anterior, ocorrida em meados do
século XVIII.
Naquela
época, a Europa ainda revelava resquícios da obscuridade e da violência que as
Cruzadas impuseram ao povo, incentivando-os à ignorância, em obediência aos
dogmas da Igreja. No plano material, a extrema pobreza imperava nas imediações
dos castelos, enquanto que espiritualmente a grande batalha dos mentores era
reverter o desejo de vingança ainda muito forte na cultura geral.
Nesse
contexto foi que cresceu Ana
Cristina , tendo por irmão Fred. Órfãos de mãe e pai com pouca
idade, foram acolhidos pela família vizinha, que lhes devotava os cuidados
amorosos de verdadeiros pais. Fred, o mais velho, passou a trabalhar no
comércio de seu pai adotivo desde cedo, nutrindo por ele vivo amor e gratidão.
A jovem,
no entanto, Espírito pouco maduro e rebelde, tratava-os com malcriação e
descaso, enquanto sua mente inteligente arquitetava maneiras de fugir da vida
que considerava miserável.
Em seus
planos ambiciosos, usou todas as armas que tinha a seu alcance: com sua beleza,
tentara extorquir jovens da nobreza em frias e calculadas gestações. Vendo que
os nobres pouco se preocupavam, acabava provocando o aborto com chás e
preparados venenosos, para então tentar nova investida assim que se
recuperasse.
O irmão,
Fred, Espírito mais experiente e dócil, de tudo fazia para tentar remover da
cabeça da irmã suas idéias absurdas e sua ambição desmedida, tentando mostrar a
ela que a vida simples que levavam não era de todo ruim, se cultivassem o amor
recíproco e a alegria doméstica.
Mais que
isso, havia ainda outras crianças carentes e abandonadas na vila, que eles
poderiam então ajudar, na vida adulta. Mas qual! Alegria para Ana eram os
bailes da Corte! Vida era o luxo da nobreza.
Satisfação
era o poder das senhoras e do Clero! Dessa maneira, Ana Cristina intoxicou seu
corpo físico e astral com os venenos abortivos, enquanto seu próprio Espírito
se intoxicava de ilusões, frustrações e ódio. Aos quarenta anos, foi recolhida
pelo irmão gravemente enferma, com vírus venéreos infectando todo o corpo. Cuidada
pacientemente por ele, desencarnou meses depois.
Naquela
vivência, Fred ainda desempenhou trabalho árduo em favor dos miseráveis
abandonados de sua vila, por quase trinta anos, vindo a falecer em idade
avançada. Durante todo esse tempo, no entanto, Ana errara no Umbral,
atormentada pelos Espíritos que havia prejudicado, extorquido e os assassinados
ainda em seu ventre.
Seu
corpo espiritual exibia profundas feridas e denso material, fluido viscoso e
escuro, nos órgãos sexuais, que sangravam e exalavam mau cheiro constante.
Quase dementada pelas acusações constantes e as dores que sentia como se fossem
físicas, acabou socorrida por Fred, o único Espírito que sensibilizava o seu,
já depois de mais de quarenta anos se arrastando pelo Umbral.
Mas,
como Deus é misericordioso com todos os seus filhos, não houve benfeitor que
não se comovesse com o profundo sofrimento daquele Espírito. Ana foi cuidada em
cidade espiritual como filha muito querida, e pôde então sentir, depois de
quase um século, o amor filial novamente. Seu coração, no entanto, não
conseguia perdoar o Criador por tê-la feito órfã em tão tenra idade. Almejava
rever a mãezinha da Terra.
Filha,
apresentou o Espírito materno, em oportunidade bendita eu e seu pai também
sofremos muito por deixar vocês no mundo. Nós tornamos nossos caminhos muito
espinhosos pelas decisões erradas que tomamos, e todos pagamos o preço, disse,
remetendo-se a seus débitos pessoais com a Providência. Mas eu só fiquei
realmente mais tranqüila quando soube que nossos queridos vizinhos iriam tomar
conta de vocês. Que fizera do amor deles, minha jóia?
Ana
chorou. Conseguia agora enxergar a extensão da sua ingratidão e do seu egoísmo.
Relembrou as figuras que tentaram lhe oferecer o amor perdido e sentiu-se
envergonhada. Almejou pedir-lhes perdão, e assim a espiritualidade lhe
proporcionou a oportunidade. Vendo os pais adotivos, sua rogativa se fez de
pranto mudo e sufocante, aconchegada no colo daqueles que fizeram tudo o que
puderam por ela.
Fred,
por sua vez, estivera ao lado da irmã em todos os momentos, até o dia em que se
despediram para novo mergulho na carne. Ana só teve coragem de ir porque sabia
que o irmão a ajudaria na vida física, como valioso filho. Sentia-se sempre
mais forte tendo ele por perto, por isso, agora Fred aguardava seu momento de
reencarnar. A irmã, então casada e na vida adulta, tentava agora a gravidez.
O que
ocorreu, no entanto, é que, apesar dos anos de recuperação na cidade
espiritual, os danos causados ao perispírito de Ana, na região sexual, não
puderam ser alijados. Era necessário que migrassem deste para o corpo físico,
para que finalmente o corpo astral ficasse livre daqueles fluidos deletérios.
Assim foi que, ao tentar a gravidez, Ana descobriu extrema fragilidade nos
órgãos reprodutores.
Sofreu
dois abortos espontâneos, para desespero daquela alma que começava a desejar
profundamente ser mãe, de verdade, sem interesse material. Entendeu-se, por
fim, impossibilitada de engravidar. O marido, simpático àquele Espírito frágil,
aceitou a sugestão mental da espiritualidade: Querida, já pensou em adotarmos?
E assim
foi que Fred voltou ao convívio da irmã, na forma de precioso, amoroso e muito
querido filho adotivo. Ana pôde verificar, enfim, na própria pele, que o amor
vai muito além do corpo físico, conforme Jesus havia dito: “O que é nascido da
carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito”.